Uma entrevista com
Göran Therborn
Jacobin
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Ilustração de Ben Jones. |
Göran Therborn é um dos principais sociólogos do mundo, autor de obras como European Modernity and Beyond, The World: A Beginner's Guide e The Killing Fields of Inequality. Em um ensaio de 2016 para a New Left Review, Therborn argumentou que havia um clima predominante de pessimismo quanto à própria ideia de progresso histórico na esquerda, o que ele considerava um erro: “Contra — ou, talvez mais cautelosamente, ao lado — do humor sombrio que prevalece na esquerda, inclusive na esquerda ambientalista de centro-esquerda, pode-se afirmar que a humanidade hoje se encontra em um auge histórico de suas possibilidades, no sentido de sua capacidade e recursos para moldar o mundo, e a si mesma.” Em uma entrevista recente, pedimos a Therborn que revisitasse e expandisse suas ideias sobre as dinâmicas da evolução social humana.
Daniel Finn
Daniel Finn
Em que medida a ideia de progresso é uma novidade histórica por si só?
Göran Therborn
O progresso tem sido um compromisso da esquerda desde o nascimento da própria esquerda, há mais de dois séculos. Ele surgiu antes da modernidade e de uma orientação geral para um futuro aberto. As interpretações predominantes da história no período pré-moderno a viam em termos cíclicos ou como um declínio a partir de uma idade de ouro do passado. Para os cristãos comuns, havia o Jardim do Éden; para estudiosos, artistas e intelectuais, a Grécia e Roma clássicas eram mais relevantes. Aristóteles foi a grande autoridade científica em geral por mais de 1.500 anos, ao lado de outros mestres antigos em disciplinas específicas, como o anatomista greco-romano Galeno, do século II. As escalas de tempo da ciência eram vastamente diferentes nos tempos pré-modernos.
A "descoberta" e conquista europeia das Américas contribuiu para a erosão do sentimento de inferioridade em relação ao conhecimento olímpico dos antigos. Mais frequentemente, conquistas técnicas recentes eram usadas como argumentos contra tal inferioridade, como a imprensa, a bússola náutica e o telescópio.
Foi durante o século XVII que a ciência contemporânea se afirmou — e com ela, a ideia de progresso — em comparação com a antiguidade. O filósofo inglês Francis Bacon foi o arauto, e o filósofo francês René Descartes forneceu os fundamentos filosóficos para a ruptura com o passado, enquanto a física de Isaac Newton inaugurou uma nova era científica, institucionalizada na Royal Society britânica e na Académie des Sciences francesa. Esse século também testemunhou uma grande revolta moderna no campo estético contra a subserviência aos antigos, a Querelle des Anciens et des Modernes na literatura francesa, com escritores modernos "do século de Luís, o Grande" reivindicando status igual à literatura antiga.
A "descoberta" e conquista europeia das Américas contribuiu para a erosão do sentimento de inferioridade em relação ao conhecimento olímpico dos antigos. Mais frequentemente, conquistas técnicas recentes eram usadas como argumentos contra tal inferioridade, como a imprensa, a bússola náutica e o telescópio.
Foi durante o século XVII que a ciência contemporânea se afirmou — e com ela, a ideia de progresso — em comparação com a antiguidade. O filósofo inglês Francis Bacon foi o arauto, e o filósofo francês René Descartes forneceu os fundamentos filosóficos para a ruptura com o passado, enquanto a física de Isaac Newton inaugurou uma nova era científica, institucionalizada na Royal Society britânica e na Académie des Sciences francesa. Esse século também testemunhou uma grande revolta moderna no campo estético contra a subserviência aos antigos, a Querelle des Anciens et des Modernes na literatura francesa, com escritores modernos "do século de Luís, o Grande" reivindicando status igual à literatura antiga.
Politicamente, o surgimento do futuro como um terreno não escrito que os humanos poderiam criar veio com a Revolução Francesa. Foi então que os conceitos de revolução e reforma adquiriram seu significado moderno como processos de mudança social que conduzem a um novo tipo de sociedade. Antes disso, "reforma" e "réforme" significavam restauração — no protestantismo cristão, a restauração do cristianismo pré-papal.
"Revolução" originalmente significava "voltar a girar" e adquiriu vários significados, antes de tudo astronômicos, referindo-se ao movimento recorrente dos corpos celestes, como na obra de Nicolau Copérnico de 1543, De Revolutionibus Orbium Coelestium. Em meados do século XVII, revolução passou a incluir eventos de distúrbios políticos, protestos ou violência, e nesse sentido amplo, o termo foi usado como rótulo para a "Revolução Gloriosa" de 1688 na Inglaterra. Mais tarde, escrevendo à sombra de 1789, conservadores como Edmund Burke afirmariam que essa “revolução” não envolveu “uma única ideia nova” e foi feita unicamente "para preservar nossas leis e liberdades antigas e indiscutíveis."
"Revolução" originalmente significava "voltar a girar" e adquiriu vários significados, antes de tudo astronômicos, referindo-se ao movimento recorrente dos corpos celestes, como na obra de Nicolau Copérnico de 1543, De Revolutionibus Orbium Coelestium. Em meados do século XVII, revolução passou a incluir eventos de distúrbios políticos, protestos ou violência, e nesse sentido amplo, o termo foi usado como rótulo para a "Revolução Gloriosa" de 1688 na Inglaterra. Mais tarde, escrevendo à sombra de 1789, conservadores como Edmund Burke afirmariam que essa “revolução” não envolveu “uma única ideia nova” e foi feita unicamente "para preservar nossas leis e liberdades antigas e indiscutíveis."
Na principal obra intelectual do Iluminismo, a Encyclopédie francesa, o volume da letra R apareceu em 1765. Ele trazia entradas para vários significados de révolution, incluindo um referente à relojoaria. A própria Revolução Francesa fixou a semântica de “revolução”. Juntamente com a campanha britânica subsequente por mudanças parlamentares, ela também popularizou o uso do termo “reforma” como porta para algo novo e melhor.
Daniel Finn
Podemos separar o conceito de domínio da noção tradicional de que a humanidade tinha o direito de dominar a natureza?
Göran Therborn
Não acho que essa questão deva ser formulada em termos de direitos. Para os humanos pré-modernos, a natureza era frequentemente uma força avassaladora — secas, enchentes, geadas, erupções vulcânicas e terremotos, sem mencionar pragas e outras doenças epidêmicas.
Também havia percepções pré-modernas da natureza como uma totalidade animada da qual os humanos faziam parte e à qual deviam respeito. No entanto, essas noções não parecem ter sido muito difundidas entre os camponeses e habitantes urbanos europeus da Idade Média — o meio do qual a modernidade se desenvolveu. A “dominação” da natureza na modernidade começou como uma libertação humana da servidão imposta pela natureza, cujo núcleo era a chamada armadilha malthusiana, na qual boas colheitas levavam à superpopulação e a um novo período de fome.
É verdade que uma figura como Bacon — que era um político proeminente, além de arauto filosófico de um “novo instrumento das ciências” em seu livro Novum Organum — pôde escrever, em 1603, um texto sobre “o nascimento masculino do tempo, ou a grande instauração da dominação do homem sobre o universo”, conclamando os humanos a “fazer [da natureza] sua escrava”. Ele defendia isso como um direito humano concedido por Deus.
No entanto, também podemos ver a revolução científica do século XVII como envolvendo a descoberta das leis da natureza, das quais o homem poderia se beneficiar, mas que não poderia dominar nem mudar. Essa era uma perspectiva que se manteve na economia do século XIX e no evolucionismo spenceriano. Para Descartes, o principal bem dos “frutos da terra e de todo o bem ali encontrado”, que a ciência e as invenções permitiriam aos homens usufruir, era “a conservação da saúde”.
Daniel Finn
Quais foram as limitações do evolucionismo social do século XIX?
Göran Therborn
Na Europa e na América do Norte, o século XIX foi um século de mudanças e transformações históricas, tanto sociais quanto tecnológicas — talvez mais do que qualquer outro período registrado na história. Foi a era da máquina a vapor, da luz elétrica, das ferrovias, dos navios a vapor, do telégrafo, entre muitas outras inovações. O fim do reinado de reis e aristocratas parecia próximo, e uma nova economia surgiu com bases industriais e capitalistas.
Houve certamente muitas continuidades e mudanças incompletas, mas produziam-se mais bens do que nunca, o transporte e as viagens tornaram-se mais rápidos, e as pessoas comuns passaram a ter mais direitos e liberdades. Em resumo, o mundo humano estava em movimento, evoluindo. As novas ciências sociais — a sociologia e a antropologia — tentavam entender o que estava acontecendo e categorizar a nova sociedade que emergia.
Não é de surpreender, portanto, que o século XIX tenha se tornado o século do evolucionismo. Novas descobertas científicas abriram novas perspectivas para grandes populações, a geologia alterou a escala temporal da Terra, e Charles Darwin mostrou como a vida no planeta havia se desenvolvido.
No entanto, o evolucionismo social vitoriano acabou se fechando sobre si mesmo e se tornando um primo secularizado da providência cristã. Era universalista, baseado em uma perspectiva segundo a qual todos os humanos enfrentavam a mesma escada de desenvolvimento sociocultural, mas estavam posicionados em diferentes degraus. Esse universalismo era caracteristicamente formulado em termos eurocêntricos e racistas (herdados de Montesquieu), como uma passagem pelos estágios de “selvageria, barbárie e civilização”.
Nesse modelo, progresso e evolução eram deterministas, com uma tendência inerente de mudança lenta, incremental e não planejada. Qualquer tentativa política de interferir nessa tendência seria inútil. O destino dessa evolução era claro: “a maior perfeição [do homem] e a mais completa felicidade”, como afirmou Herbert Spencer.
A teoria da evolução de Darwin havia sido originalmente inspirada pelo economista conservador Thomas Malthus e sua visão sombria da “luta pela existência” humana. No final do século XIX, o darwinismo retornou à sociedade humana na forma do darwinismo social, tornando-se a ideologia dos magnatas da Era Dourada (Gilded Age), com a ideia da sobrevivência do mais apto.
Ainda assim, há tendências evolucionárias inscritas nos desenvolvimentos modernos da ciência, da medicina e da tecnologia. Essas tendências ampliam, de fato, as oportunidades para os seres humanos, embora o grau em que essas oportunidades se realizam dependa de relações de poder que são amplamente contingentes. Acredito que a esquerda deve evitar se desconectar dessa perspectiva sobre o mundo contemporâneo.
Também estou convencido de que uma visão evolucionária que considere as “dinâmicas sociais adaptativas” — como emulação, percepção de sucesso ou fracasso, imitação ou abandono — pode ser esclarecedora e sóbria na análise política. O núcleo do pensamento crítico, acredito, é manter a vigilância sobre contradições, desequilíbrios e desigualdades na realidade social (bem como nas declarações feitas sobre ela)
Daniel Finn
Quão longe a humanidade chegou no sentido de conseguir exercer uma forma de agência coletiva como espécie?
Göran Therborn
A agência humana planetária é historicamente recente, começando no final do século XIX, com tentativas de estabelecer um sistema de tempo planetário que só se completaram muito tempo depois. Em 1899, tivemos a primeira conferência global de Estados — uma conferência de paz em Haia, iniciada pelo czar russo. Em 1900, Paris sediou o primeiro grande congresso mundial de estudiosos — filósofos, neste caso.
Alguns progressos certamente foram feitos. O mais importante é o conjunto de organizações setoriais das Nações Unidas — OIT, UNICEF, UNESCO e assim por diante — com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos em 2000, e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, de 2015. As Conferências Mundiais sobre o Clima, iniciadas em 1979, são tentativas válidas de lidar com a crise aguda das mudanças climáticas. Embora certamente não tenham alcançado o suficiente, ainda assim tiveram um impacto global. Os interesses do capitalismo em escala mundial são monitorados e, em parte, gerenciados pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional.
No entanto, também é preciso observar que a guerra genocida de Israel contra os palestinos — com o apoio dos Estados Unidos e seus aliados —, combinada com seu desprezo insultuoso e humilhante pela ONU, incluindo o ato de declarar a UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina) uma organização terrorista, indica o início de um colapso da ordem mundial da ONU. O desrespeito de Israel pelo direito internacional e pelos tribunais internacionais — tudo possibilitado pela proteção de Joe Biden, que Donald Trump está continuando — aponta para o surgimento de um mundo anárquico moldado por uma geopolítica imperialista.
Daniel Finn
Para algumas pessoas, é evidente que a história humana tem sido marcada por progresso em vários campos, mas você dirigiu seus argumentos, em particular, para aqueles que questionam essa premissa. Para esse público, quais são os principais exemplos de progresso que podemos identificar ao longo dos últimos séculos?
Göran Therborn
Talvez seja melhor começarmos especificando o que podemos entender por progresso. Inspirado no trabalho de Amartya Sen, eu sugeriria que definíssemos progresso como o aprimoramento da capacidade humana de funcionar. Isso precisa, então, ser dividido em áreas específicas, que podem ser agrupadas, pelo menos, em duas categorias: uma composta por conhecimento e tecnologia social, e outra por organização social.
Na primeira, para buscar progresso, devemos olhar para a expectativa de vida e saúde, educação, conhecimento científico, produtividade, mobilidade e comunicabilidade. Na segunda, devemos focar na inclusão social em um sentido amplo, incluindo também igualdade e solidariedade social (isto é, oferta de ajuda em situações de necessidade) e autonomia individual (ou seja, liberdade).
Idealmente, o progresso deveria ser medido levando em conta também a destruição crescente do habitat humano, assim como a destruição dos próprios humanos. Alguns dados estão disponíveis nessa área — por exemplo, mortes por assassinatos, guerras e catástrofes naturais. Outros ainda são difíceis de avaliar, como a escala da destruição ambiental ou os efeitos do aumento da eficiência dos meios de destruição.
Poucas pessoas poderiam contestar o argumento de que houve avanços irreversíveis nos últimos séculos no que diz respeito à ciência, medicina e tecnologia. A revolução industrial e as revoluções agrárias, que aumentaram a produtividade e a renda, são certamente um exemplo. O PIB per capita mundial multiplicou-se por dez entre 1820 e 2003. A expectativa média de vida ao nascer subiu de cerca de 26 anos em 1820 para 73 anos em 2020.
Em 1820, a taxa de alfabetização da população mundial a partir da idade escolar secundária era de cerca de 12%; em 2020, era de 87%. Claro, há grandes desigualdades territoriais em todos os três indicadores, e houve quedas locais na curva de progresso — por exemplo, nas taxas de expectativa de vida dos EUA e do Reino Unido durante os anos 2010. Ainda assim, nenhum país caiu abaixo do nível pré-1950 em qualquer uma das três métricas.
O histórico de progresso na organização social é mais ambivalente, com tendências tanto progressivas quanto regressivas, e muito mais variação no tempo e no espaço. Houve, de forma incontestável, grandes avanços em termos de liberdade humana, à medida que o trabalho livre se tornou predominante com o fim da servidão e da escravidão, e conforme os indivíduos passaram a poder escolher sua educação, ocupação, religião e parceiro. Há também, muito provavelmente, mais liberdade para participar (ou se abster) de organização e ação coletiva do que havia dois ou três séculos atrás.
No entanto, a negação absoluta da liberdade humana — por meio do aprisionamento e da matança — não seguiu uma trajetória de declínio claro. O encarceramento aumentou na União Soviética sob Joseph Stalin, atingindo o pico de 1.470 a 1.760 pessoas por 100 mil. Ele diminuiu desde meados dos anos 1950 até hoje, mas ainda permanece em um nível elevado — 322 por 100 mil na Rússia pós-soviética em 2022.
As taxas de encarceramento nos EUA aumentaram fortemente após a Guerra Civil, tanto no Norte quanto no Sul. Depois dispararam novamente após 1970, atingindo um pico histórico em 2008, com 755 presos por 100 mil habitantes — cerca de metade do máximo soviético. Em 2022, o número caiu para 541.
Apesar da queda na Rússia e nos EUA, a população carcerária global mostra uma leve tendência de alta na década de 2012 a 2022. Atualmente, há cerca de 11,5 milhões de pessoas presas no mundo. Embora seu crescimento no século XX na URSS, nos EUA e em muitos outros países indique uma regressão da liberdade humana, as vítimas dessa tendência foram superadas em número pelos beneficiários de uma maior liberdade em outras áreas.
A violência letal não diminuiu com a expansão do comércio e do industrialismo, como os filósofos iluministas e os evolucionistas do século XIX imaginavam. A Segunda Guerra Mundial foi a mais letal da história humana, com um total de 70 a 85 milhões de mortes, incluindo fatalidades indiretas causadas por doenças e fome. Mais da metade das vítimas eram soviéticas ou chinesas.
A ferocidade da repressão estatal por regimes autoritários atingiu níveis sem precedentes no século XX, enquanto as tentativas do pós-guerra de impedir novos massacres mostraram-se, em grande parte, inúteis. As convenções sobre genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade foram impotentes diante das práticas coloniais pós-guerra da França, do Reino Unido e dos Estados Unidos — da Argélia e Madagascar ao Quênia e Vietnã — ou contra o genocídio contínuo de Israel contra os palestinos.
Não houve “dividendo da paz” após a Guerra Fria. As guerras travadas pelos Estados Unidos após o 11 de setembro mataram diretamente mais de 900 mil pessoas, ao custo de 15 mil vidas americanas. As mortes indiretas por devastação e doença somaram quase quatro milhões. Tortura e fome provocada pelo homem ainda existem no século XXI, como mostram os casos do Iraque, Palestina, Sudão, Etiópia e outros.
Podemos comparar o assassinato de alguns com a vida mais longa e melhor de outros? Essa é uma questão moral para a qual não há resposta fácil — e sobre a qual é improvável que haja consenso. Não pretendo saber com certeza como respondê-la corretamente. Apenas acrescento um argumento demográfico para considerar junto com os conhecidos horrores.
Apesar das perdas tremendas com as guerras, as populações soviética e chinesa aumentaram entre 1913 e 1950, respectivamente a uma taxa de 0,38% e 0,61% ao ano (na Índia colonial, o crescimento populacional foi de 0,45% ao ano no mesmo período). Em 1950, o mundo tinha 2,5 bilhões de pessoas, e essa geração podia, em média, esperar viver catorze anos a mais e com mais prosperidade do que a geração de 1913.
A inclusão social foi ampliada — com o desmantelamento do racismo institucionalizado, com a descolonização, com a deslegitimação e o enfraquecimento de barreiras de casta e com a concessão de direitos civis às mulheres e aos povos indígenas. No entanto, do lado negativo, a exclusão social sob a forma de desigualdade econômica em escala global aumentou de 1820 até atingir um pico em 1910, permanecendo num patamar alto até cerca de 1950.
Depois disso, diminuiu até cerca de 1980, antes de subir novamente até o mesmo nível de 1910 em 2007, e, finalmente, atingir o nível da década de 1890 em 2020. Em outras palavras, não houve progresso duradouro de inclusão econômica para a metade inferior da humanidade nas oportunidades geradas pela expansão da produtividade humana ao longo do século XX e do primeiro quarto do século XXI.
As dúvidas sobre o progresso humano são compreensíveis. No entanto, uma característica (e força) de uma formação marxista é a disposição de ver e reconhecer a natureza contraditória do desenvolvimento social. Sim, houve progresso em algumas áreas. Sim, houve retrocessos em outras. Às vezes podemos nos arriscar a pesar o equilíbrio entre as duas. Mas acho que também precisamos admitir que, por vezes, estamos lidando com objetos incomparáveis.
Daniel Finn
Em um período muito mais recente — que vai aproximadamente de meados da década de 1970 até o presente — quais foram as tendências mais notáveis em termos de desenvolvimento humano em todo o mundo?
Göran Therborn
Meados da década de 1970 constituíram, em vários aspectos, uma quebra de tendência negativa. Em nível global, foi o início de uma desaceleração econômica duradoura. A década de 1960 foi a década com a maior taxa de crescimento econômico mundial da história da humanidade; posteriormente, a taxa permaneceu abaixo desse ponto máximo. A expectativa de vida humana também registrou o maior aumento já registrado na década de 1960, antes de começar a desacelerar em meados da década de 1970.
De 1989 a 2004, o aumento da expectativa de vida sofreu uma queda acentuada, permanecendo em um nível positivo globalmente. Isso foi causado principalmente por uma redução absoluta da vida humana em duas áreas de desastre: a África Austral, impactada pela epidemia de AIDS mal administrada, e a antiga União Soviética, impactada pela restauração do capitalismo. Pequenas reduções absolutas de expectativa de vida ocorreram neste século, no Reino Unido e nos Estados Unidos.
Nos países ricos, a tendência de equalização de renda a partir de 1945 foi interrompida e, em muitos países (principalmente os Estados Unidos), revertida. A equalização pós-colonial em países como Índia e Indonésia também foi revertida. Após 1970, a extensão da privação de liberdade aumentou substancialmente nos Estados Unidos, com os níveis de encarceramento aumentando mais de 700% até 2009.
No entanto, a regressão não é a única história neste período. A difusão mundial (desigual) de computadores pessoais, smartphones e internet significou progresso para massas de pessoas. Houve um crescimento espetacular da produtividade e da renda na China e na Índia, e fases de desenvolvimento econômico incomum em todas as regiões do Sul Global.
Ocorreu um declínio sem precedentes na pobreza extrema absoluta, de cerca de 49% da população mundial em 1975 para 8% em 2020, com a taxa média anual de redução dobrando de 0,5% entre 1950 e 1990 para 1% entre 1990 e 2020. A posição das mulheres foi fortalecida, houve maior reconhecimento das populações indígenas e o apartheid na África do Sul foi desmantelado. A igualdade sexual foi aceita em grandes partes do mundo.
Daniel Finn
Durante a Guerra Fria, muitas pessoas tiveram dificuldade em manter o otimismo em relação ao futuro diante da ameaça real da guerra nuclear. Em tempos mais recentes, a crise climática teve um efeito semelhante. Quais implicações os problemas ecológicos têm para a forma como pensamos sobre o progresso?
Göran Therborn
Reconhecer que houve progresso na história da humanidade não significa necessariamente ser otimista em relação ao futuro. No máximo, pode envolver o reconhecimento de que a humanidade se mostrou capaz de aprender e se desenvolver, particularmente nas áreas de ciência e tecnologia, e, portanto, pode ser capaz de encontrar soluções não catastróficas no futuro.
Sentimentos de otimismo e pessimismo dizem respeito a futuros subjetivos e imaginários; como tal, são frágeis e frequentemente voláteis. Esses futuros imaginários, no entanto, desempenham claramente um papel significativo nas sociedades modernas. Eles também se baseiam (e estão culturalmente correlacionados) em atitudes em relação à tomada de riscos e à aversão a riscos. Há uma divisão cultural pouco notada entre as pessoas, entre aqueles que assumem riscos e aqueles que cuidam deles. Culturas de cuidado — de cuidar de outras pessoas — são mais atentas a riscos do que culturas de individualismo, capitalismo e jogos de azar, que são movidas pela assunção de riscos.
A assunção otimista de riscos é central para a dinâmica capitalista, e "O Manifesto Tecno-Otimista", do proeminente capitalista de risco americano Marc Andreessen, é uma personificação interessante disso. Considere algumas das afirmações de Andreessen e como elas se comparam à realidade.
"Acreditamos que não há problema material... que não possa ser resolvido com mais tecnologia. Tínhamos um problema de fome, então inventamos a Revolução Verde." Sessenta anos após a Revolução Verde, cerca de 733 milhões de pessoas estavam com fome e subnutridas em 2023, de acordo com a Organização Mundial da Saúde — um aumento de 152 milhões desde 2019.
"Tínhamos um problema de escuridão, então inventamos a iluminação elétrica." Quase metade dos africanos subsaarianos — 600 milhões — vive sem eletricidade. "Tínhamos um problema de frio, então inventamos o aquecimento interno." Ainda há um padrão de aumento da mortalidade no inverno no Reino Unido. "Tínhamos um problema de isolamento, então inventamos a internet." O isolamento social continua sendo uma condição humana debilitante.
"Tínhamos um problema de pandemias, então inventamos vacinas." Constatou-se que o excesso de mortalidade em decorrência da COVID-19 apresenta forte correlação com a proporção de pessoas em situação de pobreza, com os níveis de PIB per capita e com as taxas de desigualdade de renda. "Temos um problema de pobreza, então inventamos tecnologia para criar abundância." A abundância dificilmente é a situação da maioria humana. Em suma, essa variedade de otimismo concentra-se apenas na tecnologia como um objeto, e não em seu valor como recurso e prática social.
Um segundo aspecto marcante do manifesto é sua agressividade. "Os tecno-otimistas acreditam que as sociedades, como os tubarões, crescem ou morrem... Acreditamos em ambição, agressividade, persistência, implacabilidade — força." Andreessen chega a citar o Manifesto Futurista do fascista italiano Filippo Tommaso Marinetti: “A beleza só existe na luta. Não há obra-prima que não tenha um caráter agressivo.” Friedrich Nietzsche é outro de seus “santos padroeiros”, e “tornar-se super-homens tecnológicos” é seu grande sonho.
O tecnologismo associal e a agressividade fascista são opostos notáveis às culturas zelosas de equidade social, igualdade e justiça, e de empatia, preocupação e ajuda.
Há um senso de responsabilidade científica de elite, como parte de uma cultura solidária, que vai dos cientistas atômicos preocupados da década de 1950 aos cientistas do clima das décadas em torno do milênio, e até Geoffrey Hinton, ganhador do Prêmio Nobel de Física de 2024, juntamente com outros cientistas da linha de frente que nos alertam sobre os riscos da inteligência artificial generativa. Não creio que essa linha de conscientização científica sobre os riscos deva ser descrita como pessimismo. Nem representa um questionamento ou negação do progresso humano. Basicamente, trata-se de uma forma de avaliação de risco séria, realizada pelos melhores cientistas da área.
As três avaliações científicas de risco mencionadas têm implicações diferentes para a questão do progresso. Os cientistas atômicos temiam que políticos e generais pudessem, por estupidez ou irresponsabilidade, usar os meios para a humanidade se autoaniquilar, que eles ou seus colegas haviam criado. Em outras palavras, os cientistas apontaram para um caso extremo das contingências imprevisíveis da história humana que sempre delimitaram o progresso humano. O equilíbrio de poder duopolístico entre os Estados Unidos e a União Soviética revelou-se capaz de administrar o risco, mas por pouco, como a Crise dos Mísseis de Cuba nos mostrou.
Os riscos das mudanças climáticas e, possivelmente, da inteligência artificial (IA) são mais desafiadores para a própria ideia de progresso. O enorme progresso econômico da humanidade pode ter sido em vão, minando a sobrevivência humana. Os riscos futuros da IA ainda são vagos e incertos, mas podem corroer a autonomia humana e, como tal, significar o fim do progresso como domínio humano.
Até agora, creio eu, a hipótese apocalíptica do resultado das mudanças climáticas tem pouca base empírica. Foi demonstrado que as emissões de gases de efeito estufa podem ser reduzidas e fontes de energia renováveis podem ser desenvolvidas. Novas tecnologias de sustentabilidade também estão sendo desenvolvidas: captura de carbono ou formas de produzir aço e cimento sem combustíveis fósseis, por exemplo.
Carros elétricos, painéis solares e parques eólicos já existem em massa, e protótipos pré-comerciais de novas tecnologias também já existem. A crise climática é principalmente uma crise política, e não uma crise de progresso. Ela diz respeito à ausência (até o momento) de forças políticas globais dispostas, capazes e fortes o suficiente para implementar os meios disponíveis ou em processo de desenvolvimento para resolvê-la.
Daniel Finn
A pandemia de COVID-19 parece ilustrar muito bem seu ponto sobre a natureza dialética e autocontraditória da evolução social. Por um lado, temos o extraordinário progresso da ciência médica, que tornou possível o desenvolvimento de vacinas em tão pouco tempo; por outro, temos as desigualdades sociais e as irracionalidades que impediram que essas vacinas fossem disponibilizadas a todos aqueles que delas necessitassem. Qual dessas tendências você acha que tem mais probabilidade de prevalecer a médio ou longo prazo?
Göran Therborn
A pandemia revelou-se uma experiência social muito complexa, abrangendo desde pânico político, incompetência e venalidade até momentos de surpreendente determinação e engenhosidade, incomuns nos Estados Unidos em tempos de paz. O desenvolvimento da IA certamente acelerará a produção de vacinas. Ao mesmo tempo, há um amplo consenso de que a IA em geral, sob o atual controle do capital, provavelmente aumentará os níveis de desigualdade que já são elevados.
Estamos atualmente em um período de ampla regressão social, mais brutal e violenta do que a que se desenrolou a partir de 1980. Violência e guerras surgem tanto da substituição da globalização capitalista pela geopolítica imperial quanto de conflitos enraizados na pobreza, no desespero ou na desintegração social. O triunfo do Trumpismo está desencadeando as piores formas de economia política capitalista.
Estes são tempos sombrios, com grande probabilidade de se tornarem ainda mais sombrios.
No entanto, os tempos estão mudando — mais cedo ou mais tarde — e não vejo razão para acreditar que a capacidade humana de progresso será destruída.
Colaboradores
Göran Therborn é professor emérito de sociologia na Universidade de Cambridge. Seus trabalhos foram publicados em pelo menos 24 idiomas e incluem Inequalities of the World, Asia and Europe in Globalization, e Between Sex and Power.
Daniel Finn é editor de destaques da Jacobin. Ele é autor de One Man's Terrorist: A Political History of the IRA.
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