André Roncaglia
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Folha de S.Paulo
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A cabine de comando dos aviões é um cofre blindado. Ela impede que intrusos tomem controle da aeronave, mas também protege um piloto que sequestra o avião para derrubá-lo.
Esta parece ser a situação do comando do Banco Central. Protegidos pelo estatuto da autonomia operacional, os integrantes do Conselho de Política Monetária (Copom) vêm abusando do seu poder, insinuando que podem derrubar o avião com base em medo infundado de os motores ficarem superaquecidos.
Esta parece ser a situação do comando do Banco Central. Protegidos pelo estatuto da autonomia operacional, os integrantes do Conselho de Política Monetária (Copom) vêm abusando do seu poder, insinuando que podem derrubar o avião com base em medo infundado de os motores ficarem superaquecidos.
Esta postura intransigentemente restritiva (hawkish, no jargão) está comprometendo a credibilidade do BC. Após a última reunião do Copom, as curvas de juros já antecipavam quedas da Selic. Nem o mercado acredita mais no "argumento técnico" do BC.
A divulgação da ata mostra divisão interna ao Copom, acobertada pela unanimidade em favor de manter a Selic em 13,75%. O documento traz contradições, falácias e ameaças veladas ao governo, mostrando que o BC age politicamente. Vejamos.
A ata menciona que, para alguns membros, o aperto de crédito está "em linha com o esperado"; para outros, estaria mais "acentuado do que o esperado" e localizado em segmentos específicos. Dados divulgados ontem (29/03) pelo BC mostram uma queda, em fevereiro, de 9,5% na concessão de novos empréstimos (-3,8% no trimestre). O spread bancário cresce com as taxas maiores cobradas pelos empréstimos.
O sistema bancário pode estar com estabilidade financeira garantida, mas o elo fraco da correia de transmissão está no setor não-financeiro, onde mais de 70% das empresas de capital aberto têm nível preocupante de alavancagem. Se as grandes empresas não geram caixa suficiente para cobrir suas despesas financeiras, imagine as micro, pequenas e médias empresas que não têm acesso a crédito barato. Manter o arrocho monetário até o final de 2024 certamente produzirá uma recessão.
A grande falácia da ata é atribuir a inflação a um excesso de demanda agregada. O fato de o setor de serviços ter preços elevados não implica aquecimento excessivo. Como mostrou minha colega Julia Braga (UFF), este setor está apenas recompondo as perdas enfrentadas durante a pandemia.
Em termos agregados, o hiato do produto revela que a ociosidade na economia voltou a crescer. O próprio BC reconhece, em seu Relatório Trimestral de Inflação, que este indicador vem segurando a inflação.
No mercado de trabalho, a taxa de desemprego de janeiro de 2023 (8,4%) acelerou com relação a dezembro de 2022 (7,9%). Segundo estudo da LCA Consultores, o número sobe para 10,4%, se contarmos as pessoas fora da força de trabalho. Incluindo-se as pessoas na inatividade (mas dispostas a trabalhar) temos a taxa composta de subutilização que, no mesmo período, ficou em 18,7%. Ou seja, um em cada cinco trabalhadores não consegue ou já desistiu de encontrar emprego. Onde está o excesso de demanda?
Ao reconhecer o esforço fiscal da Fazenda, o Copom ressalva que não há "relação mecânica entre a convergência de inflação e a apresentação do arcabouço fiscal". Em tom de ameaça, o conselho avisa que tal resultado é "condicional à reação das expectativas de inflação, às projeções da dívida pública e aos preços de ativos". Traduzindo: a Selic cai se o Copom aceitar a proposta.
Por fim, a ata enfatiza que "a possível adoção de políticas parafiscais expansionistas" —leia-se, atuação do BNDES— pode "diminuir a potência da política monetária". O alarmismo fez o Copom não entender a proposta e errar feio. Uma injeção de crédito de 1% do PIB, até 2026, focada no investimento, não comprometerá os objetivos da política monetária.
Ao se pronunciar sobre (e atuar contra) propostas do governo, o Copom atua como um partido político clandestino. A autonomia operacional tem limites. O Copom precisa respeitá-los.
A ata menciona que, para alguns membros, o aperto de crédito está "em linha com o esperado"; para outros, estaria mais "acentuado do que o esperado" e localizado em segmentos específicos. Dados divulgados ontem (29/03) pelo BC mostram uma queda, em fevereiro, de 9,5% na concessão de novos empréstimos (-3,8% no trimestre). O spread bancário cresce com as taxas maiores cobradas pelos empréstimos.
O sistema bancário pode estar com estabilidade financeira garantida, mas o elo fraco da correia de transmissão está no setor não-financeiro, onde mais de 70% das empresas de capital aberto têm nível preocupante de alavancagem. Se as grandes empresas não geram caixa suficiente para cobrir suas despesas financeiras, imagine as micro, pequenas e médias empresas que não têm acesso a crédito barato. Manter o arrocho monetário até o final de 2024 certamente produzirá uma recessão.
A grande falácia da ata é atribuir a inflação a um excesso de demanda agregada. O fato de o setor de serviços ter preços elevados não implica aquecimento excessivo. Como mostrou minha colega Julia Braga (UFF), este setor está apenas recompondo as perdas enfrentadas durante a pandemia.
Em termos agregados, o hiato do produto revela que a ociosidade na economia voltou a crescer. O próprio BC reconhece, em seu Relatório Trimestral de Inflação, que este indicador vem segurando a inflação.
No mercado de trabalho, a taxa de desemprego de janeiro de 2023 (8,4%) acelerou com relação a dezembro de 2022 (7,9%). Segundo estudo da LCA Consultores, o número sobe para 10,4%, se contarmos as pessoas fora da força de trabalho. Incluindo-se as pessoas na inatividade (mas dispostas a trabalhar) temos a taxa composta de subutilização que, no mesmo período, ficou em 18,7%. Ou seja, um em cada cinco trabalhadores não consegue ou já desistiu de encontrar emprego. Onde está o excesso de demanda?
Ao reconhecer o esforço fiscal da Fazenda, o Copom ressalva que não há "relação mecânica entre a convergência de inflação e a apresentação do arcabouço fiscal". Em tom de ameaça, o conselho avisa que tal resultado é "condicional à reação das expectativas de inflação, às projeções da dívida pública e aos preços de ativos". Traduzindo: a Selic cai se o Copom aceitar a proposta.
Por fim, a ata enfatiza que "a possível adoção de políticas parafiscais expansionistas" —leia-se, atuação do BNDES— pode "diminuir a potência da política monetária". O alarmismo fez o Copom não entender a proposta e errar feio. Uma injeção de crédito de 1% do PIB, até 2026, focada no investimento, não comprometerá os objetivos da política monetária.
Ao se pronunciar sobre (e atuar contra) propostas do governo, o Copom atua como um partido político clandestino. A autonomia operacional tem limites. O Copom precisa respeitá-los.
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