André Roncaglia
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Folha de S.Paulo
Com um mês de governo, Javier Milei já deixou claro que seu conceito de liberdade carrega o elitismo autoritário típico dos que se autointitulam libertários.
Com um mês de governo, Javier Milei já deixou claro que seu conceito de liberdade carrega o elitismo autoritário típico dos que se autointitulam libertários.
Seus decretos de urgência (DNU) e lei "ônibus" propõem revogar quase um milhar de normas e legislações que acomodavam o conflito entre salários e lucros na economia argentina.
Javier Milei discursa na Casa Rosada - Germán García Adrasti - 23.dez.2023 / Xinhua |
Desatando a mais draconiana austeridade, Milei foi para o tudo ou nada. Dobrou a aposta com a desvalorização contínua (e estéril) do peso, liberou controles de preço e subsídios e busca quebrar o piso dos salários - com uma reforma anti-trabalhista. As instituições políticas frearão este processo, mas dificilmente lograrão bloqueá-lo. O desemprego deve avançar como forma de "convencer" os trabalhadores a aceitar salários reais permanentemente menores.
Milei pede o sacrifício da população trabalhadora enquanto libera a remarcação de preços por parte dos empresários. Com efeito, os lucros se unem à inflação —que deve bater 200%— para derrubar o poder de compra dos salários.
O bem-estar social tombará sob o peso dos reajustes de preços de energia, de alimentos e de planos de saúde (60% da população argentina dependem de saúde privada). A combinação de inflação de bens básicos com maior insegurança no emprego, elevação dos impostos sobre a renda e sobre o comércio exterior, bem como o corte generalizado de benefícios sociais e obras públicas levará à convulsão social.
Milei segue à risca a cartilha destrinchada por Clara Mattei, no livro "A Ordem do Capital": confere liberdade irrestrita ao capital e repressão aos desobedientes, acionando a violência estatal e o assédio administrativo para perseguir beneficiários de programas sociais que não aceitam seus ditames. Vencida a eleição, eis o novo slogan de Milei: "liberdade é o carajo!"
Por não ter força no Congresso, Milei considera a solução David Cameron: plebiscitos populares. Deu errado no Brexit e dará errado com seu ônibus neoliberal, pois o ajuste severo leva ao colapso das funções do Estado, semeando o caos.
Artigo recente de Maria Haro Sly aponta como os erros forçados de Milei restringem suas opções. Como o governo argentino não emite uma moeda conversível, quanto mais divisas com aceitação no mercado internacional o Banco Central obtiver, menos volátil será sua taxa de câmbio e mais suave o ajuste interno.
Sua bravata sinofóbica não apenas levou à recusa chinesa em renovar o empréstimo de US$ 6,5 bilhões, como pode reduzir as exportações argentinas para a China e, portanto, a entrada de dólares no país. Ao rejeitar a adesão aos BRICS, Milei priva a Argentina de volumoso manancial de recursos para estabilizar sua economia e para reforçar sua infraestrutura.
Stephen Kaplan mostra, em "Globalizing Patient Capital: The Political Economy of Chinese Finance in the Americas", que o financiamento externo da China mais estável e cobra taxas de juros muito inferiores àquelas que o FMI exige do país pela monstruosa dívida de US$ 44 bilhões, contraída em 2018 pelo liberal Maurício Macri.
O "capital paciente" chinês confere aos governos nacionais mais espaço de manobra na formulação de políticas internas. A tolerância ao risco a longo prazo e a falta de condicionalidade política permitem às economias em desenvolvimento contornar as tendências de austeridade fiscal impostas por organismos multilaterais.
Ignorando as mudanças nas finanças internacionais e na geopolítica, Milei se joga no colo do FMI. Gerar um superávit de 2% em 2024 —em troca de apenas US$ 4,7 bilhões— pode violar o limiar de tolerância social ao uso da violência estatal como ferramenta de estabilização macroeconômica.
Milei se inspira em Macri, mas pode terminar como ex-presidente Fernando De La Rua: fugindo da Casa Rosada a bordo de um helicóptero.
Milei pede o sacrifício da população trabalhadora enquanto libera a remarcação de preços por parte dos empresários. Com efeito, os lucros se unem à inflação —que deve bater 200%— para derrubar o poder de compra dos salários.
O bem-estar social tombará sob o peso dos reajustes de preços de energia, de alimentos e de planos de saúde (60% da população argentina dependem de saúde privada). A combinação de inflação de bens básicos com maior insegurança no emprego, elevação dos impostos sobre a renda e sobre o comércio exterior, bem como o corte generalizado de benefícios sociais e obras públicas levará à convulsão social.
Milei segue à risca a cartilha destrinchada por Clara Mattei, no livro "A Ordem do Capital": confere liberdade irrestrita ao capital e repressão aos desobedientes, acionando a violência estatal e o assédio administrativo para perseguir beneficiários de programas sociais que não aceitam seus ditames. Vencida a eleição, eis o novo slogan de Milei: "liberdade é o carajo!"
Por não ter força no Congresso, Milei considera a solução David Cameron: plebiscitos populares. Deu errado no Brexit e dará errado com seu ônibus neoliberal, pois o ajuste severo leva ao colapso das funções do Estado, semeando o caos.
Artigo recente de Maria Haro Sly aponta como os erros forçados de Milei restringem suas opções. Como o governo argentino não emite uma moeda conversível, quanto mais divisas com aceitação no mercado internacional o Banco Central obtiver, menos volátil será sua taxa de câmbio e mais suave o ajuste interno.
Sua bravata sinofóbica não apenas levou à recusa chinesa em renovar o empréstimo de US$ 6,5 bilhões, como pode reduzir as exportações argentinas para a China e, portanto, a entrada de dólares no país. Ao rejeitar a adesão aos BRICS, Milei priva a Argentina de volumoso manancial de recursos para estabilizar sua economia e para reforçar sua infraestrutura.
Stephen Kaplan mostra, em "Globalizing Patient Capital: The Political Economy of Chinese Finance in the Americas", que o financiamento externo da China mais estável e cobra taxas de juros muito inferiores àquelas que o FMI exige do país pela monstruosa dívida de US$ 44 bilhões, contraída em 2018 pelo liberal Maurício Macri.
O "capital paciente" chinês confere aos governos nacionais mais espaço de manobra na formulação de políticas internas. A tolerância ao risco a longo prazo e a falta de condicionalidade política permitem às economias em desenvolvimento contornar as tendências de austeridade fiscal impostas por organismos multilaterais.
Ignorando as mudanças nas finanças internacionais e na geopolítica, Milei se joga no colo do FMI. Gerar um superávit de 2% em 2024 —em troca de apenas US$ 4,7 bilhões— pode violar o limiar de tolerância social ao uso da violência estatal como ferramenta de estabilização macroeconômica.
Milei se inspira em Macri, mas pode terminar como ex-presidente Fernando De La Rua: fugindo da Casa Rosada a bordo de um helicóptero.
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