11 de julho de 2023

O socialismo pode ajudar a conter os piores impulsos da humanidade e a encorajar nosso melhor

Muitos críticos do socialismo afirmam que a nossa natureza humana é muito falha e egoísta para o socialismo funcionar. Eles estão vendo as coisas exatamente ao contrário. Precisamos do socialismo para nos proteger contra a crueldade e encorajar a bondade humana.

Ben Burgis


Se fôssemos anjos, a substituição das instituições capitalistas por instituições socialistas seria desnecessária. (Pornyot Palilai / Getty Images)

Tradução / O capitalismo leva a uma enormes quantidades de pobreza, desigualdade econômica e estresse financeiro. Desempodera a grande maioria da população em idade ativa, que não tem outra opção realista senão passar metade das suas horas acordados em locais de trabalho onde recebem ordens de chefes não eleitos. Fora do local de trabalho, as decisões com grande impacto na sociedade como um todo são tomadas por CEOs que apenas prestam contas aos acionistas. E as grandes diferenças de riqueza transformam numa piada de mau gosto a ideia de que todos os cidadãos exercerão o mesmo nível de influência no processo político.

Certamente podemos fazer melhor. Porque não podemos nos apropriar coletivamente dos recursos produtivos da sociedade, satisfazer as necessidades materiais de todos e criar um tipo de democracia mais significativa? Em outras palavras, como disse uma vez o falecido filósofo marxista G. A. Cohen: “Porque não o socialismo?”

Uma resposta popular é que isso iria contra a natureza humana. É tão popular, de fato, que muitas pessoas aceitam impensadamente esta ideia como “senso comum”. No entanto, numa análise mais atenta, a Objeção da Natureza Humana faz as coisas exatamente ao contrário.

Nós não somos anjos

Alguns críticos do socialismo pensam que redistribuir a propriedade privada dos capitalistas ricos seria um roubo – vamos chamar isso de Objeção Moral. Outros levantam preocupações técnicas sobre a viabilidade de um planeamento econômico a nível de toda a sociedade. Como é que os planejadores iriam reunir informação suficiente para saber o que produzir para satisfazer as preferências dos consumidores? Chamaremos isso de Objeção Técnica.

Os socialistas contrapõem a Objeção Moral com um argumento óbvio sobre a imoralidade comparativa de permitir que os capitalistas ricos continuem explorando a grande maioria da população mundial. A Objeção Técnica é levada mais a sério, levando alguns socialistas, por exemplo, a deixar espaço para os mercados na sua visão do socialismo. Talvez pudéssemos nacionalizar os “pontos mais altos” da economia, mantendo um setor de mercado de cooperativas de trabalhadores concorrentes.

Mas, independentemente do seu pensamento sobre estes debates, a objeção que parece dar mais trabalho a algumas pessoas que, de outra forma, simpatizam com a política de esquerda não é moral nem técnica, mas psicológica.

O socialismo poderia ser bom se fôssemos anjos, pensam estes críticos, mas não somos. A nossa natureza não é altruísta e cooperativa. É egoísta e cruel. Tentar fazer de nós o que precisamos ser para uma economia cooperativa funcionar é como tentar manter um tigre em casa e alimentá-lo com uma dieta vegana. Não vai acabar bem.

A Objeção da Natureza Humana tem mais força retórica do que a Objeção Moral ou a Objeção Técnica. Em vez de gritarem que os ricos têm direito à sua riqueza acumulada ou de levantarem problemas logísticos que os socialistas pensam que podemos resolver, os críticos que insistem no argumento psicológico contra o socialismo podem se assumir como aspirantes a socialistas que ultrapassaram a sua ingenuidade. “Ei”, podem dizer, “eu também gostaria que tivéssemos o socialismo. É trágico que não possamos. Mas a vida é assim”.

Não ajuda o fato de muitos socialistas parecerem inseguros quanto à forma de responder a esta objeção. Alguns passam muito tempo insistindo que os seres humanos são realmente bondosos e cooperativos por natureza. Há certamente alguma verdade nisso. O problema é que não é plausível que isso seja toda a verdade.

A psicologia humana é muito confusa e complicada para que simples generalizações consigam captar o quadro completo. O filósofo iluminista David Hume opôs-se à ideia de que todas as pessoas irão para o céu ou para o inferno quando morrerem, alegando que a maioria de nós “flutua entre o vício e a virtude”:

Suponha que você fosse a todos os lugares com a intenção de dar uma boa ceia aos justos e uma surra completa aos ímpios: muitas vezes você ficaria sem saber como escolher, descobrindo que os méritos e os deméritos da maioria dos homens e mulheres dificilmente resultam em justiça ou maldade.

Alguns socialistas pensam que o equilíbrio entre o egoísmo e o altruísmo na nossa natureza é historicamente contingente — que o que vem à tona é em grande parte resultado das circunstâncias sociais em que nos encontramos. Crie melhores circunstâncias sociais e obterá uma melhor versão da natureza humana.

Provavelmente, esta ideia tem algum fundamento. As pessoas que lutam por um pequeno número de botes salva-vidas podem estar dispostas a se tratar melhor umas às outras em circunstâncias mais felizes. É plausível que satisfazer as necessidades materiais de todos e dar a todos igual voz resultará em melhores resultados do que um mundo de competição feroz.

Mas até onde é que isso se estende? O revolucionário cubano Che Guevara, por exemplo, previu com confiança que um “novo homem socialista” surgiria com a transformação da sociedade. Não foi isso que aconteceu em Cuba ou em outras experiências socialistas de Estado no século XX. Talvez uma versão melhor do socialismo produza melhores resultados. Mas e se isso não acontecer?

Como socialistas, estamos tentando convencer as pessoas a darem um salto para um novo conjunto de arranjos sociais — tão diferentes do capitalismo como o capitalismo é do feudalismo. Esta pode ser uma proposta assustadora. É mais difícil apresentar nosso caso se estivermos pedindo às pessoas para apostar tudo em mudanças hipotéticas na psicologia humana que não podemos provar que ocorrerão.

Felizmente, não precisamos.

Anjos não precisariam de socialismo

O grau exato em que a natureza humana é inerentemente egoísta ou altruísta, e até que ponto isso depende das nossas circunstâncias, é uma questão empírica complicada que toca em campos que vão da sociologia à psicologia evolutiva. Não pode ser respondida a partir de uma poltrona.

Mas qualquer que seja o nosso grau de egoísmo, não é razão para largarmos de mão e aceitarmos o capitalismo como o melhor que a humanidade pode fazer. Pelo contrário, é uma razão para nos opormos ao capitalismo e lutarmos por instituições coletivas e democráticas que possam limitar os danos que as pessoas cruéis estão em posição de causar umas às outras.

O núcleo do socialismo é a democracia econômica. Quer estejamos a falar da tomada de decisões num local de trabalho individual ou de decisões maiores com um amplo impacto no curso da sociedade, os socialistas pensam que todos os que são afetados devem ter devem ter voz.

Uma das razões pelas quais isso é tão importante é precisamente o fato de que dar a qualquer pessoa muito poder sobre os seus semelhantes cria o perigo de esse poder ser abusado. Nenhum sistema é perfeito, claro, mas a melhor receita para minimizar ao máximo a possibilidade de abuso é distribuir o poder — político e econômico — tanto quanto possível.

É por essa razão que os socialistas democráticos rejeitam a ideia de que se pode confiar em um Estado autoritário de partido único para agir em nome do povo. E é uma excelente razão para rejeitar o capitalismo — um sistema onde não há qualquer pretensão de que o poder econômico esteja nas mãos do povo e não de quem quer que seja que tenha dinheiro suficiente para comprar os meios de produção.

Se os seres humanos fossem todos anjos altruístas, não precisaríamos de nos preocupar com o fato de tratarem uns aos outros como Jeff Bezos trata os trabalhadores dos seus armazéns ou como Harvey Weinstein tratava as aspirantes a atrizes. Não precisaríamos de nos preocupar com o que acontecerá às famílias que caem na pobreza, porque confiaríamos que as pessoas que têm mais sempre agiriam individualmente para oferecer uma mão amiga. Não precisaríamos nos preocupar com o fato de os ricos abusarem de sua influência política, porque confiaríamos neles para levar em conta os interesses de todos.

Por outras palavras, se fôssemos anjos, a substituição das instituições capitalistas por instituições socialistas seria desnecessária. Mas somos seres humanos com falhas profundas — capazes de grandeza moral, sem dúvida, mas também capazes de todo o tipo de crueldade. E é exatamente por isso que precisamos do socialismo.

Colaborador

Ben Burgis é professor de filosofia e autor de Give Them An Argument: Logic for the Left. Ele faz um quadro semanal chamado "The Debunk", no The Michael Brooks Show.

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