Michael Galant
Jacobin
O diretor argentino Fernando Solanas no set do filme Tangos - El Exilio de Gardel de 1985 (Tangos - O Exílio de Gardel). (Frederic Meylan / Sygma via Getty Images) |
Tradução / Barbie é uma derrubada radical não só do patriarcado, mas das convenções do próprio cinema. Ou é um comercial de longa-metragem adoçado com platitudes pseudofeministas. Oppenheimer é uma acusação contundente de um gênio torturado cuja ambição amoral não deixou nada além de destruição em seu rastro. Ou é uma canonização brilhante do homem por trás de uma das maiores atrocidades da história.
A batalha sobre a política dos últimos blockbusters explodiu semanas antes do lançamento. Como as partículas quânticas não observadas de Oppenheimer, os filmes na era do Twitter existem simultaneamente em estados antitéticos; revolucionário e reacionário, acordado e problemático. Em cada filme, uma imagem exagerada da própria posição — ou dos inimigos — pode ser projetada.
Criticar a política dos meios de comunicação de massa é, sem dúvida, um projeto que vale a pena. Mas no mar de discurso de guerra cultural exagerado, é fácil perder de vista a terra. O que o cinéfilo anticapitalista deve procurar no horizonte? Qual é a Estrela Norte do cinema de esquerda?
Na época das franquias de super-heróis e dos remakes da Disney, dos vencedores do Oscar e dos filmes de Adam McKay, a esquerda faria bem em considerar como avaliamos a política do cinema e como seria uma forma alternativa e verdadeiramente radical de cinema. Não há lugar melhor para começar do que o Terceiro Cinema.
Terceiro Cinema na teoria
Em outubro de 1969, a revista Tricontinental publicou um artigo escrito por dois jovens cineastas argentinos, Octavio Getino e Fernando Solanas, intitulado Rumo a um Terceiro Cinema. Este artigo de vinte páginas viria a se transformar em uma espécie de manifesto, articulando a teoria subjacente a um movimento cinematográfico emergente e influenciando uma abordagem do cinema político que perdura até os dias de hoje, mais de cinquenta anos depois.
“Rumo a um Terceiro Cinema” postula que, até então, a maioria dos filmes poderia ser classificada em duas categorias distintas. O Primeiro Cinema corresponderia ao cinema de Hollywood, ou seja, filmes produzidos por grandes empresas com o propósito principal de entreter e, assim, gerar lucros. Pense em musicais da Era de Ouro de Hollywood ou filmes da Marvel.
Por outro lado, o Segundo Cinema é frequentemente mais autoral e experimental, concentrando-se sobretudo na expressão artística. De várias maneiras, o Segundo Cinema representa um avanço político em relação ao Primeiro, estendendo os limites da mídia na busca por objetivos mais elevados do que apenas o entretenimento espetacular. No entanto, de acordo com Getino e Solanas, seu potencial político continuava sendo limitado pelas pressões comerciais.
Na pior das hipóteses, o Segundo Cinema poderia restringir-se a uma perspectiva autointeressada e individualista. Na melhor das hipóteses, testemunharia as injustiças e os sofrimentos da classe trabalhadora, mas permaneceria dissociado de uma crítica sofisticada às relações materiais que engendram tal sofrimento e suas possíveis alternativas.
Reconhecendo as forças e os limites dessas duas formas, Getino e Solanas propuseram um Terceiro Cinema, explicitamente preocupado em usar o poder do cinema para educar e agitar as massas em direção à luta de classes e à libertação nacional.
Aparentemente influenciados pela obra do cinema soviético primitivo, o pensamento do filósofo-educador Paulo Freire e, talvez acima de tudo, do teórico-dramaturgo Bertolt Brecht, Getino e Solanas denunciavam como a indústria cinematográfica argentina estava “preparada para aceitar e justificar a dependência, a origem de todo o subdesenvolvimento”. Em vez disso, eles pediram o desenvolvimento de um cinema projetado para promover a consciência de classe anti-imperialista de seu público.
Como eles colocam:
A batalha sobre a política dos últimos blockbusters explodiu semanas antes do lançamento. Como as partículas quânticas não observadas de Oppenheimer, os filmes na era do Twitter existem simultaneamente em estados antitéticos; revolucionário e reacionário, acordado e problemático. Em cada filme, uma imagem exagerada da própria posição — ou dos inimigos — pode ser projetada.
Criticar a política dos meios de comunicação de massa é, sem dúvida, um projeto que vale a pena. Mas no mar de discurso de guerra cultural exagerado, é fácil perder de vista a terra. O que o cinéfilo anticapitalista deve procurar no horizonte? Qual é a Estrela Norte do cinema de esquerda?
Na época das franquias de super-heróis e dos remakes da Disney, dos vencedores do Oscar e dos filmes de Adam McKay, a esquerda faria bem em considerar como avaliamos a política do cinema e como seria uma forma alternativa e verdadeiramente radical de cinema. Não há lugar melhor para começar do que o Terceiro Cinema.
Terceiro Cinema na teoria
Em outubro de 1969, a revista Tricontinental publicou um artigo escrito por dois jovens cineastas argentinos, Octavio Getino e Fernando Solanas, intitulado Rumo a um Terceiro Cinema. Este artigo de vinte páginas viria a se transformar em uma espécie de manifesto, articulando a teoria subjacente a um movimento cinematográfico emergente e influenciando uma abordagem do cinema político que perdura até os dias de hoje, mais de cinquenta anos depois.
“Rumo a um Terceiro Cinema” postula que, até então, a maioria dos filmes poderia ser classificada em duas categorias distintas. O Primeiro Cinema corresponderia ao cinema de Hollywood, ou seja, filmes produzidos por grandes empresas com o propósito principal de entreter e, assim, gerar lucros. Pense em musicais da Era de Ouro de Hollywood ou filmes da Marvel.
Por outro lado, o Segundo Cinema é frequentemente mais autoral e experimental, concentrando-se sobretudo na expressão artística. De várias maneiras, o Segundo Cinema representa um avanço político em relação ao Primeiro, estendendo os limites da mídia na busca por objetivos mais elevados do que apenas o entretenimento espetacular. No entanto, de acordo com Getino e Solanas, seu potencial político continuava sendo limitado pelas pressões comerciais.
Na pior das hipóteses, o Segundo Cinema poderia restringir-se a uma perspectiva autointeressada e individualista. Na melhor das hipóteses, testemunharia as injustiças e os sofrimentos da classe trabalhadora, mas permaneceria dissociado de uma crítica sofisticada às relações materiais que engendram tal sofrimento e suas possíveis alternativas.
Reconhecendo as forças e os limites dessas duas formas, Getino e Solanas propuseram um Terceiro Cinema, explicitamente preocupado em usar o poder do cinema para educar e agitar as massas em direção à luta de classes e à libertação nacional.
Aparentemente influenciados pela obra do cinema soviético primitivo, o pensamento do filósofo-educador Paulo Freire e, talvez acima de tudo, do teórico-dramaturgo Bertolt Brecht, Getino e Solanas denunciavam como a indústria cinematográfica argentina estava “preparada para aceitar e justificar a dependência, a origem de todo o subdesenvolvimento”. Em vez disso, eles pediram o desenvolvimento de um cinema projetado para promover a consciência de classe anti-imperialista de seu público.
Como eles colocam:
A luta anti-imperialista dos povos do Terceiro Mundo e dos seus equivalentes no interior dos países imperialistas constitui hoje o eixo da revolução mundial. O terceiro cinema é, a nosso ver, o cinema que reconhece nessa luta a mais gigantesca manifestação cultural, científica e artística do nosso tempo, a grande possibilidade de construir uma personalidade liberta tendo cada povo como ponto de partida — numa palavra, a descolonização da cultura.
Getino e Solanas rejeitaram uma crença simplista no poder da arte ou da linguagem para mudar unilateralmente o mundo. Em vez disso, eles entendiam a cultura como apenas um local de contestação. A produção cultural foi uma ferramenta poderosa com potencial para interagir, dialeticamente, com as condições materiais para promover a verdadeira luta pela libertação do Terceiro Mundo.
Em Political Film, o estudioso Mike Wayne identifica quatro elementos-chave pelos quais o Terceiro Cinema tem em vista atingir esses objetivos: historicidade — o filme se situa na história, entendida como “processo, mudança, contradição e conflito”; politização — o filme explora “o processo pelo qual as pessoas oprimidas e exploradas se conscientizam dessa condição e decidem fazer algo a respeito”; compromisso crítico — enquanto nenhuma obra artística está descolada da ideologia, o Terceiro Cinema abraça sua perspectiva crítica; e especificidade cultural — e a obra se fundamenta no contexto cultural particular de seu público.
Talvez a expressão mais clara dessa abordagem seja La Hora de los Hornos, de Getino e Solanas, feita em 1968. O filme combina imagens documentais originais e de arquivo para criar um tratado de quatro horas sobre a Argentina — seu passado colonial, seu presente neocolonial, sua composição de classe e, não menos importante, a necessidade de luta por sua libertação.
Embora ocasionalmente derivando para um formato de documentário mais padrão, La Hora de los Hornos está em seu melhor momento quando Getino e Solanas estão brincando com a forma, quase tangivelmente experimentando o poder do cinema para educar e engajar.
O filme começa com tambores, bombardeando o espectador com imagens de conflitos sociais — protestos, brutalidade policial, guerrilha — intercaladas com cartazes que proclamam slogans como “LIBERTAÇÃO” e “Um passado comum. Um inimigo comum. Uma possibilidade comum.” Em uma sequência posterior, imagens chocantes de um matadouro são montadas juntamente com anúncios e intertítulos que descrevem, por exemplo, a porcentagem da riqueza mineral da Argentina que pertence a empresas estrangeiras.
Para Getino e Solanas, o Terceiro Cinema não era definido apenas pelo seu conteúdo e forma, mas também pelo seu método de produção e distribuição. Os dois fundaram o Grupo Cine Liberación, que incorporava o controle democrático e a propriedade dos trabalhadores no processo de produção cinematográfica. Operando sob a sombra da ditadura e buscando minimizar quaisquer obrigações financeiras que pudessem enfraquecer sua política, o coletivo contava com o “cinema de guerrilha” — pequenas equipes operando com orçamentos apertados e, frequentemente, à margem da lei.
Em Political Film, o estudioso Mike Wayne identifica quatro elementos-chave pelos quais o Terceiro Cinema tem em vista atingir esses objetivos: historicidade — o filme se situa na história, entendida como “processo, mudança, contradição e conflito”; politização — o filme explora “o processo pelo qual as pessoas oprimidas e exploradas se conscientizam dessa condição e decidem fazer algo a respeito”; compromisso crítico — enquanto nenhuma obra artística está descolada da ideologia, o Terceiro Cinema abraça sua perspectiva crítica; e especificidade cultural — e a obra se fundamenta no contexto cultural particular de seu público.
Talvez a expressão mais clara dessa abordagem seja La Hora de los Hornos, de Getino e Solanas, feita em 1968. O filme combina imagens documentais originais e de arquivo para criar um tratado de quatro horas sobre a Argentina — seu passado colonial, seu presente neocolonial, sua composição de classe e, não menos importante, a necessidade de luta por sua libertação.
Embora ocasionalmente derivando para um formato de documentário mais padrão, La Hora de los Hornos está em seu melhor momento quando Getino e Solanas estão brincando com a forma, quase tangivelmente experimentando o poder do cinema para educar e engajar.
O filme começa com tambores, bombardeando o espectador com imagens de conflitos sociais — protestos, brutalidade policial, guerrilha — intercaladas com cartazes que proclamam slogans como “LIBERTAÇÃO” e “Um passado comum. Um inimigo comum. Uma possibilidade comum.” Em uma sequência posterior, imagens chocantes de um matadouro são montadas juntamente com anúncios e intertítulos que descrevem, por exemplo, a porcentagem da riqueza mineral da Argentina que pertence a empresas estrangeiras.
Para Getino e Solanas, o Terceiro Cinema não era definido apenas pelo seu conteúdo e forma, mas também pelo seu método de produção e distribuição. Os dois fundaram o Grupo Cine Liberación, que incorporava o controle democrático e a propriedade dos trabalhadores no processo de produção cinematográfica. Operando sob a sombra da ditadura e buscando minimizar quaisquer obrigações financeiras que pudessem enfraquecer sua política, o coletivo contava com o “cinema de guerrilha” — pequenas equipes operando com orçamentos apertados e, frequentemente, à margem da lei.
A distribuição se ajustou a um padrão semelhante. Proibida em vários países, La Hora de los Hornos era tipicamente mostrada por organizações políticas radicais em exibições clandestinas acompanhadas de intensas sessões de diálogo e debate. Nem todo cineasta do Terceiro Cinema atenderia aos rígidos padrões de produção e distribuição delineados por Getino e Solanas, mas a crítica à produção cultural capitalista e o espírito de rigoroso engajamento do público que eles incorporaram foram, no entanto, formadores para o desenvolvimento do Terceiro Cinema.
Terceiro Cinema na prática
Enquanto Getino e Solanas cunharam o termo, Terceiro Cinema não é só deles. A Estética da Fome, do brasileiro Glauber Rocha, publicado quatro anos antes, e Por um Cinema Imperfeito, do teórico-diretor cubano Julio García Espinosa, foram ensaios igualmente influentes sobre o potencial político do cinema. Mas mais importante do que qualquer teoria escrita são os próprios filmes.
O Terceiro Cinema assume muitas formas. La batalla de Chile: La lucha de un pueblo sin armas (A batalha do Chile: a luta de um povo desarmado), de Patricio Guzmán, usa imagens documentais para acompanhar a reação reacionária à presidência de Salvador Allende. Yawar Mallku (Sangue do Condor), de Jorge Sanjinés, é um drama baseado em uma suposta história real de uma comunidade quíchua descobrindo que suas mulheres foram esterilizadas à força pelo Corpo de Paz dos EUA.
O caprichoso Mababangong Bangungot (Pesadelo Perfumado) de Kidlat Tahimik acompanha um motorista de jipe filipino obcecado pelos EUA (e megafã de Wernher von Braun) em sua jornada de desilusão do Ocidente.
Muitos filmes do Terceiro Cinema retratam explicitamente a luta pela independência política nacional; Ambientado em Angola de 1961, Sambizanga, de Sarah Maldoror, é sobre a jornada de uma mulher para libertar seu marido preso e militante, que fazia parte do Movimento Popular de Libertação de Angola.
Outros, como o “pai” do cinema africano Ousmane Sembène — que declarou famosamente que “a Europa não é o meu centro” — também frequentemente miram na burguesia pós-colonial. Sua obra Xala, por exemplo, conta a história de um empresário senegalês corrupto amaldiçoado com impotência — tanto política quanto sexual.
Embora sem remorsos em sua postura política, Terceiro Cinema não foge de nuances ou complexidades. Memorias del Subdesarrollo, de Tomás Gutiérrez Alea, retrata a burguesia cubana como desamarrada e descontente em um país que seguiu em frente sem eles, apresentando, como disse um crítico, um “retrato empático de um homem antipático”.
Embora o Terceiro Cinema seja geralmente feito por artistas do Terceiro Mundo, não é necessariamente assim. A obra-prima neorrealista do italiano Gillo Pontecorvo, La battaglia di Algeri (A Batalha de Argel), é frequentemente incluída no cânone, juntamente com sua menos conhecida Queimada (Burn!). O rótulo também não se limita a longas-metragens.
O filme de sete minutos Vampiros da Pobreza, dos colombianos Carlos Mayolo e Luis Ospina, por exemplo, começa como uma sátira eficaz da glaumorização da pobreza, mas se transforma em algo completamente mais poderoso quando a narrativa é abandonada para permitir que um ator — um morador real da favela retratada, ao que parece — quebre a quarta parede e articule suas opiniões sobre o processo de filmagem diretamente para a câmera.
O Terceiro Cinema como uma onda cresceu e, finalmente, refluiu ao lado do movimento do Terceiro Mundo. Mas não foi totalmente remetido ao passado. Vinte anos depois do seu Touki Bouki, um clássico do Terceiro Cinema, Djibril Diop Mambéty fez de Hyènes (Hienas), uma alegoria para a chegada do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao continente africano, e a disponibilidade de alguns para sacrificar tudo por uma parte das riquezas prometidas.
Em Bamako, de 2006, do cineasta mauritano-maliano Abderrahmane Sissako, o povo africano levou o FMI e o Banco Mundial a julgamento por seus crimes contra o continente no pátio da casa de uma família maliana. Enquanto a audiência se desenrola, outros membros da família assistem a um filme em que um grupo de cowboys americanos vai a um tiroteio em Tombuctu; “Dois professores, são muitos”, diz um, antes de demitir.
Abrangendo décadas, continentes e gêneros, desde os filmes que inspiraram Getino e Solanas até seus descendentes hoje, o Terceiro Cinema é menos um movimento singular do que uma abordagem compartilhada — um compromisso comum — para usar o poder do cinema para avançar o projeto de libertação do Terceiro Mundo.
Terceiro Cinema, antes e agora
OTerceiro Cinema não é isento de críticas. Apesar das suas reivindicações impactantes, manteve-se em uma posição culturalmente marginalizada. Embora tenha buscado um público amplo, as exigências que impunha aos seus espectadores muitas vezes resultaram no desengajamento ou até alienação de muitos.
Além disso, é importante ressaltar que o Terceiro Cinema não detém um monopólio exclusivo sobre o cinema político. Desde os mestres soviéticos até Bong Joon-ho, passando por vastos movimentos de cinema negro radical, feminista e queer, o cinema tem sido utilizado como veículo de mudança social desde o início do meio.
No entanto, as contribuições do Terceiro Cinema para a história do cinema político são consideráveis. Como uma tentativa concertada de expressar políticas radicais desde a produção até o consumo e a distribuição, suas realizações são notáveis. Enquanto alguns filmes exploram a justa indignação apenas para aplacá-la, o Terceiro Cinema a canaliza. Mais do que apenas lamentar superficialmente o estado do mundo, o Terceiro Cinema oferece uma crítica substancial ao sistema capitalista e imperialista.
Getino e Solanas encerram seu manifesto declarando que “o surgimento de um Terceiro Cinema significa, pelo menos para nós, o evento artístico revolucionário mais significativo de nosso tempo”. Embora essa afirmação possa parecer dramática em retrospecto, ela foi feita em um período em que as políticas do Terceiro Mundo pareciam prestes a reformular as relações globais. O mundo de 2023 é certamente diferente do de 1969, mas o objetivo fundamental do Terceiro Cinema — a descolonização — não perdeu sua urgência.
Não é necessário que todos os filmes sigam os padrões do Terceiro Cinema para ter um impacto político, e muito menos um valor artístico. Filmes como Barbie e Oppenheimer podem ser assistidos, apreciados, criticados, condenados ou valorizados, sem restrições. No entanto, no meio do discurso confuso e hiperbólico que muitas vezes acompanha os principais lançamentos, o legado duradouro de um dos movimentos políticos mais influentes na história do cinema oferece um ponto de ancoragem.
O Terceiro Cinema é um lembrete do potencial radical desta forma de expressão.
Colaborador
Michael Galant ajuda a liderar o Subcomitê de Economia e Comércio do Comitê Internacional DSA e é membro do secretariado da Progressive International.
Terceiro Cinema na prática
Enquanto Getino e Solanas cunharam o termo, Terceiro Cinema não é só deles. A Estética da Fome, do brasileiro Glauber Rocha, publicado quatro anos antes, e Por um Cinema Imperfeito, do teórico-diretor cubano Julio García Espinosa, foram ensaios igualmente influentes sobre o potencial político do cinema. Mas mais importante do que qualquer teoria escrita são os próprios filmes.
O Terceiro Cinema assume muitas formas. La batalla de Chile: La lucha de un pueblo sin armas (A batalha do Chile: a luta de um povo desarmado), de Patricio Guzmán, usa imagens documentais para acompanhar a reação reacionária à presidência de Salvador Allende. Yawar Mallku (Sangue do Condor), de Jorge Sanjinés, é um drama baseado em uma suposta história real de uma comunidade quíchua descobrindo que suas mulheres foram esterilizadas à força pelo Corpo de Paz dos EUA.
O caprichoso Mababangong Bangungot (Pesadelo Perfumado) de Kidlat Tahimik acompanha um motorista de jipe filipino obcecado pelos EUA (e megafã de Wernher von Braun) em sua jornada de desilusão do Ocidente.
Muitos filmes do Terceiro Cinema retratam explicitamente a luta pela independência política nacional; Ambientado em Angola de 1961, Sambizanga, de Sarah Maldoror, é sobre a jornada de uma mulher para libertar seu marido preso e militante, que fazia parte do Movimento Popular de Libertação de Angola.
Outros, como o “pai” do cinema africano Ousmane Sembène — que declarou famosamente que “a Europa não é o meu centro” — também frequentemente miram na burguesia pós-colonial. Sua obra Xala, por exemplo, conta a história de um empresário senegalês corrupto amaldiçoado com impotência — tanto política quanto sexual.
Embora sem remorsos em sua postura política, Terceiro Cinema não foge de nuances ou complexidades. Memorias del Subdesarrollo, de Tomás Gutiérrez Alea, retrata a burguesia cubana como desamarrada e descontente em um país que seguiu em frente sem eles, apresentando, como disse um crítico, um “retrato empático de um homem antipático”.
Embora o Terceiro Cinema seja geralmente feito por artistas do Terceiro Mundo, não é necessariamente assim. A obra-prima neorrealista do italiano Gillo Pontecorvo, La battaglia di Algeri (A Batalha de Argel), é frequentemente incluída no cânone, juntamente com sua menos conhecida Queimada (Burn!). O rótulo também não se limita a longas-metragens.
O filme de sete minutos Vampiros da Pobreza, dos colombianos Carlos Mayolo e Luis Ospina, por exemplo, começa como uma sátira eficaz da glaumorização da pobreza, mas se transforma em algo completamente mais poderoso quando a narrativa é abandonada para permitir que um ator — um morador real da favela retratada, ao que parece — quebre a quarta parede e articule suas opiniões sobre o processo de filmagem diretamente para a câmera.
O Terceiro Cinema como uma onda cresceu e, finalmente, refluiu ao lado do movimento do Terceiro Mundo. Mas não foi totalmente remetido ao passado. Vinte anos depois do seu Touki Bouki, um clássico do Terceiro Cinema, Djibril Diop Mambéty fez de Hyènes (Hienas), uma alegoria para a chegada do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao continente africano, e a disponibilidade de alguns para sacrificar tudo por uma parte das riquezas prometidas.
Em Bamako, de 2006, do cineasta mauritano-maliano Abderrahmane Sissako, o povo africano levou o FMI e o Banco Mundial a julgamento por seus crimes contra o continente no pátio da casa de uma família maliana. Enquanto a audiência se desenrola, outros membros da família assistem a um filme em que um grupo de cowboys americanos vai a um tiroteio em Tombuctu; “Dois professores, são muitos”, diz um, antes de demitir.
Abrangendo décadas, continentes e gêneros, desde os filmes que inspiraram Getino e Solanas até seus descendentes hoje, o Terceiro Cinema é menos um movimento singular do que uma abordagem compartilhada — um compromisso comum — para usar o poder do cinema para avançar o projeto de libertação do Terceiro Mundo.
Terceiro Cinema, antes e agora
OTerceiro Cinema não é isento de críticas. Apesar das suas reivindicações impactantes, manteve-se em uma posição culturalmente marginalizada. Embora tenha buscado um público amplo, as exigências que impunha aos seus espectadores muitas vezes resultaram no desengajamento ou até alienação de muitos.
Além disso, é importante ressaltar que o Terceiro Cinema não detém um monopólio exclusivo sobre o cinema político. Desde os mestres soviéticos até Bong Joon-ho, passando por vastos movimentos de cinema negro radical, feminista e queer, o cinema tem sido utilizado como veículo de mudança social desde o início do meio.
No entanto, as contribuições do Terceiro Cinema para a história do cinema político são consideráveis. Como uma tentativa concertada de expressar políticas radicais desde a produção até o consumo e a distribuição, suas realizações são notáveis. Enquanto alguns filmes exploram a justa indignação apenas para aplacá-la, o Terceiro Cinema a canaliza. Mais do que apenas lamentar superficialmente o estado do mundo, o Terceiro Cinema oferece uma crítica substancial ao sistema capitalista e imperialista.
Getino e Solanas encerram seu manifesto declarando que “o surgimento de um Terceiro Cinema significa, pelo menos para nós, o evento artístico revolucionário mais significativo de nosso tempo”. Embora essa afirmação possa parecer dramática em retrospecto, ela foi feita em um período em que as políticas do Terceiro Mundo pareciam prestes a reformular as relações globais. O mundo de 2023 é certamente diferente do de 1969, mas o objetivo fundamental do Terceiro Cinema — a descolonização — não perdeu sua urgência.
Não é necessário que todos os filmes sigam os padrões do Terceiro Cinema para ter um impacto político, e muito menos um valor artístico. Filmes como Barbie e Oppenheimer podem ser assistidos, apreciados, criticados, condenados ou valorizados, sem restrições. No entanto, no meio do discurso confuso e hiperbólico que muitas vezes acompanha os principais lançamentos, o legado duradouro de um dos movimentos políticos mais influentes na história do cinema oferece um ponto de ancoragem.
O Terceiro Cinema é um lembrete do potencial radical desta forma de expressão.
Colaborador
Michael Galant ajuda a liderar o Subcomitê de Economia e Comércio do Comitê Internacional DSA e é membro do secretariado da Progressive International.
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