Marcelo Azevedo
Folha de S.Paulo
A ideia de controle de preços costuma assustar economistas. Em geral, ela vem associada a palavras como "recessão", "escassez" e "intervenção", com experiências que comprovam seu fracasso. Resumindo, é uma ideia prontamente rechaçada em todo o mundo.
A economista Isabella M. Weber sentiu isso na pele. Após escrever um artigo para o The Guardian no qual defendia que o controle estratégico de preços estratégico pode ser usado no combate à inflação, a professora da Universidade de Massachusetts Amhesrt recebeu uma enxurrada de críticas.
O Nobel de economia e colunista da Folha Paul Krugman, por exemplo, chamou-a de "verdadeiramente estúpida", e a pesquisadora recebeu comentários na mídia americana que afirmaram que suas ideias eram "perversas" e "fundamentalmente doentias". Nas palavras da revista New Yorker, Isabella Weber tornou-se, do dia para a noite, "a mulher mais odiada da economia".
A economista Isabella M. Weber sentiu isso na pele. Após escrever um artigo para o The Guardian no qual defendia que o controle estratégico de preços estratégico pode ser usado no combate à inflação, a professora da Universidade de Massachusetts Amhesrt recebeu uma enxurrada de críticas.
O Nobel de economia e colunista da Folha Paul Krugman, por exemplo, chamou-a de "verdadeiramente estúpida", e a pesquisadora recebeu comentários na mídia americana que afirmaram que suas ideias eram "perversas" e "fundamentalmente doentias". Nas palavras da revista New Yorker, Isabella Weber tornou-se, do dia para a noite, "a mulher mais odiada da economia".
A pesquisadora Isabella M. Weber - Divulgação |
Em entrevista à Folha, a economista afirma que este é mais um debate obstruído pela polarização, e que a forma como pensamos o controle de preços, como uma arma mágica para congelar valores, não corresponde à realidade.
Primeiro, um adendo: nos modelos econômicos mais básicos, a formação de preços se dá em função da oferta e da demanda. Se um produto está muito caro, não haverá compradores o suficiente, e se estiver muito barato, as empresas ganharão menos com as vendas. No livre mercado, os preços são estabelecidos naturalmente, com essa dinâmica levando a um ponto de equilíbrio.
Segundo esse modelo, se um teto de preços artificial for estabelecido, haverá uma crise de oferta, já que as empresas terão ganhos menores com a venda do produto, e de demanda, pois mais pessoas vão querer comprá-lo. O resultado seria a escassez, provando que controle de preços não funcionaria.
Weber defende, porém, que ele pode funcionar em situações de choques de oferta, quando sabe-se exatamente de onde está vindo o pico inflacionário, e fornecer tempo para que eles sejam normalizados. Não apenas isso: medidas de controle de preços foram utilizadas —e funcionaram— nos últimos anos, argumenta.
Isso é possível, diz ela, porque na prática os preços se formam de maneira distinta. Os consumidores podem se comportar de maneira imprevisível, ou as cadeias de produção podem sofrer disrupções. Em casos extremos, um grande exportador mundial de energia pode invadir um país vizinho e causar um choque global de inflação.
Após o ataque de Putin à Ucrânia, por exemplo, em fevereiro de 2022, os preços do petróleo dispararam, e o barril ultrapassou os US$ 100 pela primeira vez em sete anos. O gás natural, do qual a Rússia é uma das grandes exportadoras, atingiu recordes históricos e pressionou os preços de energia em todo o mundo.
A Alemanha foi especialmente prejudicada, já que cerca de 40% do gás importado pelo país vinha da Rússia. Putin chegou, inclusive, a cortar o fornecimento do produto pela principal via que abastecia o país, o duto Nord Stream 1, e interrompeu o bombeamento para a Europa para pressionar a economia do continente.
Em resposta, a União Europeia firmou um acordo para criar um limite de preços para o gás natural, buscando auxiliar residências e empresas a lidar com a alta nos custos de energia. Em outras palavras, o bloco promoveu uma forma de controle de preços, e a medida continua em vigor.
"Se a Alemanha tivesse imposto sozinha o controle de preços do gás, teria sido muito problemático. Mas quando a UE em conjunto impôs um teto de preço para o mercado de gás, isso poderia funcionar, pois o bloco é um mercado importante para o gás. Os produtores não desistiriam de todo o mercado da UE", diz Weber, que falou com a Folha por videochamada no fim de junho, quando esteve em São Paulo.
A economista cita, ainda, o teto US$ 60 por barril para o petróleo russo imposto por Estados Unidos, União Europeia e parceiros do G7 em dezembro no ano passado, também em resposta à dependência russa do produto.
Com esses exemplos, a pesquisadora aponta que o controle de preços já está acontecendo e afirma que o debate sobre essa ideia deve ser repensado.
"Temos que parar de pensar em controle de preço num sentido estrito, como uma ferramenta de ordem onde o Estado comanda determinado valor. Em vez disso, precisamos andar em direção à ideia de política de preços, onde, em situações de choques extremos, o Estado pode desenhar medidas direcionadas para setores-chave no combate à inflação", diz Weber.
"Quando os mercados falham por causa de choques gigantescos, deixar os preços inteiramente por conta própria pode ser muito prejudicial", completa.
Isabella argumenta que a inflação observada na Europa e nos EUA nos últimos anos decorreu de forma considerável desses choques extremos em setores específicos, como energia e commodities, ou seja, em situações em que o controle de preços poderia funcionar.
Além disso, a pesquisadora cita o papel das grandes empresas no agravamento da inflação, numa tentativa de proteger seus lucros.
"É um processo que chamo de inflação de vendedores, quando as empresas reagem aos choques de custo protegendo suas margens de lucro. Se isso ocorre, a inflação também aumenta, mas isso significa que todo mundo, menos as corporações, está pagando pelo choque de preços, certo? É uma forma que as empresas têm de transmitir a inflação para toda a economia", afirma.
Hoje, Weber tem auxiliado o governo da Alemanha a desenhar políticas para o setor energético no país. Quando esteve no Brasil, se reuniu, no início do mês, com o ministro Fernando Haddad, a convite do Ministério da Fazenda. O próprio Paul Krugman pediu desculpas à pesquisadora e chegou a afirmar que já houve experiências bem-sucedidas com o controle de preços no combate à inflação.
As ideias de Weber vão na contramão, ainda, da arma mais utilizada para o combate à inflação: o aumento das taxas de juros, que tem como objetivo desacelerar a economia e, com isso, conter a disparada dos preços.
"Se vivemos num mundo com cada vez mais choques sistêmicos, nós não vamos conseguir reagir a cada um desses choques aumentando as taxas de juros. Vamos subir os juros e matar o dinamismo de toda a economia só por causa de um choque setorial? Para mim, isso parece mais intervencionista que ter políticas específicas para os setores mais importantes", diz Weber.
A pesquisadora usa uma metáfora para ilustrar o raciocínio: se sua casa está pegando fogo, você não iria querer destruí-la com uma inundação, mas sim extinguir o fogo nos locais que estão queimando para prevenir o contágio e salvar o imóvel. Para ela, uma abordagem direcionada também é possível para a inflação.
"Precisamos superar a politização da discussão sobre controle de preços e vê-lo como uma entre várias ferramentas disponíveis para atingir nossos objetivos", afirma Weber
Primeiro, um adendo: nos modelos econômicos mais básicos, a formação de preços se dá em função da oferta e da demanda. Se um produto está muito caro, não haverá compradores o suficiente, e se estiver muito barato, as empresas ganharão menos com as vendas. No livre mercado, os preços são estabelecidos naturalmente, com essa dinâmica levando a um ponto de equilíbrio.
Segundo esse modelo, se um teto de preços artificial for estabelecido, haverá uma crise de oferta, já que as empresas terão ganhos menores com a venda do produto, e de demanda, pois mais pessoas vão querer comprá-lo. O resultado seria a escassez, provando que controle de preços não funcionaria.
Weber defende, porém, que ele pode funcionar em situações de choques de oferta, quando sabe-se exatamente de onde está vindo o pico inflacionário, e fornecer tempo para que eles sejam normalizados. Não apenas isso: medidas de controle de preços foram utilizadas —e funcionaram— nos últimos anos, argumenta.
Isso é possível, diz ela, porque na prática os preços se formam de maneira distinta. Os consumidores podem se comportar de maneira imprevisível, ou as cadeias de produção podem sofrer disrupções. Em casos extremos, um grande exportador mundial de energia pode invadir um país vizinho e causar um choque global de inflação.
Após o ataque de Putin à Ucrânia, por exemplo, em fevereiro de 2022, os preços do petróleo dispararam, e o barril ultrapassou os US$ 100 pela primeira vez em sete anos. O gás natural, do qual a Rússia é uma das grandes exportadoras, atingiu recordes históricos e pressionou os preços de energia em todo o mundo.
A Alemanha foi especialmente prejudicada, já que cerca de 40% do gás importado pelo país vinha da Rússia. Putin chegou, inclusive, a cortar o fornecimento do produto pela principal via que abastecia o país, o duto Nord Stream 1, e interrompeu o bombeamento para a Europa para pressionar a economia do continente.
Em resposta, a União Europeia firmou um acordo para criar um limite de preços para o gás natural, buscando auxiliar residências e empresas a lidar com a alta nos custos de energia. Em outras palavras, o bloco promoveu uma forma de controle de preços, e a medida continua em vigor.
"Se a Alemanha tivesse imposto sozinha o controle de preços do gás, teria sido muito problemático. Mas quando a UE em conjunto impôs um teto de preço para o mercado de gás, isso poderia funcionar, pois o bloco é um mercado importante para o gás. Os produtores não desistiriam de todo o mercado da UE", diz Weber, que falou com a Folha por videochamada no fim de junho, quando esteve em São Paulo.
A economista cita, ainda, o teto US$ 60 por barril para o petróleo russo imposto por Estados Unidos, União Europeia e parceiros do G7 em dezembro no ano passado, também em resposta à dependência russa do produto.
Com esses exemplos, a pesquisadora aponta que o controle de preços já está acontecendo e afirma que o debate sobre essa ideia deve ser repensado.
"Temos que parar de pensar em controle de preço num sentido estrito, como uma ferramenta de ordem onde o Estado comanda determinado valor. Em vez disso, precisamos andar em direção à ideia de política de preços, onde, em situações de choques extremos, o Estado pode desenhar medidas direcionadas para setores-chave no combate à inflação", diz Weber.
"Quando os mercados falham por causa de choques gigantescos, deixar os preços inteiramente por conta própria pode ser muito prejudicial", completa.
Isabella argumenta que a inflação observada na Europa e nos EUA nos últimos anos decorreu de forma considerável desses choques extremos em setores específicos, como energia e commodities, ou seja, em situações em que o controle de preços poderia funcionar.
Além disso, a pesquisadora cita o papel das grandes empresas no agravamento da inflação, numa tentativa de proteger seus lucros.
"É um processo que chamo de inflação de vendedores, quando as empresas reagem aos choques de custo protegendo suas margens de lucro. Se isso ocorre, a inflação também aumenta, mas isso significa que todo mundo, menos as corporações, está pagando pelo choque de preços, certo? É uma forma que as empresas têm de transmitir a inflação para toda a economia", afirma.
Hoje, Weber tem auxiliado o governo da Alemanha a desenhar políticas para o setor energético no país. Quando esteve no Brasil, se reuniu, no início do mês, com o ministro Fernando Haddad, a convite do Ministério da Fazenda. O próprio Paul Krugman pediu desculpas à pesquisadora e chegou a afirmar que já houve experiências bem-sucedidas com o controle de preços no combate à inflação.
As ideias de Weber vão na contramão, ainda, da arma mais utilizada para o combate à inflação: o aumento das taxas de juros, que tem como objetivo desacelerar a economia e, com isso, conter a disparada dos preços.
"Se vivemos num mundo com cada vez mais choques sistêmicos, nós não vamos conseguir reagir a cada um desses choques aumentando as taxas de juros. Vamos subir os juros e matar o dinamismo de toda a economia só por causa de um choque setorial? Para mim, isso parece mais intervencionista que ter políticas específicas para os setores mais importantes", diz Weber.
A pesquisadora usa uma metáfora para ilustrar o raciocínio: se sua casa está pegando fogo, você não iria querer destruí-la com uma inundação, mas sim extinguir o fogo nos locais que estão queimando para prevenir o contágio e salvar o imóvel. Para ela, uma abordagem direcionada também é possível para a inflação.
"Precisamos superar a politização da discussão sobre controle de preços e vê-lo como uma entre várias ferramentas disponíveis para atingir nossos objetivos", afirma Weber
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