André Roncaglia
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Folha de S.Paulo
Os discursos de Lula e de Gustavo Petro na ONU foram marcantes. Equilibrados e firmes, ambos sublinharam a necessidade de avançar na descolonização do Sul Global, um processo que vem em ondas.
A primeira veio com as revoluções lideradas pelos libertadores da América Latina no século 19, como José de San Martín e Simon Bolívar. A segunda foi a retirada do controle colonial sobre os países africanos no pós-Segunda Guerra. Ora em curso, a terceira rodada emerge dos "escombros do neoliberalismo" e busca remover os resquícios de domínio colonial.
Mais sutis do que as ocupações militares e a exploração primitiva dos territórios, os traços desse passado se manifestam nas relações comerciais assimétricas (vide acordo UE-Mercosul e o esvaziamento da OMC por parte dos EUA), no potencial controle sobre minerais críticos (níquel, lítio, cobalto etc.), no acúmulo de poder tecnológico (telecomunicações, medicamentos e inteligência artificial), econômico (grandes corporações e as big techs) e político (sobre-representação do Norte Global nos organismos multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, FMI e Banco Mundial).
Mina de lítio na região de Antofagasta, no Chile - Jorge Villegas/Xinhua |
Nessa linha, ao apontar a relação entre injustiça climática e a concentração de riqueza, Lula expôs a hesitação do Norte Global em assumir a responsabilidade pela crise climática e em arcar com os custos de sua mitigação. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), evitar o aquecimento global de 1,5° Celsius acima dos níveis pré-industriais requer reduzir pela metade as emissões de gases do efeito estufa (GEE) até 2030. Mas, no meio do caminho, tem os 10% mais ricos.
Segundo o World Inequality Database, os 10% mais ricos da população mundial detêm 52% da renda e 77% da riqueza globais; eles também poluem mais —cerca de 45% das emissões de GEE a partir do consumo das famílias. Mais ao topo, o 1% mais rico —63 milhões de pessoas que ganham pelo menos US$ 109 mil por ano– emite mais GEE do que os 50% mais pobres da população e são a fonte de emissão que mais cresce.
Em contundente artigo para o Project Syndicate ("Tax the rich to save the planet"), Owen Gaffney defende taxar fortunas e rendas dos 10% mais ricos até que estas representem menos do que 40% da renda de cada país. Elevar a alíquota global mínima –acordada em 2021 pelo G20— de 15% para 25% sobre os lucros das grandes corporações, extinguir os paraísos fiscais e eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis são algumas medidas sugeridas. Os fundos seriam direcionados à proteção das pessoas mais vulneráveis, promovendo a igualdade de gênero e racial e a transformação dos sistemas de energia e agroalimentares, entre outras medidas.
Segundo o World Inequality Database, os 10% mais ricos da população mundial detêm 52% da renda e 77% da riqueza globais; eles também poluem mais —cerca de 45% das emissões de GEE a partir do consumo das famílias. Mais ao topo, o 1% mais rico —63 milhões de pessoas que ganham pelo menos US$ 109 mil por ano– emite mais GEE do que os 50% mais pobres da população e são a fonte de emissão que mais cresce.
Em contundente artigo para o Project Syndicate ("Tax the rich to save the planet"), Owen Gaffney defende taxar fortunas e rendas dos 10% mais ricos até que estas representem menos do que 40% da renda de cada país. Elevar a alíquota global mínima –acordada em 2021 pelo G20— de 15% para 25% sobre os lucros das grandes corporações, extinguir os paraísos fiscais e eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis são algumas medidas sugeridas. Os fundos seriam direcionados à proteção das pessoas mais vulneráveis, promovendo a igualdade de gênero e racial e a transformação dos sistemas de energia e agroalimentares, entre outras medidas.
Dique Vila Gilda, em Santos, maior favela sobre palafitas do Brasil - Bruno Santos/Folhapress |
Ao defender a paz e o fim da fome, Lula sublinhou a penúria de 783 milhões de pessoas em insegurança alimentar, as quais sofrem com a elevação dos preços de energia e de alimentos no mercado internacional, resultado da Guerra na Ucrânia.
Bilhões de pessoas enfrentam elevações do custo de vida que não se refletem em maiores salários. Com a sincronizada elevação de taxas de juros pelos bancos centrais mundo afora para conter os efeitos inflacionários das pressões de custo, a recessão global vislumbrada elimina qualquer perspectiva de maior prosperidade.
Como nos lembra Gaffney, um mundo tão rico em que a maioria das pessoas enfrenta uma insegurança econômica crônica é terreno fértil para a polarização política que ameaça as democracias ocidentais.
Não será fácil para o Norte reconhecer a cidadania do Sul Global na esfera internacional. A democratização de recursos de poder é um caminho repleto de reveses, mas expressa a aspiração justa de, nas palavras do apóstolo Paulo, combater o "bom combate".
Bilhões de pessoas enfrentam elevações do custo de vida que não se refletem em maiores salários. Com a sincronizada elevação de taxas de juros pelos bancos centrais mundo afora para conter os efeitos inflacionários das pressões de custo, a recessão global vislumbrada elimina qualquer perspectiva de maior prosperidade.
Como nos lembra Gaffney, um mundo tão rico em que a maioria das pessoas enfrenta uma insegurança econômica crônica é terreno fértil para a polarização política que ameaça as democracias ocidentais.
Não será fácil para o Norte reconhecer a cidadania do Sul Global na esfera internacional. A democratização de recursos de poder é um caminho repleto de reveses, mas expressa a aspiração justa de, nas palavras do apóstolo Paulo, combater o "bom combate".
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