31 de janeiro de 2025

O governo deve intervir para conter a inflação dos alimentos? SIM

É possível baixar tarifas de importação sobre bens agrícolas, aumentando a oferta externa, e direcionar empréstimos e incentivos fiscais a produtores

Paulo Nogueira Batista Jr.
Economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelo Brics; autor de "Estilhaços" (ed. Contracorrente)

Folha de S.Paulo

A inflação dos alimentos tem sido bem superior à inflação geral desde a pandemia de Covid-19. Isso onera, sobretudo, os mais pobres, que dedicam uma parte maior da sua renda ao consumo de alimentos. A alta desses preços tende a reduzir os salários reais e a concentrar a renda nacional.

Em sua maioria, os indicadores macroeconômicos e sociais foram bons nos dois primeiros anos do governo Lula (PT). Esses resultados vêm sendo ofuscados, entretanto, pela alta dos alimentos, provocando insatisfação generalizada —o que já se reflete, ao que parece, em perda de apoio ao governo.

Consumidora observa preços em supermercado no bairro da Mooca, em São Paulo - Adriano Vizoni - 24.set.24/Folhapress

Note-se que esse quadro lembra o dos Estados Unidos. O governo Joe Biden também apresentava, em termos gerais, bons resultados macroeconômicos. Subiam, porém, e de modo acentuado, os preços dos alimentos. Questionado logo após a eleição sobre qual teria sido a causa da sua vitória, Donald Trump foi direto, como sempre: "The prices of groceries" ("Os preços dos alimentos").

O que vem provocando essa inflação dos alimentos no Brasil? Não parece plausível atribuí-la a uma alta generalizada da demanda. As causas estão do lado da oferta. Choques climáticos (enchentes e secas), por um lado. E alta do dólar, por outro. O clima adverso reduz a produção; e o dólar mais caro aumenta os preços em reais dos bens agrícolas transacionáveis internacionalmente (importados e exportáveis).

O governo pode assistir de braços cruzados ao aumento desse componente básico do custo de vida dos mais pobres? Pode aguardar passivamente que a oferta e a demanda de mercado respondam à alta dos preços relativos? Não parece recomendável. A resposta do mercado costuma ser proibitivamente demorada, isto é, as elasticidades-preço da demanda e da oferta são provavelmente baixas, em especial no curto prazo.

O que fazer? Há diversos instrumentos de que o governo pode lançar mão. Um deles, já acionado, é trabalhar para que o dólar continue a ceder, revertendo os exageros do final do ano passado. Ainda do lado do setor externo, existe a possibilidade de baixar tarifas de importação sobre bens agrícolas, aumentando a oferta externa. A queda do dólar junto com a das tarifas traria uma diminuição do nível dos preços de alimentos.

No que diz respeito à oferta doméstica, uma possibilidade é direcionar empréstimos e incentivos fiscais a produtores agrícolas. Mobilizar o Banco do Brasil e outras instituições financeiras para reforçar o crédito à agricultura de alimentos é um caminho de tipo tradicional. E o tão temido impacto de incentivos (e das menores tarifas de importação) sobre o resultado primário das contas públicas poderia ser compensado por medidas de aumento de outras receitas ou de diminuição do gasto, abrindo espaço para essa renúncia fiscal de caráter prioritário.

De forma mais permanente, parece indispensável retomar e reforçar a política de estoques reguladores dos principais mercados de bens agrícolas. A função desses estoques é conhecida: nos momentos de inflação dos alimentos, os estoques são desovados para reduzir preços; nos momentos de baixa, são recompostos para conter a queda e seus efeitos sobre a renda dos produtores.

Todas essas alternativas têm os seus custos e podem ser aplicadas de forma distorcida ou ineficiente. Nenhuma delas, entretanto, é revolucionária ou desconhecida dos gestores da política econômica. Aplicadas criteriosamente, podem ter efeito importante sobre o custo de vida e o bem-estar da maioria dos brasileiros.

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