Décimo aniversário do golpe de 1973 do general Augusto Pinochet em 11 de setembro de 1983 em Santiago, Chile. (Ila Agencia / Gamma-Rapho via Getty Images) |
Mais de trinta anos após o fim da ditadura de Pinochet em 1990, o governo do Chile admitiu formalmente a responsabilidade pelo desaparecimento, e supostas mortes, de mais de dois mil indivíduos nas mãos dos militares chilenos e grupos paramilitares associados. O governo também se comprometeu a procurar e identificar aqueles cujos destinos permanecem oficialmente desconhecidos, sendo mais de mil.
Esta medida marca uma grande mudança para o governo, que até agora ignorou o destino dos desaparecidos ou os tratou como acontecimentos de um passado trágico — e esperançosamente esquecido. Reconhecer os desaparecidos contribuirá de alguma forma para trazer a estas vítimas e às suas famílias algum encerramento e justiça.
Mas a iniciativa não está isenta de detractores — grandes setores dos militares chilenos e da sociedade chilena em geral se opõem a esta medida e continuam a exaltar a ditadura de Augusto Pinochet. A controvérsia sobre a admissão de culpa do governo realça as divisões que ainda dilaceram o país e que têm apresentado sérios desafios ao presidente progressista Gabriel Boric desde que assumiu o cargo.
Um legado brutal
Em 1973, o Chile era governado pelo único governo de esquerda democraticamente eleito nas Américas, liderado pelo membro do Partido Socialista Salvador Allende, que ganhou a presidência em 1970 e passou três anos levando o país ao socialismo. Essa visão foi interrompida por um golpe militar em 11 de setembro de 1973, liderado pelo chefe do Exército chileno, Augusto Pinochet. Desde a tomada do poder até 1990, os militares governaram o país, primeiro abertamente e depois como um suposto governo civil, depois de terem reescrito a constituição do país em 1980. Os militares permaneceriam no poder até que um plebiscito removesse Pinochet em 1990.
A ditadura chilena não perdeu tempo em reprimir os movimentos de esquerda que levaram Allende à presidência. O próprio Allende morreu no golpe de Pinochet e milhares de outros foram capturados nas ruas e enviados imediatamente para campos de prisioneiros. Muitos foram torturados e mortos.
Mas a tática mais perturbadora e mais lembrada da ditadura não foi o que fez abertamente, mas o que fez em segredo. A ditadura de Pinochet praticou uma forma de sequestro, tortura e assassinato que ficou conhecida como "desaparecimento" - assim chamado porque, embora todos soubessem que as pessoas desaparecidas haviam sido levadas pelo governo e quase certamente estavam sendo torturadas, o governo mantinha silêncio total sobre sua ausência e os tratavam como qualquer outra pessoa desaparecida. Ao longo da década de 1970, os governos militares de toda a América Latina utilizaram esta técnica para inspirar medo e esmagar as oposições de esquerda.
O desaparecimento fez com que as famílias e companheiros políticos dos desaparecidos enfrentassem portas fechadas e muros burocráticos quando tentavam obter qualquer informação: não havia como solicitar uma visita, porque o governo sustentava que os desaparecidos não estavam detidos. Eles não podiam procurar provas de que os seus entes queridos estavam vivos, porque o governo dizi que não tinha forma de saber disso. Não conseguiram sequer obter o reconhecimento oficial das suas mortes, porque o governo não admitia que tinham morrido.
Cerca de três mil pessoas desapareceram pela ditadura entre 1973 e 1980. Isto significou vidas interrompidas, funerais sem corpos e pais sem saber se os filhos estavam vivos ou mortos. Embora a ditadura tenha terminado em 1990, Pinochet e os seus aliados permaneceram em grande parte protegidos de processos judiciais pelos seus crimes devido às proteções legais e à constituição chilena que tinham elaborado. Embora alguns deles tenham enfrentado processos judiciais mais tarde na vida, muitos deles escaparam, incluindo o próprio Pinochet; ele morreu em 2006 sem nunca ter sido condenado por seus crimes.
O fato de o Chile estar finalmente admitindo a sua participação no desaparecimento de ativistas de esquerda é uma prova dos esforços daqueles cujos entes queridos foram mortos pela ditadura e dos esforços do governo socialista de Gabriel Boric. Os ativistas que pressionaram o governo a tomar esta medida reconhecem-na apenas como o início de um longo processo de reconciliação pelos crimes do governo. Eles elogiam o governo pela "vontade política" que tomou para dar este passo, mas também observam que é tarde demais para muitos - afinal, já se passaram quase cinquenta anos desde que alguns dos seus entes queridos e camaradas foram levados, torturados e mortos, e o governo só agora reconhece que isso aconteceu.
Divisões profundas
Para Boric e a sua coligação Apruebo Dignidad, esta é a concretização de uma promessa de longa data feita às vítimas da ditadura, cumprindo o compromisso de começar a reconciliar o legado do governo militar com o presente democrático do Chile. Mas essa tarefa não será fácil de ser concluída.
A admissão de culpa surge em um momento de grave fraqueza para Boric e o seu partido, e para o socialismo no Chile em geral. A presidência de Boric tem sido até agora caracterizada pelo seu fracasso em conseguir que o Chile adotasse uma nova constituição, que substituiria a constituição escrita sob o governo Pinochet. O fracasso da nova constituição sublinha tanto a natureza precária do poder de Boric como, o que é mais preocupante, a contínua popularidade de Pinochet e do seu legado. Há muitas pessoas no Chile que ainda acreditam que a ditadura foi uma coisa boa para o país, com uma sondagem no início deste ano a revelar 36% de apoio ao golpe de 1973 contra Allende.
Isto coloca Boric e a nova iniciativa do seu governo para revelar informações sobre os desaparecidos em uma posição difícil. Isso não apenas divide ainda mais o país entre aqueles que olham com carinho para o governo militar e aqueles que o consideram o pior crime cometido na história moderna do Chile - mas também significa que Boric, um presidente já controverso e socialista - pode estar entrando em conflito com os ainda extremamente poderosos militares chilenos.
Uma das principais razões pelas quais tem sido tão difícil obter informações sobre os desaparecidos é que há poucos ou nenhum registro mantido sobre o destino deles. Os poucos registos que existem foram mantidos pela Igreja Católica Chilena, que escapou em grande parte à retribuição dos militares. A maioria das pessoas suspeita que os próprios militares possuem alguns dos registros de que o governo de Boric necessitará para completar a sua tarefa de finalmente identificar os mortos pela ditadura. Mas se os militares tiverem esses registos, é provável que façam o possível para mantê-los afastados do governo, para evitar processos e proteger a sua imagem. Os militares também não hesitam em ameaçar Boric. Generais reformados e almirantes das forças armadas chilenas enviaram recentemente a Boric uma carta avisando-o de que “abrir feridas” pouco antes do quinquagésimo aniversário do golpe poderia ser difícil para ele - que as suas atividades ameaçam a “coesão nacional” e o equilíbrio político pós-ditadura.
Descobrir a verdade sobre os desaparecimentos colocará o Chile no caminho da reconciliação com o seu passado, mas, infelizmente, também irá provavelmente exacerbar a polarização que o país enfrenta atualmente. Com os índices de aprovação de Boric bem abaixo dos 50 por cento, a política controversa irá provavelmente amargurar os seus rivais, ao mesmo tempo que oferece um conforto bastante frio para aqueles que passaram os últimos cinquenta anos à procura dos seus entes queridos. Ainda assim, a decisão de Boric de finalmente reconhecer os crimes do governo militar é a única escolha moral.
Colaborador
Craig Johnson tem doutorado em história pela Universidade da Califórnia em Berkeley, onde seu trabalho se concentrou na direita e na Igreja Católica na Argentina, Brasil, Chile e Espanha. Ele apresenta um podcast chamado Fifteen Minutes of Fascism, um programa semanal de notícias e análises que cobre a ascensão global da direita radical.
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