Luke Savage
O presidente dos EUA, Joe Biden, numa conferência de imprensa durante a Cimeira da NATO em Washington, DC, em 11 de julho de 2024. (Chris Kleponis / CNP / Bloomberg via Getty Images) |
Tradução / Durante a sua desconexa chamada telefónica ao programa da MSNBC, Morning Joe, transmitido em 8 de julho, o presidente, Joe Biden, protestou contra as “elites” no seu próprio partido, que têm vindo a pedir desde o catastrófico desempenho do debate do mês passado que ele se afastasse. No sentido de reforçar ainda mais a sua recém-descoberta bona fides populista, o próximo passo de Biden foi responder a perguntas de um pequeno grupo dos seus doadores de elite em telefonema exclusivo.
O fosso entre a retórica de Biden e o seu comportamento real – embora certamente nada de novo para um homem cujo estilo próprio tal como a desconexa história de andar de comboio Amtrak desde a cidade de Scranton, a queria apresentar como estando em conflito com a sua longa proximidade com os interesses empresariais e de Wall Street – este fosso entre a retórica e o seu comportamento foi, no entanto, particularmente impressionante neste caso.
De ambos os lados da saga Biden em curso — não obstante a recente afirmação do presidente em contrário — a dinâmica subjacente tem sido a da política através do jogo de salão das elites: fações numericamente minúsculas constituídas por doadores, influenciadores, celebridades e políticos multimilionários que realizam intrigas palacianas em grande parte independentes de qualquer processo democrático.
Desde outubro de 2021, Biden não respondeu a perguntas dos eleitores numa prefeitura pública. Como presidente, ele esquivou-se assiduamente às interações sem guião ou potencialmente críticas de qualquer tipo, sejam entrevistas ou coletivas de imprensa. Em abril, bem antes do desastroso colapso do debate de 27 de junho que precipitou o apelo do Conselho editorial do New York Times para que Biden suspendesse a sua candidatura à reeleição, uma declaração do jornal observou até que ponto ele “evitou ativa e efetivamente perguntas de jornalistas independentes” ao longo do seu mandato como presidente.
(Com uma mudança desavergonhada das balizas acordadas, vários substitutos da campanha estão agora a tentar apresentar a conferência de imprensa de má qualidade da noite passada como um grande triunfo porque Biden respondeu tardiamente a um punhado de perguntas não escritas enquanto geria a estranha extensão da sua coerência.)
Ainda não há nenhuma página de política de qualquer tipo no site da campanha de Biden (meramente uma seção de “Issues” dedicada principalmente a conquistas legislativas passadas e mensagens anti-Trump). Ele encontrou espaço na sua agenda para eventos opulentos de arrecadação de fundos em mansões e propriedades particulares em ambas as costas do país, mas tem sido relatado que não participou em nenhuma reunião completa com o seu próprio gabinete em quase um ano.
Apesar da afirmação desprezível de Biden de que a sua campanha recebeu o apoio legítimo dos eleitores nas primários, as elites democratas efetivamente garantiram que terão sido umas primárias apenas no nome. Em estados como Wisconsin e Carolina do Norte, os poucos rivais que Biden tinha simplesmente não foram autorizados a votar, enquanto na Flórida, o partido simplesmente cancelou as suas primárias.
O Comité Nacional Democrata, entretanto, acabou com os debates primários inteiramente antes mesmo de Biden anunciar o seu desejo de concorrer à reeleição – e com isso acabou por se reduzir a nada qualquer expectativa de que o presidente em exercício possa realmente ter que defender o seu registo num fórum público.
Os americanos estão, de facto, a serem solicitados a apoiar um candidato que raramente os aborda sem um teleponto, que está mais visível para os doadores em arrecadações de fundos luxuosas do que para os jornalistas, e está a procurar obter os seus votos sem especificar o que é que ele pretende fazer se for reeleito (para não falar de alguém que há muito exibiu sintomas claros de declínio cognitivo). Se Joe Biden é um inimigo das “elites”, é melhor começarmos a chamar Donald Trump de um operário.
Há, no entanto, um grão de verdade no comicamente absurdo enquadramento do presidente quanto ao esforço atual para o remover. No ano passado, as pesquisas deixaram bem claro que uma ampla maioria dos americanos, incluindo a maioria dos democratas, estava preocupada com a idade de Biden e não queria que ele concorresse em 2024. Isso não fez diferença enquanto o alinhamento necessário de doadores e corretores de poder democratas estava do seu lado – e agora essas mesmas elites levaram apenas alguns dias para alcançar o que mais de um ano de sondagens e as opiniões de dezenas de milhões de americanos não conseguiram.
Pela primeira vez desde o desastre de comboio do debate de Biden há duas semanas, começou a sentir-se genuinamente plausível que ele possa ser obrigado a afastar-se. Com as suas declarações de apoio enigmáticas e ambivalentes – e declarações muito mais categóricas nos bastidores – grandes do partido como Nancy Pelosi parecem estar a mover-se contra ele. As doações da sua agenda de milionários e bilionários sobre os quais o presidente baseou em grande parte os esforços de captação de recursos para a sua campanha parecem prontas para secar rapidamente.
Talvez nada, no entanto, tenha parecido catalisar a oposição a Biden mais do que o recente artigo de opinião do New York Times de George Clooney (que há menos de um mês participou como dinamizador numa campanha de arrecadação de fundos de Hollywood que trouxe um recorde de 28 milhões de dólares) pedindo a sua saída da corrida. Desde a publicação do artigo de Clooney, soube-se que ele terá falado de antemão com o ex-presidente Barack Obama, o que tem alimentado o ressentimento da parte de Biden e da sua equipa de campanha que afirmam que o ex-presidente tem secretamente coordenado os esforços crescentes para o fazer sair da corrida.
Se esse é realmente o caso ou não, é uma situação ridícula que deveria levar as pessoas a perguntarem-se como e por que intrigas de bastidores e ressentimentos pessoais entre uma pequena fatia dos ricos e poderosos estão agora a ajudar a determinar eventos políticos na nação mais poderosa do mundo.
Mas também é emblemático de uma cultura partidária podre e insular em dívida com os ricos que conquistaram completamente o poder estabelecido democrata ainda antes do início da era Biden.
Por razões óbvias, os políticos dominantes de todas as faixas há muito que têm solicitado donativos aos ricos e o apoio dos famosos e bem conectados – um instinto que tem predominado cada vez mais entre os democratas desde os dias de Bill Clinton. Mas durante a era Obama, as instituições dos ricos e as celebridades foram praticamente elevadas ao status de doutrina oficial do partido. Este estilo, sem dúvida, alcançou o seu ponto alto com Hillary Rodham Clinton, cuja campanha de 2016 para a Casa Branca abertamente revelou a sua proximidade com a fama e com o dinheiro organizado, enquanto (muito parecido com Biden hoje) oferecia aos eleitores uma impressionante falta de política ou substância.
Tendo experimentado uma derrota chocante às mãos de Donald Trump e dois desafios de contestação inesperadamente fortes de Bernie Sanders, os eventos desde 2016 só incentivaram as elites democratas a redobrarem os seus esforços para se aliarem aos grandes doadores e com o desejo de limitar o envolvimento popular no processo político e eleitoral.
O resultado, como a absurda saga de Joe Biden deixou tão vergonhosamente claro, é que as alavancas de poder dentro do que ainda se chama oficialmente o Partido Democrata são largamente controladas por uma rede solta de doadores ultra-ricos, celebridades influenciadoras e políticos multimilionários que se isolaram com sucesso significativo das pressões democráticas.
Para aqueles que organizam e assistem às chiques recolhas de fundos através das quais muitos democratas poderosos agora financiam as suas campanhas, o negócio real da política é mais ou menos visto como a competência exclusiva daqueles com os meios ou status para obter um lugar à mesa. Para os liberais e ativistas de base, há antes o pão e os circos das celebridades, do infoentretenimento e da cultura política dos partidários políticos: candidatos retocados com histórias pessoais inspiradoras em que investir; séries partidárias a publicar; podcasts que incentivam a deferência irracional para com os heróis dos jogos digitais para ouvir e partilhar com amigos e familiares.
Analisando os eventos políticos da última década torna-se difícil escapar à conclusão de que as elites liberais que tão reflexivamente enquadram cada eleição como um referendo existencial sobre a própria democracia são, de facto, profundamente desdenhosas e com medo da própria coisa pela qual afirmam estar a lutar. Até que Biden teve no debate com Trump um tão mau desempenho que a lei do silêncio já não poderia manter-se, grande parte do partido parece ter estado disposta a deixar seguir uma campanha historicamente fraca ir a todo o vapor, e quanto às consequências, estas não interessam, estas que se danem.
Que um artigo de opinião escrito por uma só celebridade que é um importante coletor de fundos para o Partido Democrata, surja como tendo mais impacto sobre a viabilidade da candidatura de Joe Biden do que a esmagadora maioria da opinião pública é uma declaração sombria sobre o que realmente lubrifica as engrenagens na pesada máquina Democrata – e sobre a dourada cultura política que tão irresponsavelmente nos trouxe a este ponto.
O fosso entre a retórica de Biden e o seu comportamento real – embora certamente nada de novo para um homem cujo estilo próprio tal como a desconexa história de andar de comboio Amtrak desde a cidade de Scranton, a queria apresentar como estando em conflito com a sua longa proximidade com os interesses empresariais e de Wall Street – este fosso entre a retórica e o seu comportamento foi, no entanto, particularmente impressionante neste caso.
De ambos os lados da saga Biden em curso — não obstante a recente afirmação do presidente em contrário — a dinâmica subjacente tem sido a da política através do jogo de salão das elites: fações numericamente minúsculas constituídas por doadores, influenciadores, celebridades e políticos multimilionários que realizam intrigas palacianas em grande parte independentes de qualquer processo democrático.
Desde outubro de 2021, Biden não respondeu a perguntas dos eleitores numa prefeitura pública. Como presidente, ele esquivou-se assiduamente às interações sem guião ou potencialmente críticas de qualquer tipo, sejam entrevistas ou coletivas de imprensa. Em abril, bem antes do desastroso colapso do debate de 27 de junho que precipitou o apelo do Conselho editorial do New York Times para que Biden suspendesse a sua candidatura à reeleição, uma declaração do jornal observou até que ponto ele “evitou ativa e efetivamente perguntas de jornalistas independentes” ao longo do seu mandato como presidente.
(Com uma mudança desavergonhada das balizas acordadas, vários substitutos da campanha estão agora a tentar apresentar a conferência de imprensa de má qualidade da noite passada como um grande triunfo porque Biden respondeu tardiamente a um punhado de perguntas não escritas enquanto geria a estranha extensão da sua coerência.)
Ainda não há nenhuma página de política de qualquer tipo no site da campanha de Biden (meramente uma seção de “Issues” dedicada principalmente a conquistas legislativas passadas e mensagens anti-Trump). Ele encontrou espaço na sua agenda para eventos opulentos de arrecadação de fundos em mansões e propriedades particulares em ambas as costas do país, mas tem sido relatado que não participou em nenhuma reunião completa com o seu próprio gabinete em quase um ano.
Apesar da afirmação desprezível de Biden de que a sua campanha recebeu o apoio legítimo dos eleitores nas primários, as elites democratas efetivamente garantiram que terão sido umas primárias apenas no nome. Em estados como Wisconsin e Carolina do Norte, os poucos rivais que Biden tinha simplesmente não foram autorizados a votar, enquanto na Flórida, o partido simplesmente cancelou as suas primárias.
O Comité Nacional Democrata, entretanto, acabou com os debates primários inteiramente antes mesmo de Biden anunciar o seu desejo de concorrer à reeleição – e com isso acabou por se reduzir a nada qualquer expectativa de que o presidente em exercício possa realmente ter que defender o seu registo num fórum público.
Os americanos estão, de facto, a serem solicitados a apoiar um candidato que raramente os aborda sem um teleponto, que está mais visível para os doadores em arrecadações de fundos luxuosas do que para os jornalistas, e está a procurar obter os seus votos sem especificar o que é que ele pretende fazer se for reeleito (para não falar de alguém que há muito exibiu sintomas claros de declínio cognitivo). Se Joe Biden é um inimigo das “elites”, é melhor começarmos a chamar Donald Trump de um operário.
Há, no entanto, um grão de verdade no comicamente absurdo enquadramento do presidente quanto ao esforço atual para o remover. No ano passado, as pesquisas deixaram bem claro que uma ampla maioria dos americanos, incluindo a maioria dos democratas, estava preocupada com a idade de Biden e não queria que ele concorresse em 2024. Isso não fez diferença enquanto o alinhamento necessário de doadores e corretores de poder democratas estava do seu lado – e agora essas mesmas elites levaram apenas alguns dias para alcançar o que mais de um ano de sondagens e as opiniões de dezenas de milhões de americanos não conseguiram.
Pela primeira vez desde o desastre de comboio do debate de Biden há duas semanas, começou a sentir-se genuinamente plausível que ele possa ser obrigado a afastar-se. Com as suas declarações de apoio enigmáticas e ambivalentes – e declarações muito mais categóricas nos bastidores – grandes do partido como Nancy Pelosi parecem estar a mover-se contra ele. As doações da sua agenda de milionários e bilionários sobre os quais o presidente baseou em grande parte os esforços de captação de recursos para a sua campanha parecem prontas para secar rapidamente.
Talvez nada, no entanto, tenha parecido catalisar a oposição a Biden mais do que o recente artigo de opinião do New York Times de George Clooney (que há menos de um mês participou como dinamizador numa campanha de arrecadação de fundos de Hollywood que trouxe um recorde de 28 milhões de dólares) pedindo a sua saída da corrida. Desde a publicação do artigo de Clooney, soube-se que ele terá falado de antemão com o ex-presidente Barack Obama, o que tem alimentado o ressentimento da parte de Biden e da sua equipa de campanha que afirmam que o ex-presidente tem secretamente coordenado os esforços crescentes para o fazer sair da corrida.
Se esse é realmente o caso ou não, é uma situação ridícula que deveria levar as pessoas a perguntarem-se como e por que intrigas de bastidores e ressentimentos pessoais entre uma pequena fatia dos ricos e poderosos estão agora a ajudar a determinar eventos políticos na nação mais poderosa do mundo.
Mas também é emblemático de uma cultura partidária podre e insular em dívida com os ricos que conquistaram completamente o poder estabelecido democrata ainda antes do início da era Biden.
Por razões óbvias, os políticos dominantes de todas as faixas há muito que têm solicitado donativos aos ricos e o apoio dos famosos e bem conectados – um instinto que tem predominado cada vez mais entre os democratas desde os dias de Bill Clinton. Mas durante a era Obama, as instituições dos ricos e as celebridades foram praticamente elevadas ao status de doutrina oficial do partido. Este estilo, sem dúvida, alcançou o seu ponto alto com Hillary Rodham Clinton, cuja campanha de 2016 para a Casa Branca abertamente revelou a sua proximidade com a fama e com o dinheiro organizado, enquanto (muito parecido com Biden hoje) oferecia aos eleitores uma impressionante falta de política ou substância.
Tendo experimentado uma derrota chocante às mãos de Donald Trump e dois desafios de contestação inesperadamente fortes de Bernie Sanders, os eventos desde 2016 só incentivaram as elites democratas a redobrarem os seus esforços para se aliarem aos grandes doadores e com o desejo de limitar o envolvimento popular no processo político e eleitoral.
O resultado, como a absurda saga de Joe Biden deixou tão vergonhosamente claro, é que as alavancas de poder dentro do que ainda se chama oficialmente o Partido Democrata são largamente controladas por uma rede solta de doadores ultra-ricos, celebridades influenciadoras e políticos multimilionários que se isolaram com sucesso significativo das pressões democráticas.
Para aqueles que organizam e assistem às chiques recolhas de fundos através das quais muitos democratas poderosos agora financiam as suas campanhas, o negócio real da política é mais ou menos visto como a competência exclusiva daqueles com os meios ou status para obter um lugar à mesa. Para os liberais e ativistas de base, há antes o pão e os circos das celebridades, do infoentretenimento e da cultura política dos partidários políticos: candidatos retocados com histórias pessoais inspiradoras em que investir; séries partidárias a publicar; podcasts que incentivam a deferência irracional para com os heróis dos jogos digitais para ouvir e partilhar com amigos e familiares.
Analisando os eventos políticos da última década torna-se difícil escapar à conclusão de que as elites liberais que tão reflexivamente enquadram cada eleição como um referendo existencial sobre a própria democracia são, de facto, profundamente desdenhosas e com medo da própria coisa pela qual afirmam estar a lutar. Até que Biden teve no debate com Trump um tão mau desempenho que a lei do silêncio já não poderia manter-se, grande parte do partido parece ter estado disposta a deixar seguir uma campanha historicamente fraca ir a todo o vapor, e quanto às consequências, estas não interessam, estas que se danem.
Que um artigo de opinião escrito por uma só celebridade que é um importante coletor de fundos para o Partido Democrata, surja como tendo mais impacto sobre a viabilidade da candidatura de Joe Biden do que a esmagadora maioria da opinião pública é uma declaração sombria sobre o que realmente lubrifica as engrenagens na pesada máquina Democrata – e sobre a dourada cultura política que tão irresponsavelmente nos trouxe a este ponto.
Colaborador
Luke Savage é redator da equipa de Jacobin. Escreve também para The Atlantic, The Washington Post, The Guardina, New Statesman. O seu mais recente livro é The Dead Center: Reflections on Liberalism (2022). É licenciado em Ciência Política e Governação pela Universidade de Toronto, onde obteve também o mestrado em Teoria Política.
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