10 de julho de 2024

A Chiquita deve pagar por seus crimes na América Latina

Já se passaram 70 anos desde o golpe apoiado pela CIA que derrubou o presidente Jacobo Árbenz na Guatemala. Ele foi punido por enfrentar a poderosa United Fruit Company, posteriormente conhecida como Chiquita — mas hoje, a empresa pode finalmente ser responsabilizada por seus vínculos com um grupo paramilitar de extrema direita da Colômbia.

Klas Lundström


(Fabian Sommer via Getty Images)

Tradução / No Alcorão, a banana é apresentada como uma fruta do paraíso. Mas qualquer um que já tenha posto os pés em uma plantação de bananas sabe que tal lugar está longe disso. Para milhares de trabalhadores em plantações de banana — cujas condições estão ligadas a pesticidas prejudiciais à saúde, serpentes venenosas, mosquitos transmissores de doenças, umidade sufocante e salários miseravelmente baixos — a plantação é o beco sem saída de males globais mais amplos.

Em 27 de junho de 1954, o capitalismo da banana capturou a atenção global quando a United Fruit Company (posteriormente Chiquita), a CIA e o exército guatemalteco conseguiram derrubar o presidente democraticamente eleito Jacobo Árbenz. Foi resultado de uma conspiração bem articulada conhecida como Operação PBSuccess, iniciada pelo presidente dos EUA, Dwight D. Eisenhower, em agosto de 1953 e conduzida por Carlos Castillo Armas, um comandante militar de direita que derrubou Árbenz com fundos da CIA e da United Fruit Company. Esta última controlava mais de 40% das terras da Guatemala e era isenta de pagar impostos e taxas de importação.

O tumulto na capital da Guatemala ocorreu devido a um terremoto social anterior, no qual o foco político finalmente se voltou para a grande maioria da população. Esta última há muito tempo era vítima do que Piero Gleijeses, um renomado professor de política externa dos EUA, chama de ‘sistema de posse de terra distorcido que deteriorou o campo guatemalteco’’.

Árbenz foi eleito presidente em 1951, culminando em um período conhecido como “Revolução Guatemalteca”, após a renúncia da junta governante em 1944 e a realização de eleições livres. Suas promessas de campanha logo resultaram no “Decreto 900“, uma reforma agrária aprovada no congresso guatemalteco no dia 17 de junho de 1952. Isso abriu caminho para a redistribuição de terras não utilizadas e para a expropriação de terras pertencentes a grandes proprietários para uso em um programa nacional de distribuição de terras.

A United Fruit Company ficou conhecida como “El Pulpo” (“O Polvo”). Em “The Banana Empire: A Case Study of Economic Imperialism” (O Império da Banana: Um Estudo de Caso de Imperialismo Econômico), uma crítica pioneira ao modelo empresarial imperialista da companhia publicada em 1935 por Charles David Kepner e Jay Henry Soothill, foi escrito que a empresa “estrangulou concorrentes, dominou governos, acorrentou ferrovias, arruinou fazendeiros, sufocou cooperativas, dominou trabalhadores, combateu o trabalho organizado e explorou consumidores.”

O “Decreto 900” foi aclamado pela esquerda política da Guatemala, sindicatos e movimentos sociais, cujo lobby foi intenso e bem-sucedido. Na verdade, ele se conformava com pacotes de reforma considerados “essenciais para o desenvolvimento econômico”, até mesmo pelo Banco Mundial. Um relatório da embaixada dos EUA em maio de 1951 mencionou uma rápida distribuição de terras para mais de cem mil famílias camponesas, “com pouca violência e sem afetar a produção.”

Para muitos, a lei não foi menos que um milagre. A administração de Árbenz ofereceu uma verdadeira chance de vida para milhares e milhares de camponeses sem terra, trabalhadores famintos e grupos indígenas deslocados. Eles saudaram a reforma agrária como a primeira fresta de luz para pôr fim à longa noite escura do colonialismo europeu, do trabalho por dívidas e da humilhação nas mãos dos capitalistas americanos. Foi um grande salto da servidão e exploração para a cidadania e dignidade.

Segundo o eminente intelectual e sociólogo guatemalteco Mario Monteforte Toledo, “nas reuniões que o presidente Árbenz teve com os representantes da Asociación General de Agricultores para discutir a reforma agrária, ele sabia mais sobre os problemas agrários do país do que eles.” Mas seu governo não duraria muito.

United Fruit Company

A compreensão das condições dos camponeses demonstrada por Árbenz e sua administração também entrava em conflito com as expectativas de lucro da United Fruit Company. O crescente descontentamento entre os capitalistas americanos e o Departamento de Estado dos EUA, portanto, não foi uma surpresa. A política de reforma de Árbenz tinha um alcance amplo, mas ele estava em uma posição fraca.

“Os Estados Unidos eram, na época, praticamente a única fonte de capital privado disponível para um país da América Central”, relata Gleijeses.

Além das chances reduzidas de Árbenz, o Partido Comunista da Guatemala se tornou um dos poucos aliados nos quais o presidente poderia confiar para seu “projeto pessoal”, a reforma agrária. Partidos políticos mais estabelecidos temiam que mudanças radicais desencadeassem forças incontroláveis e pusessem fim à dominação social e política de uma pequena oligarquia exportadora enraizada tanto no colonialismo europeu quanto no imperialismo americano subsequente. O poder, a influência e o capital das elites regionais estavam enraizados principalmente no café e, em seguida, em commodities agrícolas, como a banana.

Uma revolta contra a dura realidade e a exploração do imperialismo americano era inevitável mais cedo ou mais tarde. A persistente escassez de commodities essenciais para a sobrevivência, mesmo enquanto essas mesmas commodities eram exportadas para grandes lucros em dólares, ilustrava a necessidade de mudança. Mas tais esperanças também esbarravam nas estruturas de poder dominantes em Washington, onde o Secretário de Estado John Foster Dulles tinha vínculos com a United Fruit Company através de seu escritório de advocacia em Nova York, Sullivan and Cromwell. O irmão de Dulles, Allen, era diretor da CIA e havia pessoalmente servido no conselho de administração da companhia de frutas, lucrando pessoalmente com a produção de bananas através de suas participações acionárias.

No Salão Oval, a secretária particular do presidente Eisenhower, Ann Whitman, era casada com Ed Whitman, um oficial de relações públicas e produtor do filme de propaganda “Why the Kremlin Hates Bananas” — uma coprodução da CIA e da United Fruit Company.

No filme, somos informados que a América Central, e principalmente o Canal do Panamá — que o narrador, um homem americano sentado à mesa ao lado de uma cesta de frutas, saúda como um refúgio para a empresa americana e um “estratégico corredor de água do mundo livre” — nunca estará sob controle comunista. Isso se deve à “Igreja com seus costumes e tradições cristãs, que continua sendo uma muralha contra o comunismo ateísta”, embora muitas vezes financiada por dólares americanos. Segundo o filme de Whitman, a United Fruit Company lutou corajosamente na linha de frente da Guerra Fria.

Os governos apoiados pelos EUA que continuaram a governar na Guatemala até meados da década de 1990 lançaram uma campanha militar em larga escala contra seus oponentes políticos — tanto guerrilheiros armados quanto líderes sindicais independentes. Eles instigaram uma política semelhante ao genocídio contra grupos indígenas através de projetos financiados pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, financiando projetos de mineração e barragens hidrelétricas em terras maias e assegurando os lucros da United Fruit Company.

“A pedido da CIA”, escreve o jornalista e escritor Greg Grandin em “The Last Colonial Massacre: Latin America in the Cold War” (O Último Massacre Colonial: América Latina na Guerra Fria), “o New York Times não enviou repórteres para o interior após a derrubada de Árbenz”. A guerra civil durou até 1996 e custou até duzentas mil vidas — mortos ou “desaparecidos”. Massacres ocorreram nas plantações de banana, efetivamente sufocando qualquer demanda por melhores condições de trabalho apresentadas por líderes sindicais à United Fruit Company.

Doutrina Monroe

Tal opressão devastadora tinha uma longa história por trás. “No conceito geopolítico do imperialismo, a América Central não passa de um apêndice natural dos Estados Unidos”, escreveu o jornalista e escritor Eduardo Galeano em “As Veias Abertas da América Latina: Cinco Séculos de Pilhagem de um Continente”.

As primeiras árvores de banana cultivadas comercialmente foram plantadas na década de 1870, depois que o empresário americano Minor C. Keith foi contratado pelo governo da Costa Rica para estabelecer uma ferrovia transnacional para transporte em larga escala entre as plantações e os portos marítimos. Logo depois, Keith expandiu seus negócios e adquiriu grandes extensões de terra em Honduras e Guatemala, dedicadas à produção de bananas.

Em 1889, os negócios de Keith se uniram a outros jogadores dos EUA, formando uma fusão que se tornou a United Fruit Company — uma encarnação da Doutrina Monroe de 1823, que afirmava que “os direitos e interesses dos Estados Unidos estão envolvidos, os continentes americanos, pela condição livre e independente que assumiram e mantiveram, doravante não devem ser considerados como sujeitos à colonização por quaisquer potências europeias”.

Isso incluía independência doméstica para qualquer estado que desse origem a qualquer coisa que se assemelhasse remotamente a uma posição política que corresse o risco de obstruir os interesses dos EUA no Hemisfério Ocidental. O então ditador de Cuba, Gerardo Machado y Morales, conhecido como “El Carnicero” durante seu governo de 1925 a 1933, descreveu a Doutrina Monroe como “a política comum de defesa para a integridade territorial da América”.

A United Fruit Company incorporava a mentalidade de livre iniciativa e o sentimento de “Destino Manifesto” que, segundo a narrativa oficial de Washington, havia fundado os Estados Unidos da América. Na verdade, o gigante das frutas havia subornado seu caminho para o cerne da vida política da América Latina, plantando gangrena social ao pagar oficiais do exército e gangues de bandidos e milícias para abrir caminho através de selvas e pântanos, limpando terras agrícolas adequadas tomadas de povos indígenas e agricultores sem terra. Em troca, os dólares das bananas financiavam uma crescente oligarquia doméstica que tinha um aparato militar protegendo seus interesses — e seus beneficiários americanos.

Paralelo colombiano

No entanto, à medida que a Guatemala desperta para o septuagésimo aniversário do golpe militar apoiado pelos EUA que derrubou Árbenz, a maré pode estar virando contra o proeminente produtor de bananas. Em junho de 2024, um júri de um caso civil no Distrito Sul da Flórida considerou a Chiquita Brands responsável por financiar o notório grupo paramilitar de extrema direita Autodefensas Unidas de Colômbia (AUC), responsável por diversos crimes de direitos humanos durante a guerra civil colombiana de meio século, e com laços comprovados com seu exército armado e treinado pelos EUA.

“Chiquita conscientemente forneceu assistência substancial à AUC em grau suficiente para criar um risco previsível de dano a outros”, afirmou o júri. A Chiquita Brands foi ordenada a pagar 38,3 milhões de dólares às famílias de oito vítimas do grupo paramilitar agora dissolvido, “colocado na lista negra” como organização terrorista nos Estados Unidos e na União Europeia.

Como já relatado pela Jacobin, o veredito provavelmente “impactará os muitos outros casos pendentes que tentaram demonstrar os vínculos entre a classe dominante apoiada pelo Ocidente na Colômbia e os grupos paramilitares, frequentemente não resolvidos devido à manipulação de testemunhas”. O ex-presidente Álvaro Uribe é um dos potentados da Colômbia que construiu uma carreira política a partir do conflito armado de meio século e das boas relações com o capital dos EUA (entre eles a Chiquita Brands), e que atualmente está sendo acusado por supostos laços com paramilitares da AUC, cujas operações Uribe é acusado de ter “ajudado a expandir” para evitar qualquer mudança social que pudesse perturbar o status quo, a pobreza e a concentração injusta de terras que constituíram a base da guerra civil colombiana na década de 1960.

Assim como na Guatemala, as raízes do capitalismo das bananas da United Fruit Company se aprofundam no solo da Colômbia. Em dezembro de 1928, três mil trabalhadores de banana ligados ao recém-formado Magdalena Workers’ Union (Sindicato dos Trabalhadores do Magdalena) (USTM) saíram às ruas na cidade costeira caribenha de Ciénaga. De acordo com o discurso político contemporâneo da United Fruit Company — e dos EUA — e em paralelo com a Doutrina Monroe, os grevistas foram rotulados de “comunistas”, meros precursores de uma conspiração política que buscava derrubar o governo colombiano e nacionalizar a indústria bananeira.

O governo dos EUA, liderado pelo presidente Calvin Coolidge, transformou seu “quintal” latino-americano em um mosaico de locais para encontrar bens baratos e oportunidades de investimento próspero. Diversas nações soberanas — além de Cuba, também República Dominicana, Haiti, Honduras, Nicarágua e Venezuela — estavam sob controle militar direto do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. Com este tabuleiro geopolítico em vigor, Coolidge não estava particularmente ansioso para sentir um vento de mudança na Colômbia.

A United Fruit Company fez lobby intensamente — respaldada pelos canhões do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA — e obteve o apoio do governo colombiano e a promessa de interromper os protestos. Os trabalhadores em greve nas plantações de banana, por outro lado, não recuaram, e os soldados colombianos abriram fogo contra os manifestantes. O embaixador dos EUA em Bogotá, Jefferson Caffery, enviou uma mensagem para Washington: “Tenho a honra de relatar que o número total de grevistas mortos pelo exército colombiano ultrapassou mil.”

Passado silenciado

Na Colômbia, a memória coletiva após o “massacre das bananas” logo foi obscurecida por uma guerra civil, propaganda política e uma crescente influência americana que abrangeu toda a sociedade. O escritor colombiano Gabriel García Márquez escreveu sobre a atrocidade em sua obra de 1967, “Cem Anos de Solidão”, descrevendo este “massacre apocalíptico” como “talvez minha primeira memória”.

“A versão oficial,” escreveu García Márquez, “repetida mil vezes e esmagada por todo o país e em todos os meios de disseminação que o governo encontrou à sua disposição, acabou prevalecendo: não houve mortes.”

O dramaturgo britânico Harold Pinter concordou com o laureado com o Prêmio Nobel colombiano. Quando os interesses dos EUA estavam em jogo, era fácil relegar ao noticiário de fundo — ou simplesmente ignorar — as vidas civis perdidas para impedir avanços em reformas agrárias, bem-estar universal e organização sindical.

“Nunca aconteceu,” escreveu Pinter em 1996. “Nada nunca aconteceu. Mesmo enquanto estava acontecendo, não estava acontecendo. Não importava. Não era de interesse. Os crimes dos EUA pelo mundo têm sido sistemáticos, constantes, clínicos, impiedosos e totalmente documentados, mas ninguém fala sobre eles.”

O escândalo AUC-Chiquita, e o processo legal em curso contra o ex-presidente Uribe, pode ser a inevitável abertura da caixa de Pandora no que diz respeito à revelação do papel do gigante produtor de bananas dos EUA no passado doloroso da América Latina. A chuva que cai sobre a Colômbia em “Cem Anos de Solidão” de García Márquez não é apenas uma alegoria sobre o esquecimento coletivo e politizado. Descreve um encobrimento político flagrante que governos subsequentes dos EUA e numerosos governos latino-americanos trabalharam tão arduamente para perpetuar. Mas não precisa ser assim.

Colaborador

Klas Lundström é um repórter investigativo e escritor que mora em Estocolmo.

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