Kurt Hollander
Tradução / Em maio, Cúcuta, uma cidade colombiana com um milhão de habitantes na fronteira com a Venezuela, tornou-se o foco de atenção da Jurisdição Especial para a Paz (JEP), a instituição governamental responsável por identificar, documentar e estabelecer a responsabilidade pelas mortes de vítimas no conflito armado em curso no país.
Depois que o depoimento de um comandante paramilitar revelou a existência de covas coletivas dentro da cidade, a JEP, em sua maior e mais crítica intervenção até então, fechou o Cemitério Central de Cúcuta e o designou como um grande local de crime. Investigadores forenses trabalhando para a JEP descobriram dez covas coletivas não marcadas dentro do cemitério, de onde desenterraram milhares de sacos pretos em decomposição cheios de corpos em deterioração e ossos desmoronando.
No terreno ao redor de um monumento de mármore italiano do século XIX, eles encontraram mais mil corpos em fossas profundas empilhados uns sobre os outros.
A maioria dos guerrilheiros que o governo colombiano afirmou ter matado em batalhas em todo o país, na verdade, eram civis inocentes (camponeses, estudantes, jornalistas, professores, líderes comunitários e ativistas ambientais), em uma prática comum conhecida como “falsos positivos”. Estima-se que mais pessoas inocentes foram mortas na Colômbia pelo próprio governo do que em todas as guerras sujas no Chile, Argentina e Brasil combinadas. Para manter esse segredo sujo, milhares de corpos tiveram que ser escondidos ou desaparecidos.
A JEP, estabelecida em 2017, documenta os massacres mais atrozes cometidos na Colômbia, coletando testemunhos diretamente dos atores armados envolvidos. Milhares de guerrilheiros, combatentes paramilitares e oficiais militares que participaram desses eventos receberam sentenças reduzidas ou foram absolvidos de crimes anteriores em troca de informações.
Com esses depoimentos, os investigadores forenses da JEP estão reescrevendo a história do conflito armado na Colômbia, revelando muitos dos segredos mais sombrios que as autoridades tentaram enterrar. Como nas histórias clássicas de terror, esqueletos no armário tem uma maneira de voltar e assombrar seus assassinos.
Colaborador
Kurt Hollander é escritor, fotógrafo e autor de Várias Maneiras de Morrer na Cidade do México.
Pessoas visitam sepulturas no Cemitério Central em Cúcuta, Colômbia, onde autoridades descobriram centenas de corpos assassinados ou desaparecidos. (Cortesia de Kurt Hollander) |
Tradução / Em maio, Cúcuta, uma cidade colombiana com um milhão de habitantes na fronteira com a Venezuela, tornou-se o foco de atenção da Jurisdição Especial para a Paz (JEP), a instituição governamental responsável por identificar, documentar e estabelecer a responsabilidade pelas mortes de vítimas no conflito armado em curso no país.
Depois que o depoimento de um comandante paramilitar revelou a existência de covas coletivas dentro da cidade, a JEP, em sua maior e mais crítica intervenção até então, fechou o Cemitério Central de Cúcuta e o designou como um grande local de crime. Investigadores forenses trabalhando para a JEP descobriram dez covas coletivas não marcadas dentro do cemitério, de onde desenterraram milhares de sacos pretos em decomposição cheios de corpos em deterioração e ossos desmoronando.
A placa da JEP do lado de fora do cemitério de Cúcuta. (Cortesia de Kurt Hollander) |
No terreno ao redor de um monumento de mármore italiano do século XIX, eles encontraram mais mil corpos em fossas profundas empilhados uns sobre os outros.
Mais de cem mil pessoas estão atualmente registradas como “desaparecidas” na Colômbia, um legado dos conflitos ultraviolentos do país entre guerrilheiros, paramilitares, grupos criminosos e o governo. No estado onde Cúcuta está localizada, mais de quatro mil pessoas foram reportadas como “desaparecidas” por suas famílias.
Através de testes de DNA nos restos humanos encontrados no Cemitério Central, mais de duzentos dos corpos já foram identificados como sendo de pessoas que foram assassinadas e desaparecidas. Os restos mortais desses corpos foram cuidadosamente catalogados, equipados com microchips para rastrear quaisquer movimentos futuros, e enterrados em sepulturas familiares ou em pequenos nichos dentro de paredes de concreto recém-construídas no cemitério.
O Cemitério Central de Cúcuta foi estabelecido em 1885, uma década após um terremoto de magnitude 8,5 ter devastado completamente a cidade, matando cerca de 1.500 pessoas. O cemitério foi originalmente construído no topo de uma colina fora dos limites da cidade, em um grande terreno com vistas panorâmicas da cidade abaixo e das montanhas venezuelanas a leste.
No entanto, devido a uma das expansões urbanas mais rápidas experimentadas em qualquer lugar do planeta — um resultado direto da violência que assolou o campo nas últimas décadas, forçando milhões de colombianos a abandonarem suas terras — o cemitério agora está localizado bem no centro da cidade.
Nos primeiros cem anos de existência, mais de cem mil pessoas de todos os caminhos da vida e de todas as camadas da sociedade, incluindo colombianos, venezuelanos, alemães, árabes e judeus, foram sepultados no local. O cemitério originalmente oferecia diferentes planos de sepultamento para todas as classes: sepulturas de luxo com monumentos de mármore projetados por escultores italianos, completos com elegantes procissões fúnebres de caixões de madeira esculpidos puxados por cavalos; túmulos modestos em arquitetura funcionalista; ou sepulturas comuns marcadas apenas por uma cruz ou pedra.
Com o tempo, a arquitetura do cemitério evoluiu para acompanhar as mudanças na cidade ao seu redor, incorporando materiais e tecnologias mais recentes tanto nos túmulos quanto nas lápides. À medida que a economia de Cúcuta declinava devido à crise econômica da Venezuela, o mármore esculpido à mão deu lugar a quadros de cimento projetados com imagens fotográficas digitais que retratam os falecidos em cenas religiosas ou com pertences pessoais.
Em Cúcuta, a maioria dos homens que morrem jovens morre de forma violenta. Frequentemente eram participantes de confrontos entre grupos criminosos. Objetos adicionados às suas lápides às vezes documentam suas atividades criminosas, com motocicletas (usadas em assassinatos por sicários) e AK-47s sendo as imagens mais populares.
Através de testes de DNA nos restos humanos encontrados no Cemitério Central, mais de duzentos dos corpos já foram identificados como sendo de pessoas que foram assassinadas e desaparecidas. Os restos mortais desses corpos foram cuidadosamente catalogados, equipados com microchips para rastrear quaisquer movimentos futuros, e enterrados em sepulturas familiares ou em pequenos nichos dentro de paredes de concreto recém-construídas no cemitério.
O Cemitério Central de Cúcuta foi estabelecido em 1885, uma década após um terremoto de magnitude 8,5 ter devastado completamente a cidade, matando cerca de 1.500 pessoas. O cemitério foi originalmente construído no topo de uma colina fora dos limites da cidade, em um grande terreno com vistas panorâmicas da cidade abaixo e das montanhas venezuelanas a leste.
No entanto, devido a uma das expansões urbanas mais rápidas experimentadas em qualquer lugar do planeta — um resultado direto da violência que assolou o campo nas últimas décadas, forçando milhões de colombianos a abandonarem suas terras — o cemitério agora está localizado bem no centro da cidade.
Nos primeiros cem anos de existência, mais de cem mil pessoas de todos os caminhos da vida e de todas as camadas da sociedade, incluindo colombianos, venezuelanos, alemães, árabes e judeus, foram sepultados no local. O cemitério originalmente oferecia diferentes planos de sepultamento para todas as classes: sepulturas de luxo com monumentos de mármore projetados por escultores italianos, completos com elegantes procissões fúnebres de caixões de madeira esculpidos puxados por cavalos; túmulos modestos em arquitetura funcionalista; ou sepulturas comuns marcadas apenas por uma cruz ou pedra.
Com o tempo, a arquitetura do cemitério evoluiu para acompanhar as mudanças na cidade ao seu redor, incorporando materiais e tecnologias mais recentes tanto nos túmulos quanto nas lápides. À medida que a economia de Cúcuta declinava devido à crise econômica da Venezuela, o mármore esculpido à mão deu lugar a quadros de cimento projetados com imagens fotográficas digitais que retratam os falecidos em cenas religiosas ou com pertences pessoais.
Em Cúcuta, a maioria dos homens que morrem jovens morre de forma violenta. Frequentemente eram participantes de confrontos entre grupos criminosos. Objetos adicionados às suas lápides às vezes documentam suas atividades criminosas, com motocicletas (usadas em assassinatos por sicários) e AK-47s sendo as imagens mais populares.
O túmulo mais visitado do cemitério pertence a Fabio Isaza, um criminoso que atuou em Cúcuta nos anos 1960. Embora tenha sido eventualmente morto a tiros nas ruas da cidade pela polícia, sua fama perdura como um Robin Hood local (um precursor romântico das guerrilhas urbanas), seu túmulo é adornado com centenas de placas metálicas que as pessoas penduram nas paredes para agradecê-lo por ajudar a atender suas preces.
O túmulo de Fabio Isaza. (Cortesia de Kurt Hollander) |
Para muitos, cemitérios cheios de pessoas mortas deitadas em seus túmulos são lugares assustadores dignos de filmes de terror. No Cemitério Central de Cúcuta, o horror é real, com esqueletos frequentemente desenterrados, retirados do cemitério para serem incinerados e depois devolvidos a covas não marcadas para ocultar sua identidade das autoridades.
O fato de centenas de pessoas assassinadas em e ao redor de Cúcuta terem sido clandestinamente introduzidas à noite pela entrada dos fundos reflete o alto nível de violência que assola a cidade há décadas, mas também a conivência dos governos local e regional com grupos paramilitares ilegais.
Desde 2019, houve mais de vinte massacres em Cúcuta, projetados para aterrorizar os habitantes, autoridades e rivais comerciais dentro da cidade. Quase todas as principais organizações criminosas da Colômbia, grupos paramilitares e facções guerrilheiras operam dentro de Cúcuta. Guerrilheiros e criminosos tendem a se concentrar nas colinas acima da cidade ou nos bairros mais pobres. Paramilitares e chefes do narcotráfico vivem em bairros ricos, enquanto seus pistoleiros residem em áreas de classe média.
Até a década de 1990, a violência entre guerrilheiros e tropas do exército assolava a periferia de Cúcuta. No início dos anos 1990, organizações paramilitares recém-formadas se espalharam por todo o país, expulsando grupos guerrilheiros dos territórios que controlavam, caçando e matando ex-guerrilheiros, seus simpatizantes e qualquer um que atrapalhasse seus negócios (que incluem tráfico de drogas, extorsão, sequestro e assassinato).
As praças principais e campos de futebol de muitas cidades nos arredores de Cúcuta se tornaram locais de execução e sepultamentos em massa, enquanto os rios locais foram convertidos em covas aquáticas. Em 2000, um grande grupo paramilitar operando na cidade matou vários trabalhadores de tijolos em uma cidade ao sul de Cúcuta e utilizou seus fornos para incinerar os corpos das vítimas. Dentro de Cúcuta, locais de tortura e execução foram estabelecidos em estacionamentos e em uma área abandonada do principal mercado da cidade, e muitas dessas execuções usaram o cemitério como principal local de despejo.
Ao dispor dos corpos de suas vítimas em covas coletivas não marcadas, os grupos militares e paramilitares conseguiram ocultar a realidade da violência na Colômbia da população em geral. Por décadas, graças à mídia oficial controlada pelo estado, as pessoas na Colômbia foram levadas a acreditar que guerrilheiros comunistas eram responsáveis pela maioria das mortes violentas no país.
Na verdade, de acordo com o Centro Nacional de Memória Histórica da Colômbia, a grande maioria das mais de duzentas mil pessoas mortas durante o conflito armado entre 1958 e 2012 (quando as FARC guerrilheiras negociaram um acordo de paz com o governo colombiano) foram assassinadas por esquadrões de morte paramilitares que faziam o trabalho sujo de proprietários ricos de terras, industriais e políticos ultradireitistas em coordenação com as Forças Armadas colombianas, e supervisionados, treinados e fornecidos com informações e armas pelo governo dos Estados Unidos.
O fato de centenas de pessoas assassinadas em e ao redor de Cúcuta terem sido clandestinamente introduzidas à noite pela entrada dos fundos reflete o alto nível de violência que assola a cidade há décadas, mas também a conivência dos governos local e regional com grupos paramilitares ilegais.
Desde 2019, houve mais de vinte massacres em Cúcuta, projetados para aterrorizar os habitantes, autoridades e rivais comerciais dentro da cidade. Quase todas as principais organizações criminosas da Colômbia, grupos paramilitares e facções guerrilheiras operam dentro de Cúcuta. Guerrilheiros e criminosos tendem a se concentrar nas colinas acima da cidade ou nos bairros mais pobres. Paramilitares e chefes do narcotráfico vivem em bairros ricos, enquanto seus pistoleiros residem em áreas de classe média.
Até a década de 1990, a violência entre guerrilheiros e tropas do exército assolava a periferia de Cúcuta. No início dos anos 1990, organizações paramilitares recém-formadas se espalharam por todo o país, expulsando grupos guerrilheiros dos territórios que controlavam, caçando e matando ex-guerrilheiros, seus simpatizantes e qualquer um que atrapalhasse seus negócios (que incluem tráfico de drogas, extorsão, sequestro e assassinato).
As praças principais e campos de futebol de muitas cidades nos arredores de Cúcuta se tornaram locais de execução e sepultamentos em massa, enquanto os rios locais foram convertidos em covas aquáticas. Em 2000, um grande grupo paramilitar operando na cidade matou vários trabalhadores de tijolos em uma cidade ao sul de Cúcuta e utilizou seus fornos para incinerar os corpos das vítimas. Dentro de Cúcuta, locais de tortura e execução foram estabelecidos em estacionamentos e em uma área abandonada do principal mercado da cidade, e muitas dessas execuções usaram o cemitério como principal local de despejo.
Ao dispor dos corpos de suas vítimas em covas coletivas não marcadas, os grupos militares e paramilitares conseguiram ocultar a realidade da violência na Colômbia da população em geral. Por décadas, graças à mídia oficial controlada pelo estado, as pessoas na Colômbia foram levadas a acreditar que guerrilheiros comunistas eram responsáveis pela maioria das mortes violentas no país.
Na verdade, de acordo com o Centro Nacional de Memória Histórica da Colômbia, a grande maioria das mais de duzentas mil pessoas mortas durante o conflito armado entre 1958 e 2012 (quando as FARC guerrilheiras negociaram um acordo de paz com o governo colombiano) foram assassinadas por esquadrões de morte paramilitares que faziam o trabalho sujo de proprietários ricos de terras, industriais e políticos ultradireitistas em coordenação com as Forças Armadas colombianas, e supervisionados, treinados e fornecidos com informações e armas pelo governo dos Estados Unidos.
Cruzes em memória dos assassinados e desaparecidos, com placas identificando seus números de microchip. (Cortesia de Kurt Hollander) |
A maioria dos guerrilheiros que o governo colombiano afirmou ter matado em batalhas em todo o país, na verdade, eram civis inocentes (camponeses, estudantes, jornalistas, professores, líderes comunitários e ativistas ambientais), em uma prática comum conhecida como “falsos positivos”. Estima-se que mais pessoas inocentes foram mortas na Colômbia pelo próprio governo do que em todas as guerras sujas no Chile, Argentina e Brasil combinadas. Para manter esse segredo sujo, milhares de corpos tiveram que ser escondidos ou desaparecidos.
A JEP, estabelecida em 2017, documenta os massacres mais atrozes cometidos na Colômbia, coletando testemunhos diretamente dos atores armados envolvidos. Milhares de guerrilheiros, combatentes paramilitares e oficiais militares que participaram desses eventos receberam sentenças reduzidas ou foram absolvidos de crimes anteriores em troca de informações.
Com esses depoimentos, os investigadores forenses da JEP estão reescrevendo a história do conflito armado na Colômbia, revelando muitos dos segredos mais sombrios que as autoridades tentaram enterrar. Como nas histórias clássicas de terror, esqueletos no armário tem uma maneira de voltar e assombrar seus assassinos.
Colaborador
Kurt Hollander é escritor, fotógrafo e autor de Várias Maneiras de Morrer na Cidade do México.
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