Paulo Pinheiro, Hanny Megally e Lynn Welchman
Louai Beshara / Agence France-Presse - Getty Images |
Tradução / A escala e ferocidade do conflito em Gaza e o sofrimento indescritível de seus civis provocaram, com razão, a indignação do mundo. Mas na Síria, uma escalada acentuada de violência que forçou a fuga de dezenas de milhares de pessoas, naquilo que continua sendo a maior crise de deslocamento do mundo, está ocorrendo amplamente sem ser notada fora da região.
A Síria também precisa desesperadamente de um fim para a violência. Mas, em vez disso, a guerra que já dura mais de 12 anos se torna mais intensa, agora em cinco frentes, num caleidoscópio de conflitos.
O governo sírio e as forças russas estão lutando contra grupos armados de oposição no noroeste; o ISIS está intensificando seus ataques em todo o país; a Turquia está atacando as forças lideradas pelos curdos no nordeste; as forças lideradas pelos curdos estão lutando contra as tribos locais; e os Estados Unidos e Israel estão revidando contra as forças ligadas ao Irã.
Com a região em turbulência, é imperativo um esforço internacional dedicado para conter os combates em solo sírio. Mais de uma década de derramamento de sangue precisa de um fim diplomático. Uma trégua duradoura em Gaza também acalmaria consideravelmente a situação na Síria, diminuindo as tensões entre as potências estrangeiras – incluindo Estados Unidos, Israel e Irã por meio de seus representantes – que atuam militarmente no país.
Em Homs, no oeste da Síria, um ataque de drones por agressores desconhecidos matou e feriu vários cadetes, familiares e outras pessoas numa cerimônia de formatura da academia militar em 5 de outubro. O exército sírio e as forças russas, que têm apoiado o presidente Bashar al-Assad, retaliaram atacando pelo menos 2.300 locais no noroeste controlado pela oposição, entre eles escolas, hospitais, mercados e acampamentos para sírios forçados a deixar suas casas. Cerca de 120.000 pessoas – muitas das quais já haviam sido deslocadas várias vezes, inclusive pelo grande terremoto de fevereiro passado – foram obrigadas a fugir, e pelo menos 500 civis foram feridos ou mortos apenas nos incidentes que nossa comissão acompanhou desde outubro.
As armas incluíam munições de fragmentação proibidas internacionalmente – dando continuidade aos padrões devastadores que nossa comissão documentou desde o início da guerra civil da Síria em 2011. No passado, essas revelações produziram uma indignação generalizada. A diferença agora? A atenção do mundo está em outro lugar.
O ISIS também está intensificando sua atividade mortal dentro da Síria, atacando alvos civis e militares, continuando a demonstrar sua capacidade operacional e ideologia extremista.
Enquanto isso, no nordeste do país, as forças turcas aceleraram suas operações contra as Forças Democráticas da Síria, um grupo de oposição que, segundo a Turquia, tem ligações com atividades terroristas em seu território. Esse grupo de oposição também tem lutado contra tribos locais em Deir al-Zour, a maior cidade do leste da Síria, num conflito alimentado por queixas de longa data de que a administração local liderada pelos curdos não está conseguindo fornecer serviços essenciais ou garantir direitos básicos. As mortes de civis que se seguiram ainda não foram contadas.
E o mais alarmante é que o aumento das tensões regionais decorrentes do ataque a Gaza levou a um aumento dos ataques em solo sírio por parte de Israel e das milícias iranianas. As bases dos EUA na Síria foram atacadas mais de 50 vezes pelas milícias desde outubro. Bem antes do ataque de 28 de janeiro na Jordânia, que matou três militares americanos, os Estados Unidos realizaram ataques de retaliação em instalações supostamente usadas por grupos ligados ao Irã, e as mortes na Jordânia levaram a uma nova onda de ataques americanos de retaliação na Síria, Iraque e Iêmen, criando temores de um conflito mais amplo. Enquanto isso, os ataques aéreos israelenses, ostensivamente direcionados aos recursos ligados ao Irã, colocaram repetidamente fora de operação os aeroportos civis da Síria, urgentemente necessários para a entrega de ajuda humanitária.
Em meio a tudo isso, os sírios enfrentam dificuldades crescentes e intoleráveis. Cerca de 17 milhões deles precisam de ajuda humanitária, como alimentos, água e assistência médica. No entanto, o fornecimento de ajuda está por um fio, dependente da arbitrariedade do governo sírio e prejudicado pelas sanções. Enquanto isso, uma grave escassez dos fundos dos doadores forçou o Programa Mundial de Alimentos da ONU a suspender a ajuda alimentar regular na Síria, colocando milhões de pessoas em situação de fome.
Uma das guerras civis mais brutais deste século ceifou mais de 300.000 vidas de civis na Síria nos últimos doze anos. Não é de se surpreender que o número de sírios que buscaram asilo na Europa em outubro tenha atingido o nível mais alto em sete anos.
Até o momento, quase todos os crimes de guerra e crimes contra a humanidade cobertos pelo Tribunal Penal Internacional foram cometidos na Síria: hospitais e profissionais de saúde como alvos deliberados, ataques diretos e indiscriminados contra civis (alguns envolvendo armas químicas) sob o pretexto de combater “terroristas”, execuções sumárias, tortura e desaparecimento forçado de dezenas de milhares de pessoas. Acrescente a isso o genocídio dos yazidis, em grande parte não reportado, durante o período de domínio do ISIS em partes da Síria.
A falta de respeito de longa data pelos direitos humanos internacionais fundamentais e pelo direito humanitário na Síria não apenas permite a morte e a mutilação de vítimas de todos os lados do conflito, mas também corrói a própria essência do sistema de proteção internacional. Estamos testemunhando esse desrespeito pela lei internacional numa lista crescente de conflitos – incluindo Ucrânia, Sudão e agora Gaza.
Os Estados membros devem agir com urgência para interromper essa tendência alarmante. Em novembro, a Corte Internacional de Justiça ordenou que a Síria interrompesse a tortura. Nos últimos anos, promotores diligentes na Europa condenaram mais de 50 autores de crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos na Síria. Esses esforços devem ser continuados, apoiados e expandidos para atrocidades cometidas não apenas na Síria, mas em todos os lugares.
Nesse meio tempo, as violações mais flagrantes podem acabar se os combates cessarem. Imploramos à comunidade internacional que não perca de vista a crise síria. Mais do que nunca, a Síria precisa de diplomatas corajosos, doadores ousados e promotores determinados. E, mais do que qualquer outra coisa, após quase 13 anos de conflito, ela precisa de um cessar-fogo em nível nacional agora.
A Síria também precisa desesperadamente de um fim para a violência. Mas, em vez disso, a guerra que já dura mais de 12 anos se torna mais intensa, agora em cinco frentes, num caleidoscópio de conflitos.
O governo sírio e as forças russas estão lutando contra grupos armados de oposição no noroeste; o ISIS está intensificando seus ataques em todo o país; a Turquia está atacando as forças lideradas pelos curdos no nordeste; as forças lideradas pelos curdos estão lutando contra as tribos locais; e os Estados Unidos e Israel estão revidando contra as forças ligadas ao Irã.
Com a região em turbulência, é imperativo um esforço internacional dedicado para conter os combates em solo sírio. Mais de uma década de derramamento de sangue precisa de um fim diplomático. Uma trégua duradoura em Gaza também acalmaria consideravelmente a situação na Síria, diminuindo as tensões entre as potências estrangeiras – incluindo Estados Unidos, Israel e Irã por meio de seus representantes – que atuam militarmente no país.
Em Homs, no oeste da Síria, um ataque de drones por agressores desconhecidos matou e feriu vários cadetes, familiares e outras pessoas numa cerimônia de formatura da academia militar em 5 de outubro. O exército sírio e as forças russas, que têm apoiado o presidente Bashar al-Assad, retaliaram atacando pelo menos 2.300 locais no noroeste controlado pela oposição, entre eles escolas, hospitais, mercados e acampamentos para sírios forçados a deixar suas casas. Cerca de 120.000 pessoas – muitas das quais já haviam sido deslocadas várias vezes, inclusive pelo grande terremoto de fevereiro passado – foram obrigadas a fugir, e pelo menos 500 civis foram feridos ou mortos apenas nos incidentes que nossa comissão acompanhou desde outubro.
As armas incluíam munições de fragmentação proibidas internacionalmente – dando continuidade aos padrões devastadores que nossa comissão documentou desde o início da guerra civil da Síria em 2011. No passado, essas revelações produziram uma indignação generalizada. A diferença agora? A atenção do mundo está em outro lugar.
O ISIS também está intensificando sua atividade mortal dentro da Síria, atacando alvos civis e militares, continuando a demonstrar sua capacidade operacional e ideologia extremista.
Enquanto isso, no nordeste do país, as forças turcas aceleraram suas operações contra as Forças Democráticas da Síria, um grupo de oposição que, segundo a Turquia, tem ligações com atividades terroristas em seu território. Esse grupo de oposição também tem lutado contra tribos locais em Deir al-Zour, a maior cidade do leste da Síria, num conflito alimentado por queixas de longa data de que a administração local liderada pelos curdos não está conseguindo fornecer serviços essenciais ou garantir direitos básicos. As mortes de civis que se seguiram ainda não foram contadas.
E o mais alarmante é que o aumento das tensões regionais decorrentes do ataque a Gaza levou a um aumento dos ataques em solo sírio por parte de Israel e das milícias iranianas. As bases dos EUA na Síria foram atacadas mais de 50 vezes pelas milícias desde outubro. Bem antes do ataque de 28 de janeiro na Jordânia, que matou três militares americanos, os Estados Unidos realizaram ataques de retaliação em instalações supostamente usadas por grupos ligados ao Irã, e as mortes na Jordânia levaram a uma nova onda de ataques americanos de retaliação na Síria, Iraque e Iêmen, criando temores de um conflito mais amplo. Enquanto isso, os ataques aéreos israelenses, ostensivamente direcionados aos recursos ligados ao Irã, colocaram repetidamente fora de operação os aeroportos civis da Síria, urgentemente necessários para a entrega de ajuda humanitária.
Em meio a tudo isso, os sírios enfrentam dificuldades crescentes e intoleráveis. Cerca de 17 milhões deles precisam de ajuda humanitária, como alimentos, água e assistência médica. No entanto, o fornecimento de ajuda está por um fio, dependente da arbitrariedade do governo sírio e prejudicado pelas sanções. Enquanto isso, uma grave escassez dos fundos dos doadores forçou o Programa Mundial de Alimentos da ONU a suspender a ajuda alimentar regular na Síria, colocando milhões de pessoas em situação de fome.
Uma das guerras civis mais brutais deste século ceifou mais de 300.000 vidas de civis na Síria nos últimos doze anos. Não é de se surpreender que o número de sírios que buscaram asilo na Europa em outubro tenha atingido o nível mais alto em sete anos.
Até o momento, quase todos os crimes de guerra e crimes contra a humanidade cobertos pelo Tribunal Penal Internacional foram cometidos na Síria: hospitais e profissionais de saúde como alvos deliberados, ataques diretos e indiscriminados contra civis (alguns envolvendo armas químicas) sob o pretexto de combater “terroristas”, execuções sumárias, tortura e desaparecimento forçado de dezenas de milhares de pessoas. Acrescente a isso o genocídio dos yazidis, em grande parte não reportado, durante o período de domínio do ISIS em partes da Síria.
A falta de respeito de longa data pelos direitos humanos internacionais fundamentais e pelo direito humanitário na Síria não apenas permite a morte e a mutilação de vítimas de todos os lados do conflito, mas também corrói a própria essência do sistema de proteção internacional. Estamos testemunhando esse desrespeito pela lei internacional numa lista crescente de conflitos – incluindo Ucrânia, Sudão e agora Gaza.
Os Estados membros devem agir com urgência para interromper essa tendência alarmante. Em novembro, a Corte Internacional de Justiça ordenou que a Síria interrompesse a tortura. Nos últimos anos, promotores diligentes na Europa condenaram mais de 50 autores de crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos na Síria. Esses esforços devem ser continuados, apoiados e expandidos para atrocidades cometidas não apenas na Síria, mas em todos os lugares.
Nesse meio tempo, as violações mais flagrantes podem acabar se os combates cessarem. Imploramos à comunidade internacional que não perca de vista a crise síria. Mais do que nunca, a Síria precisa de diplomatas corajosos, doadores ousados e promotores determinados. E, mais do que qualquer outra coisa, após quase 13 anos de conflito, ela precisa de um cessar-fogo em nível nacional agora.
Paulo Sérgio Pinheiro é o presidente da Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria. Hanny Megally e Lynn Welchman são membros da comissão.
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