Eleição na capital é teste para a musculatura antipetista apresentada na avenida
Igor Gielow
Se a multidão levada à avenida Paulista no domingo (25) de certa forma encarnou um epitáfio do poderio do bolsonarismo como forma de pressão de seu líder sobre as instituições, há sinais de uma movimentação social que deveria preocupar Lula (PT) e seu governo.
Jair Bolsonaro (PL) não ficou um centímetro mais distante das agruras judiciais que o esperam devido ao comportamento golpista por causa dos milhares que envergaram verde e amarelo. Seu tom amedrontado, deixando o serviço sujo para o pastor Silas Malafaia, confirma essa realidade.
Tarcísio de Freitas e Bolsonaro, ao lado de intérprete de Libras, no ato da Paulista - Bruno Santos - 25.fev.2024/Folhapress |
Assim, fica fácil para o governo tergiversar e a esquerda em geral repetir o erro usual de tachar a totalidade dos presentes ao evento pseudoreligioso de gado, fascista ou algo do gênero.
Claro, alguém com 25% de fiéis autodeclarados consegue a foto que quiser. E, se é evidente que os exemplos alegóricos estavam lá, as senhorinhas murmurando bizarrices sobre "Israel cristão", não havia na avenida apenas isso, ainda que não seja possível falar numa recuperação das franjas menos radicais como um todo.
Estava presente também um fastio de classe média muito conhecido daquelas paragens, a energia difusa de 2013 que canalizou-se em ódio antipetista ao governo de Dilma Rousseff (PT) em 2016, com os efeitos conhecidos para a esquerda —a começar pelo massacre eleitoral daquele ano, do qual ainda não se recuperou no nível municipal.
Parte disso está sequestrado sob o bolsonarismo. Mas outra tem vida própria, embasada no conservadorismo tradicional de São Paulo e num sentimento antipolítico que em 2016 tinha na Lava Jato seu altar de comunhão.
É ocioso lembrar que foi Bolsonaro que promoveu a missa fúnebre da operação que lhe deu palanque virtual, mas o que interessa aqui é o retrato político. O antipetismo, mais do que o bolsonarismo, mostrou sua musculatura no domingo, e a próxima estação desse trem é o pleito de outubro.
Não é casual a alegria dos estrategistas de Ricardo Nunes (MDB), o cinzento prefeito da cidade, que apoiou Bolsonaro sem dar muito a cara a tapa. Claro, é risco: se o ex-presidente for réu durante a campanha, sua relação com ele será mais um abacaxi para o alcaide descascar.
Neste ponto, contudo, o que se viu na avenida foi voto em potencial. Isso preocupa o time de Guilherme Boulos (PSOL), por evidente o alvo óbvio daquele pessoal todo quando a disputa de outubro começar para valer. É uma franja de eleitorado não acessível ao candidato de Lula na capital.
O presidente também tem sua parte na equação ao ter depositado suas fichas pessoalmente em Boulos, tratorando o PT municipal após fracassos consecutivos na cidade em que sempre foi o polo alternativo à centro-direita. Se é importante dissociar fatores locais do contexto nacional, e eleição paulistana sim é tratada como vital para os planos de 2026 de ambos os lados.
Se o pleito de 2022 mostrou o pêndulo paulistano migrando para a esquerda, como ocorre de forma cíclica, nada garante que isso será ratificado neste ano. A pecha de radical de Boulos é particularmente pesada nesse cálculo de classe média que não mora na Vila Madalena e locais correlatos.
Para Lula, que tenta surfar uma onda há muito espraiada de salvador da democracia por cortesia do 8 de janeiro, a insatisfação por ora vestida de bolsonarismo é um alerta que terá seu primeiro teste prático na disputa eleitoral de seu ungido em São Paulo.
Mas vai além disso. O clima de leniência geral instalado em Brasília, como qualquer empresário com acesso a contratos governamentais comenta, pode ser amplificado: até as recentes decisões polêmicas do Supremo entram nas avaliações colhidas em pesquisas qualitativas de partidos.
Não é casual, nesse sentido, a fidelidade de Tarcísio de Freitas (Republicanos) como herdeiro presumido de um Bolsonaro inelegível —ou, como o governador paulista deixou escapar, com o CPF na prática cancelado. É tudo posicionamento. Mas ele, diferentemente de Nunes, ainda tem tempo antes de colocar a tática à prova.
A sorte de Lula, no contexto, é de que não há uma Lava Jato para organizar essa energia, ora sob as asas do bolsonarismo. O sequestro também é tóxico dado o golpismo associado ao ex-presidente, embora seja duvidoso o grau de aceitação da realidade por parte dos manifestantes: a ojeriza a Lula e ao PT é maior do que qualquer relatório da PF.O petista fica livre para fazer o que sabe melhor: insistir na polarização, mantendo Bolsonaro como espantalho. O fla-flu, afinal, define a existência política atual de ambos os rivais. Mas, a depender de como o eleitorado se movimentar, a fórmula poderá se mostrar tão exausta quanto a de Bolsonaro de tentar intimidar o mundo político com fotos de multidões.
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