Stathis Kouvelakis e Costas Lapavitsas
O ex-ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis fala durante uma apresentação para as eleições parlamentares em Chania, Grécia, 30 de junho de 2019. (Nikolas Joao Kokovlis / SOPA Images / LightRocket via Getty Images) |
A trajetória política da Grécia desde 2010 tem sido altamente distinta - e em muitos aspectos paradoxal. Os vários governos do país incluíram partidos em quase todo o espectro político, desde o LAOS de extrema direita até o Syriza, supostamente de "esquerda radical". Apesar desta diversidade, os sucessivos governos têm implementado rigorosamente um mesmo conjunto de políticas, ditadas por três Memorandos de Entendimento (MoU) acordados com os credores do país e concebidos pela infame troika (a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu).
A única ruptura política que ocorreu foi exatamente o oposto da exigida pelas poderosas mobilizações populares que marcaram a primeira metade da década de 2010. O voto do povo grego no referendo de julho de 2015 dizendo “Não” aos planos de austeridade foi transformado em “Sim” pelo então governante menbro do Syriza. Em seguida, passou a consolidar o regime neoliberal que havia se comprometido a acabar.
Os resultados dessa rendição confirmaram as previsões daqueles que resistiram às políticas dos MoUs e ao declínio político do Syriza.
Apesar da recuperação limitada dos últimos dois anos, o PIB da Grécia está agora pelo menos 20% abaixo do nível pré-crise, uma perda que não será coberta por muitos anos. A dívida pública é enorme (quase 180% do PIB em 2022) e seu valor monetário continua crescendo. Os salários gregos são os quartos mais baixos da UE. A pobreza está bem enraizada em amplas camadas sociais. Os jovens são confrontados com a perspectiva de desemprego em massa, empregos precários e emigração. De acordo com os dados recentemente divulgados do censo de 2021, a população permanente do país caiu 3,5% em uma década e regiões inteiras estão sendo despovoadas (Macedônia Ocidental -10% e -7% no Peloponeso).
Após as amplas privatizações da última década e a criação de várias supostas “autoridades independentes” para administrar a economia da Grécia — na verdade, instituições diretamente monitoradas pela UE — o Estado grego perdeu ferramentas cruciais de formulação de políticas. As restrições do terceiro MoU, assinado pelo governo do Syriza de Alexis Tsipras em 2015, vão acorrentar o país até 2060. Mesmo que a Grécia chegue ao fim do prazo de severa supervisão formal imposta pelos MoUs, continua a exemplificar a condição de neoliberalismo avançado pós-democrático, em que as noções de soberania popular e nacional são desprovidas de qualquer significado.
Impasse político
O estado atual do sistema político grego é a melhor garantia para a continuação do declínio do país. A Nova Democracia de direita, liderada por Kyriakos Mitsotakis, está no poder desde 2019 e está promovendo uma agenda neoliberal e autoritária radical, consolidando ainda mais os resultados da terapia de choque da década anterior. O principal partido da oposição é o Syriza, que tenta retomar o poder com vagas promessas que deixariam as políticas existentes essencialmente intactas. E como as coisas poderiam ser diferentes, dado o histórico do próprio Syriza no governo?
O Partido Comunista Grego (KKE), embora ainda seja uma força militante significativa, infelizmente permanece preso na mesma rotina sectária que seguiu por anos, apesar de algumas tímidas aberturas no campo das lutas sociais. Este é um beco sem saída que leva o KKE a um tipo peculiar de passividade política e estagnação eleitoral, disfarçado por uma retórica radical.
O MeRA25, movimento criado por Yanis Varoufakis, tem apresentado considerável radicalização ideológica nos últimos anos. Mas, como explicaremos adiante, nada indica que essa força possa fornecer sozinha as respostas políticas necessárias.
Finalmente, a esquerda extraparlamentar está profundamente enfraquecida e parece incapaz de superar sua fragmentação crônica. Até agora, ela se mostrou incapaz de articular um discurso que pudesse atingir um público razoavelmente amplo.
Em suma, a perspectiva política da Grécia está longe de ser inspiradora no momento. O trauma da derrota histórica de 2015 não foi curado e sua superação exigirá muito esforço.
É certamente encorajador que nos últimos dois anos tenha havido um ressurgimento da resistência social, com algumas greves notáveis e lutas contra o autoritarismo e a repressão policial. Mas essas ações permanecem fragmentadas e defensivas. Além disso, a experiência histórica mostra que os movimentos sociais, embora vitais para a mudança social, não são capazes de oferecer uma alternativa abrangente ao país, especialmente depois de uma derrota histórica da magnitude que vimos na Grécia.
A intervenção política é necessária para quebrar o impasse.
Novo começo
Para ser crível, qualquer proposta política alternativa da esquerda precisa abordar todo o espectro de forças que resistem ao rumo adotado pelas elites do país na última década. Deve formular políticas que respondam aos problemas candentes da sociedade grega. O pântano enfrentado pelo país é tão profundo que somente amplas alianças sociais e políticas podem enfrentá-lo.
Para que tal proposta política tenha alguma esperança de sucesso, deve ter em seu cerne a convergência das forças da esquerda radical.
Agora, “esquerda radical” é um termo que, após a humilhante capitulação do Syriza em 2015, perdeu com razão o apelo que já teve. No entanto, a esquerda radical ainda se refere à ampla gama de atores políticos que não adia a derrubada do capitalismo grego para um futuro distante, mas busca alcançá-la nas condições de hoje. Este é precisamente o espaço de onde emergiram as forças políticas que ameaçaram o domínio da burguesia grega e desafiaram a participação do país na União Monetária Europeia durante a década de 2010. Por sua própria natureza, a esquerda radical inclui entidades e movimentos parlamentares e extraparlamentares. É pueril considerar o objetivo de alcançar a representação parlamentar uma falta de radicalismo político, como alguns parecem pensar na Grécia.
O primeiro passo, portanto, é reunir essas forças radicais, dando-lhes uma perspectiva estratégica e não meramente eleitoral. Tal movimento poderia rapidamente dar um novo impulso às lutas sociais e abrir caminho para uma mudança política mais ampla. O objetivo de longo prazo seria permitir que a esquerda radical atuasse como um catalisador para as alianças mais amplas de que a Grécia precisa desesperadamente para sair do pântano.
Para que tal esforço tenha resultados positivos, especialmente diante das prolongadas batalhas eleitorais que ocorrerão na Grécia nos próximos meses, é preciso discutir as dificuldades, divergências e questões que precisam ser esclarecidas. E as questões mais fundamentais têm a ver com a posição e o papel do MeRA25.
MeRA25
Aqueles que rejeitam o realismo míope da opção pelo “mal menor”, bem como o conforto do sectarismo, devem se concentrar no caminho seguido pelo MeRA25 nos últimos meses e no debate lançado pelas recentes intervenções de Varoufakis.
O MeRA25 conseguiu por pouco uma presença parlamentar em 2019, mas desde então mudou gradualmente para uma direção mais radical, esclarecendo aspectos cruciais de sua perspectiva política. O seu líder reconhece agora que a UE não pode ser reformada, pelo que é necessário romper com o seu quadro institucional, incluindo a união econômica e monetária. Varoufakis apoia a retirada da Grécia da OTAN e se opõe a qualquer envolvimento na guerra na Ucrânia. Além disso, ele proclamou um objetivo estratégico de alcançar a libertação das relações capitalistas e de todas as formas de opressão.
O MeRA25 combina essas posições com uma agenda apresentada por alguns dos movimentos globais mais significativos dos últimos anos: feminismo, ativismo LGBTQ+, ambientalismo, antirracismo e antifascismo e defesa dos direitos democráticos e das liberdades civis.
Esta combinação adquiriu uma certa coerência, conduzindo a uma reconfiguração gradual do perfil global e mesmo da composição interna do MeRA25, aproximando-o da esquerda radical. Esta é uma indicação significativa de que estamos, de fato, lidando com uma “transformação e radicalização” do MeRA25, como diz seu líder.
As questões a serem esclarecidas permanecem importantes, no entanto. Estas não dizem tanto respeito às origens do MeRA25, ou seja, se ele surgiu do núcleo histórico da esquerda, como parece pensar Varoufakis. Em vez disso, o principal problema parece ser a concepção de política defendida pelo MeRA25, com a estrutura organizacional específica e a prática política que dela decorre.
Esta concepção, para resumir, tende a reduzir a política a um exercício de comunicação, centrado na atividade do seu dirigente, complementado pela energia do seu grupo parlamentar.
O que distingue o MeRA25 da esquerda radical reside precisamente na ausência de uma presença social organizada e de uma intervenção política sistemática em campos de importância estratégica para os trabalhadores e grupos oprimidos de toda a sociedade. Suas atividades não visam estrategicamente ações sindicais, mobilizações populares, fermento em universidades e comunidades locais — ou seja, os locais onde se formam resistências sociais e se travam batalhas sociais.
Essa relativa ausência inibe a necessária convergência do MeRA25 com a esquerda radical. Mas a ausência poderia potencialmente funcionar de maneira inversa. Se houver vontade política de unidade, a união pode ser o estopim para a criação de um novo polo político dinâmico ancorado nas lutas sociais. Tal pólo poderia subverter toda a estrutura política na Grécia.
Modelo Mélenchon?
Tal convergência da esquerda radical requer claramente uma base programática séria, um “programa comum de ruptura”, como diz Varoufakis. Curiosamente, porém, ele nega qualquer referência positiva à aliança de esquerda liderada por Jean-Luc Mélenchon na França (a Nouvelle Union Populaire Social et Écologique, ou NUPES). Varoufakis rebaixa essa experiência a um movimento tático inteligente para privar Emmanuel Macron de sua maioria parlamentar. Mas na verdade as coisas são muito mais complexas.
O primeiro turno da recente eleição presidencial na França mostrou que a France Insoumise de Mélenchon era a força líder na esquerda mais ampla por uma margem muito ampla. Os outros partidos de esquerda não tiveram escolha a não ser participar de uma chapa comum com base no programa amplamente aclamado de Mélenchon.
Depois de árduas negociações, chegou-se a uma proposta abrangente que visava romper todo o quadro neoliberal criado pelas presidências de François Hollande e Emmanuel Macron. A proposta menciona explicitamente a desobediência à UE quando necessário.
É claro que houve pontos significativos de desacordo registrados pelos socialistas e pelos verdes. Mas no final prevaleceu o forte desejo de unidade entre a base popular da esquerda. Há um sentimento generalizado de que a gestão neoliberal da sociedade francesa está irrevogavelmente falida e é necessária uma nova intervenção da esquerda.
O NUPES pode não ter formado um único grupo parlamentar, como propôs Mélenchon, mas tem um órgão interpartidário comum que se reúne semanalmente e apresenta propostas comuns em todas as questões-chave (exceto política externa). Este é um dos poucos sucessos da esquerda em toda a Europa nos últimos anos.
A experiência francesa mostra que uma proposta de unidade de esquerda visando a maioria na sociedade poderia tornar-se crível se assentasse na posição hegemônica de sua ala radical, aliada a uma elaboração programática adequada e sustentada na experiência de atuação conjunta em movimentos sociais e em instituições “intermediárias” como o governo local. Se essas condições fossem satisfeitas, a exigência de agir tanto “a partir de cima” como “a partir de baixo” iria de mãos dadas, criando assim as necessárias posições de força na sociedade.
A esquerda radical grega ainda está longe de chegar a esse ponto. Mas o objetivo imediato é mais limitado. O que está em jogo agora é uma aliança de forças que abrangem um espectro mais estreito e têm um peso eleitoral menor do que na França, mas ainda visam formar um pólo radical hegemônico. Este passo é essencial para evitar que o eleitorado de esquerda caia no dilema do “mal menor”, que, como a experiência recente tem mostrado, é o caminho mais seguro para males ainda maiores.
Por outro lado, a proximidade das posições programáticas entre as forças potenciais da esquerda grega é claramente maior do que a da esquerda francesa. Um acordo sobre um quadro programático é viável, especialmente para formar um programa eleitoral. Os 7+1 pontos do MeRA25 sobre as questões candentes do momento, ou seja, sobre o atendimento das demandas populares imediatas, fornecem um início relevante. Uma convergência programática mais estratégica em torno de um programa de transição, promovendo uma direção anticapitalista para a Grécia, seria o próximo passo imediato.
As diferenças na prática política e a falta de uma intervenção compartilhada nas lutas sociais criam dificuldades reais para as organizações que possam estar envolvidas. Mas estes não são intransponíveis. Os próximos dias são sombrios para os trabalhadores da Grécia e para as gerações mais jovens. O mínimo que a esquerda poderia fazer seria criar as condições para um recomeço – valendo-se da experiência passada, mas olhando para o futuro.
Colaboradores
Stathis Kouvelakis ensina teoria política no King's College London. Anteriormente, ele serviu no comitê central do Syriza.
Costas Lapavitsas é professor de economia na SOAS, atualmente na New School for Social Research, e ex-membro do Parlamento grego.
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