13 de janeiro de 2023

A nova resistência popular na América Latina

As revoltas populares contiveram a restauração conservadora, recriaram cenários progressistas e enfrentam a contraofensiva redobrada da direita. Tiveram efeitos eleitorais imediatos e provocaram a saída precipitada de presidentes de direita na Bolívia, Chile, Peru, Honduras e Colômbia.

Claudio Katz

Jacobin

Protestos contra a destituição do presidente peruano Pedro Castillo na cidade de Huancayo (Wikimedia Commons)

Tradução / A América Latina permanece como uma área convulsionada por rebeliões populares e processos políticos transformadores. Em diferentes cantos da região, a mesma tendência de revoltas renovadas que marcaram o início do novo milênio pode ser observada. Estes levantes abrandaram-se durante a última década e recuperaram intensidade nos últimos anos.

A pandemia interrompeu de forma limitada essa escalada de mobilizações, que neutralizaram a restauração conservadora e de curta duração de 2014-2019. Este período de golpismo renovado não conseguiu desativar o protagonismo dos movimentos populares. A rebelião de 2019 no Equador inaugurou a fase atual de protestos, que repetiu o padrão tradicional de irradiações. Bolívia, Chile, Colômbia, Peru e Haiti foram os principais centros de confrontação recente.

Os efeitos políticos desta nova onda são muito variados. Ela alterou o mapa geral dos governos, recriando a centralidade do progressismo. Esta vertente tem predominado na maior parte da geografia da região. No início de 2023, os líderes progressistas prevalecem em países que reúnem 80% da população latino-americana.

Este cenário também facilitou a continuidade dos governos acossados pelo imperialismo americano. Após inúmeras investidas, os presidentes diabolizados de Cuba, Venezuela e Nicarágua permanecem em seus cargos.

O ciclo de golpes militares e institucionais patrocinados por Washington em Honduras (2009), Paraguai (2012), Brasil (2016) e Bolívia (2019) também foi parcialmente neutralizado. O recente golpe no Peru (2023) enfrenta uma oposição heroica nas ruas. Esta rebeldia obstruiu, até agora, a intervenção disfarçada dos marines em países devastados, como o Haiti. A mesma luta popular conferiu duras derrotas às tentativas de agressão dos governos neoliberais reciclados do Equador e do Panamá.

Mas essa grande intervenção a partir de baixo provoca uma reação mais virulenta e programada das classes dirigentes. Os setores enriquecidos processaram a experiência anterior e demonstram menos tolerância a qualquer questionamento de seus privilégios. Articularam uma contraofensiva de extrema-direita para subjugar o movimento popular. Aspiram a retomar com maior violência a restauração conservadora fracassada da última década. Este cenário complexo exige uma avaliação das forças em disputa.

Revoltas com efeito eleitoral

Várias revoltas dos últimos três anos tiveram tradução eleitoral imediata. Novos líderes da Bolívia, Peru, Chile, Honduras e Colômbia emergiram de grandes revoltas que impuseram mudanças de governo. As manifestações forçaram eleições que resultaram em vitórias para os candidatos progressistas contra seus adversários de extrema direita.

Esta sequência ocorreu primeiro na Bolívia. A revolta confrontou com êxito os militares e derrubou a ditadura. Añez jogou a toalha quando perdeu seus últimos aliados e os setores médios que inicialmente apoiaram sua aventura. A gestão corrupta da pandemia aumentou este isolamento e diluiu a continuidade civil tentada pelos candidatos de centro-direita. A rebelião a partir de baixo impôs o retorno do MAS ao governo e vários dos responsáveis pelo golpe foram julgados e encarcerados. A conspiração continuou no bastião de Santa Cruz e atualmente é decidido se vai persistir ou se será esmagada por uma contundente reação oficial.

Uma dinâmica semelhante teve lugar no Chile, como resultado da grande revolta popular que enterrou o governo Piñera. A faísca dessa batalha foi o custo do transporte, mas a rejeição dessa despesa de 30 pesos levou a um protesto imponente contra 30 anos do legado de Pinochet. Essa torrente levou a duas vitórias eleitorais que precederam o triunfo de Boric sobre Kast. O grande aumento da participação eleitoral com palavras de ordem antifascistas nos bairros populares tornou este feito possível no país mais emblemático do neoliberalismo regional.

Devido a essa centralidade do Chile como símbolo do thatcherismo, a eleição de um presidente progressista, no âmbito da Assembleia Constituinte com grande presença popular nas ruas, despertou enormes expectativas.

Uma sequência mais vertiginosa e inesperada ocorreu no Peru. A insatisfação popular com os presidentes de direita veio à tona em protestos espontâneos protagonizados por jovens privados de seus direitos. Esta revolta sucedeu a tragédia sanitária da pandemia, que exacerbou a incompetência da burocracia governante.

Pedro Castillo tornou-se o destinatário do descontentamento popular e o fujimorismo foi incapaz de impedir sua chegada à Casa de Governo. O discurso redistributivo do professor sindicalista criou a expectativa de que ele poria um fim à sucessão paralisante de governos conservadores.

Na Colômbia, a rebelião em massa forçou o establishment a renunciar pela primeira vez a seu controle direto da presidência. Vários milhões de pessoas participaram de enormes manifestações. As greves em massa depararam-se com uma repressão feroz e conseguiram derrubar uma reforma regressiva da saúde. Tal como no Chile, espalharam-se posteriormente para expressar o enorme mal-estar acumulado ao longo de décadas de neoliberalismo.

Este incômodo traduziu-se na derrota eleitoral do uribismo e do improvisado extremista de direita que tentou impedir a vitória de Petro. Com este triunfo, um líder de centro-esquerda tornou-se presidente, superando o terrível destino do assassinato sofrido pelos seus antecessores. É acompanhado por uma afro-descendente representante dos setores mais oprimidos da população.

A vitória de Xiomara Castro em Honduras foi no mesmo sentido. Sua vitória recompensou a luta sustentada contra o golpe que o embaixador estadunidense patrocinou em 2009. Esse golpe deu início ao longo ciclo latino-americano de lawfare e golpes judiciais parlamentares.

Os 15 pontos de vantagem obtidos por Xiomara sobre seu oponente neutralizaram as tentativas de fraude e anulação. Num contexto dramático de pobreza, narcotráfico e criminalidade, a heróica luta popular conduziu à primeira presidência feminina. Xiomara iniciou sua administração revogando as leis sobre a gestão secreta do Estado e a entrega de zonas especiais a investidores estrangeiros. Mas deve enfrentar a presença sufocante de uma grande base militar estadunidense (Palmerola) e de uma embaixatriz de Washington que intervém com toda naturalidade nos debates internos sobre os assentamentos de camponeses e as leis de reforma do sistema elétrico.

Vitórias de outro tipo

Em outros países, a ascensão de líderes progressistas não foi um resultado direto dos protestos populares. Mas tal resistência funcionou como um pano de fundo do descontentamento social e a incapacidade dos grupos dominantes de renovar a primazia de seus candidatos.

O México foi o primeiro caso desta modalidade. López Obrador tornou-se presidente em 2018, numa dura confrontação com as castas do PRI e do PAN apoiadas pelos principais grupos econômicos. AMLO aproveitou o desgaste das administrações anteriores, a divisão das elites e a obsolescência da continuidade através da fraude. Mas agiu num contexto de menor impacto das mobilizações precedentes dos professores e dos eletricistas.

Os sindicatos foram muito afetados no México pela reorganização da indústria e não foram um fator determinante na mudança política em curso. AMLO mantém uma relação ambígua com seu ponto de referência histórico cardenista, mas inaugurou uma administração distante de seus antecessores neoliberais.

Também na Argentina, a chegada de Fernández (2019) não foi um resultado imediato da ação popular. Não reproduziu a ascensão de Néstor Kirchner (2003) à Casa Rosada, no meio de uma rebelião generalizada. Anteriormente, o direitista Macri sofreu um revés contundente nas ruas, quando tentou introduzir uma reforma das aposentadorias (2017). Mas não enfrentou a revolta geral periódica que sacode a Argentina.

O principal movimento de trabalhadores do continente está localizado nesse país. Sua disposição de lutar tem sido muito visível nas 40 greves gerais realizadas desde o fim da ditadura (1983). A sindicalização está no topo das médias internacionais e está ligada à impressionante organização dos piqueteros (desempregados e trabalhadores informais). A luta destes movimentos permitiu sustentar os auxílios sociais do Estado, que as classes dominantes concederam sob o grande receio de uma revolta. As novas formas de resistência – ligadas à belicosidade anterior da classe operária – facilitaram o retorno do progressismo ao governo.

Nos últimos três anos, a decepção gerada pelo fracasso de Fernández em cumprir suas promessas suscitou grande rejeição, mas com protestos limitados. Houve vitórias importantes de muitos sindicatos, concessões frequentes do governo e manifestações, mas a ação do movimento popular foi contida.

No Brasil, a vitória de Lula foi um feito extraordinário, num quadro de relações sociais de força desfavorável aos setores populares. Desde o golpe institucional contra Dilma, o domínio das ruas foi capturado por setores conservadores que ungiram Bolsonaro. Os sindicatos de trabalhadores perderam seu protagonismo, os movimentos sociais foram hostilizados e os militantes de esquerda adotaram atitudes defensivas.

A libertação de Lula incentivou o recomeço da ação popular. Mas este impulso não foi suficiente para reverter a adversidade do contexto, o que permitiu a Jair Bolsonaro conservar uma significativa massa de eleitores. O PT retomou a mobilização durante a campanha eleitoral (especialmente no Nordeste) e revitalizou suas forças durante as celebrações da vitória.

Num cenário de grande divisão dos grupos dominantes, cansaço com os rompantes do ex-capitão e a liderança agregadora de Lula, a derrota de Jair Bolsonaro criou um cenário de potencial recuperação da luta popular. O receio deste recrudescimento levou o alto comando militar a vetar a contestação do resultado das urnas que o bolsonarismo promovia.

Mas a batalha contra a extrema direita apenas começou e para derrotar este grande inimigo é imperativo reconquistar a confiança dos trabalhadores. Esta credibilidade foi corroída pela desilusão com o modelo de pactos com o grande capital que o PT desenvolveu em suas administrações anteriores. Agora surge uma nova oportunidade.

Três batalhas relevantes

Outras situações de enorme resistência popular na região não resultaram em vitórias eleitorais progressistas, mas em grandes derrotas para os governos neoliberais.

No Equador, a primeira vitória desse tipo foi registrada contra o presidente Lasso, que tentou retomar as privatizações e a desregulamentação laboral, juntamente com um plano de aumentos tarifários e de alimentos ditados pelo FMI. Este atropelo precipitou a confrontação com o movimento indígena e sua nova liderança radical, que realiza um contundente programa de defesa da renda popular.

Em meados de 2022, este confronto recriou a batalha travada em outubro de 2019, contra a agressão lançada por Lenin Moreno para aumentar os preços dos combustíveis. O conflito terminou com os mesmos resultados que a luta anterior e com uma nova vitória para o movimento popular. A gigantesca mobilização da CONAIE entrou em Quito num clima de grande solidariedade, que neutralizou a chuva de gás lacrimogêneo desencadeada pelos policiais.

Em 18 dias de greve, o experiente movimento indígena derrotou a provocação do governo impondo a libertação do líder Leónidas Iza. A CONAIE também conquistou a revogação do estado de exceção e a aceitação de suas principais exigências (congelamento dos preços dos combustíveis, auxílios emergenciais, subsídios para os pequenos produtores). O governo ficou sem munição quando seu discurso insultuoso contra os indígenas perdeu credibilidade. Teve que ceder a um movimento que, mais uma vez, demonstrou grande capacidade para paralisar o país e neutralizar os ataques contra as conquistas sociais.

Outra vitória de igual importância foi alcançada no Panamá em meados do ano passado, quando os sindicatos de professores se uniram aos trabalhadores dos transportes e aos produtores agropecuários para rejeitar o aumento oficial dos preços da gasolina, dos alimentos e dos remédios. A unidade forjada para desenvolver essa resistência levou a comunidade indígena a um movimento de protesto que paralisou o país durante três semanas. As manifestações foram as maiores em décadas.

Esta reação social pôs de joelhos um governo neoliberal e forçou-o a recuar em seus planos de austeridade. O presidente Carrizo não conseguiu satisfazer as câmaras empresariais que exigiam maior dureza contra os manifestantes. Esta vitória foi particularmente significativa num istmo que teve um enorme crescimento nas últimas duas décadas, aproveitando os lucros gerados pela administração do Canal para os grupos dominantes. A desigualdade é espantosa, num país onde os 10% das famílias mais ricas contam com uma renda 37,3 vezes superior aos 10% dos mais pobres.

A invasão estadounidense em 1989 instalou um esquema neoliberal que complementa essa assimetria com níveis escandalosos de corrupção. Só a evasão fiscal, é equivalente à totalidade da dívida pública. A vitória nas ruas representou uma grande derrota para o modelo que as elites da América Central apresentam como o caminho a seguir por todos os países pequenos.

O terceiro caso de uma extraordinária resistência popular sem consequências eleitorais pode ser visto no Haiti. As mobilizações gigantescas voltaram a ocupar um lugar central em 2022. Enfrentaram as políticas de pilhagem econômica implementadas por um regime conduzido a partir dos escritórios do FMI. Esse organismo proporcionou o aumento dos preços dos combustíveis, o que desencadeou os protestos num país ainda dilacerado pelo terremoto, o êxodo rural e a aglomeração urbana.

As manifestações desenvolvem-se num vácuo político absoluto. Não se realizam eleições há seis anos, numa administração que dispensa o poder judicial e o legislativo. O presidente em exercício sobrevive pelo simples apoio das embaixadas dos Estados Unidos, Canadá e França.

O desgoverno atual prolonga-se pela indecisão de Washington em consumar uma nova ocupação. Estas intervenções sob o disfarce da ONU, OEA e MINUSTAH foram recriadas repetidas vezes ao longo dos últimos 18 anos com resultados desastrosos. Os servos locais dessas invasões apelam ao retorno de tropas estrangeiras, mas a inutilidade destas missões salta aos olhos.

Esta modalidade de controle imperial foi de fato substituída pela propagação generalizada de grupos paramilitares que aterrorizam a população. Agem em estreita cumplicidade com as máfias empresariais (ou governamentais) que competem pelos restos em disputa, utilizando as 500.000 armas ilegais fornecidas por seus cúmplices da Florida. O assassinato do presidente Moïse foi apenas um exemplo das consequências desastrosas que geram as gangues controladas por diferentes grupos de poder.

Estas organizações também tentaram infiltrar-se em movimentos de protesto a fim de desmantelar a resistência popular. Semeiam o terror, mas não conseguiram confinar a população às suas casas. Também não conseguiram aumentar as expectativas de outra intervenção militar estrangeira. A rebelião continua, enquanto a oposição procura formas de criar uma alternativa que supere a tragédia atual.

Abordagens centradas na resistência

A sequência de resistências nos últimos três anos confirma a persistência na América Latina de um contexto prolongado de lutas, sujeito ao padrão habitual de ascensões e refluxos. Os sucessos e contratempos são limitados. Não há triunfos de importância histórica, mas também não há derrotas como as sofridas durante as ditaduras dos anos 1970.

Esta etapa pode ser caracterizada por diferentes denominações. Alguns analistas observam um longo ciclo de contestação do neoliberalismo, e outros destacam a preeminência de ações de resistência popular que determinam os ciclos progressistas.

Estas abordagens hierarquizam corretamente o papel da luta e a consequente centralidade dos sujeitos populares. Oferecem perspectivas que ultrapassam a frequente desconsideração dos processos que se desdobram a partir de baixo. Neste segundo tipo de visão, predomina um grande desconhecimento da luta social e uma indagação enviesada dos cursos geopolíticos vindos de cima. Em particular, estudam como os conflitos são resolvidos no campo exclusivo dos poderes, governos ou classes dominantes.

Esta última visão tende a prevalecer nas caracterizações dos ciclos progressistas como processos que são meramente contrapostos ao neoliberalismo. Ressaltam-se seu impacto político democratizador, seus rumos econômicos heterodoxos ou sua autonomia em relação à dominação estadunidense.

Mas com esta abordagem são avaliadas as diferentes posições dos grupos dominantes, sem registar as conexões destas estratégias com políticas de controle ou subjugação das maiorias populares. Omitem este dado chave, porque não valorizam a centralidade da luta popular na determinação do atual contexto latino-americano.

Esta distorção é mais visível no uso enviesado de categorias inspiradas pelo pensamento de Gramsci. Estas noções são tomadas para avaliar como as classes capitalistas conseguem administrar, articulando consenso, dominação e hegemonia. Mas se esquece que esta cartografia do poder constituía para o comunista italiano um elemento complementar em sua avaliação da resistência popular. Esta rebeldia era o pilar de sua estratégia de conquista do poder pelos oprimidos, a fim de construir o socialismo.

Uma aplicação atualizada desta última abordagem à América Latina exige que se dê prioridade à análise das lutas populares. As modalidades utilizadas pelos poderosos para ampliar, preservar ou legitimar sua dominação enriquecem mas não substituem esta avaliação.

Comparações com outras regiões

Ao indagar a resistência dos oprimidos, as singularidades latino-americanas destas lutas são percebidas. Nos últimos anos, a ação popular tem mostrado semelhanças e diferenças com outras regiões.

Em 2019, houve uma forte tendência em várias partes do mundo para uma nova onda de protestos liderados pela juventude indignada na França, Argélia, Egito, Equador, Chile e Líbano. A pandemia interrompeu abruptamente este avanço, gerando um período de dois anos de medo e isolamento. Este refluxo, por sua vez, foi acentuado pela centralidade do negacionismo de direita que contestava a proteção sanitária. Neste contexto, a dificuldade de articular um movimento global em defesa da saúde pública, centrado na eliminação das patentes de vacinas, veio à tona.

Uma vez terminado este dramático período de confinamento, os protestos tendem a reaparecer, despertando os receios do establishment, que alerta para a proximidade de rebeliões pós-pandêmicas. Em particular, temem a indignação gerada pelos elevados preços dos combustíveis e dos alimentos. Esta dinâmica de resistência já inclui um ressurgimento significativo de greves na Europa e de sindicalização nos Estados Unidos, mas o protagonismo da América Latina continua sendo um fato relevante.

Por toda a parte, os sujeitos desta batalha reúnem uma grande diversidade de atores, com o jovem trabalhador precarizado desempenhando um papel significativo. Este segmento sofre um grau de exploração superior ao dos assalariados formais. Sofrem de insegurança no emprego, falta de benefícios sociais e as consequências da flexibilização do trabalho.

Por estas razões, é particularmente ativo nas lutas na rua. Foi privado das arenas tradicionais de negociação e enfrenta uma contraparte dos empregadores muito difusa. Em diferentes países, é pressionado a impor suas exigências através do Estado.

Migrantes, minorias étnicas, estudantes endividados são atores frequentes nestas batalhas nas economias centrais, e a massa de trabalhadores informais ocupa uma centralidade semelhante nos países periféricos. Este último segmento não faz parte do proletariado tradicional da fábrica, mas faz parte (em termos mais amplos) da classe trabalhadora e da população que vive de seu próprio trabalho.

Os piqueteros argentinos são uma variedade deste segmento, que forjou sua identidade indo às ruas, face à perda de trabalho nos lugares que centralizavam suas exigências. Esta batalha deu origem a movimentos sociais e a diferentes variedades da economia popular. Um papel igualmente importante foi desempenhado pelos setores camponeses que criaram o MAS na Bolívia e as comunidades indígenas que deram origem à CONAIE no Equador.

Os vínculos destes movimentos de luta da América Latina com seus pares em outras partes do mundo perderam visibilidade devido à deterioração dos organismos internacionais de coordenação. A última grande tentativa de tal conexão foi o Fórum Social Mundial, organizado na década passada pelo movimento altermundialista. As Cúpulas dos Povos como alternativa às reuniões de governos, banqueiros e diplomatas perderam seu impacto. A batalha contra a globalização neoliberal já não tem essa centralidade e foi substituída por agendas populares mais nacionais.

Persistem certamente dois movimentos globais de grande dinamismo: o feminismo e o ambientalismo. O primeiro conseguiu êxitos muito significativos e o segundo reaparece periodicamente com auges inesperados de mobilização. Mas o âmbito comum de campanhas globais proporcionado pelos Fóruns Sociais não encontrou um substituto equivalente.

Há muitas razões para a grande vitalidade dos movimentos de luta na América Latina. Mas tem sido muito importante seu perfil político progressista, muito afastado do chauvinismo e do fundamentalismo religioso. A região tem conseguido conter as tendências reacionárias patrocinadas pelo imperialismo para gerar confrontos entre povos ou guerras entre nações oprimidas.

O Pentágono não encontrou uma forma de induzir na América Latina os conflitos sangrentos que conseguiu desencadear na África e no Oriente. Também não foi capaz de instalar um apêndice como Israel para perpetuar estes massacres ou convalidar o terror duradouro dos jihadistas.

Washington tem sido o promotor invariável de tais monstruosidades, numa tentativa de sustentar sua liderança imperial. Mas nenhuma destas aberrações prosperou até agora no Patio Trasero devido à centralidade mantida pelas organizações de luta popular.

Por este motivo, a América Latina persiste como uma referência para outras experiências internacionais. Muitas organizações da esquerda europeia procuram, por exemplo, replicar a estratégia de unidade ou os projetos de redistribuição desenvolvidos na região.

Colaborador

Economista, pesquisador do CONICET, professor da Universidade de Buenos Aires e membro do EdI (Economistas de Esquerda). O site dele é www.lahaine.org/katz.

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