Branko Marcetic
Jacobin
O ex-presidente da Assembleia Nacional venezuelana e líder da oposição, Juan Guaidó, fala durante coletiva de imprensa em Caracas, em 14 de junho de 2022. (Federico Parra /AFP via Getty Images) |
Tradução / É oficial: Juan Guaidó já não é o presidente da Venezuela.
Evidentemente, ele nunca foi o presidente. Desde 2019, quando Guaidó usou sua posição como líder da oposição no Congresso para se declarar presidente de um governo “interino” que nunca foi a real administração, observadores se divertem muito compartilhando memes do homem anunciando que ele era tudo, até mesmo o novo monarca do Reino Unido. Mas, a partir dessa semana, Guaidó não pode mais nem mesmo usar o título de presidente fictício.
A Assembleia Nacional da Venezuela teve 72 votos a favor e 29 contrários na segunda-feira para tirar Guaidó de sua presidência inexistente e dissolver seu governo interino após quase quatro anos, com a oposição finalmente concluindo que sua estratégia havia fracassado. O “governo” de Guaidó deveria ter intervindo e organizado novas eleições depois que o presidente Nicolás Maduro foi destituído em um golpe de Estado apoiado pelos EUA, mas nada disso aconteceu.
Em vez disso, com a oposição falhando em colocar os militares do seu lado e com os esforços de mudança de regime marcados pelo tipo de incompetência que normalmente se vê em um filme da Academia de Polícia. Guaidó ficou em cima do muro, lutando para organizar novos protestos do tamanho daqueles de 2019 e ocasionalmente lembrando ao mundo que ele ainda existia — como quando ele endossou o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro nas eleições brasileiras deste ano.
Parecendo ter crescido na mesma travessa política que Barack Obama ou Emmanuel Macron, Guaidó deveria dar um rosto suave e liberal aos esforços de Mike Pompeo e Elliott Abrams para derrubar Maduro e substituí-lo por um governo flexível e favorável aos negócios. Mas como demonstra o seu apoio por Bolsonaro, Guaidó estava longe de ser o cruzado anódino pela democracia e anticorrupção, e grande parte da imprensa o retratava como tal.
Na realidade, parece que Guaidó estava sendo usado pelo líder de oposição, Leopoldo López, descrito pelo Departamento de Estado dos EUA como um “arrogante, vingativo e faminto por poder”. Ele também foi um dos líderes na fracassada tentativa de golpe de Estado contra Hugo Chávez em 2002. Segundo a Associated Press, López e seu fiel seguidor conversaram mais de seis vezes por dia e coordenaram de perto cada um dos movimentos e discursos de Guaidó.
Não ajudou que o “governo provisório” de Guaidó — que recebeu da administração de Donald Trump o controle de alguns bens públicos aprendidos pelos EUA — tenha sido manchado por um escândalo de corrupção. Além disso, também não ajudou que o próprio “presidente” tenha recebido manchetes negativas após ser fotografado abraçando um paramilitar colombiano de tráfico de drogas.
O termino do mandato de 5 anos dos parlamentares de oposição em janeiro de 2021 e seu boicote às eleições legislativas minaram ainda mais a pretensão de legitimidade de seu governo, que era a única coisa a seu favor. Quando Guaidó começou um novo ano como “presidente interino” em 2022, ele era tinha tanta reivindicação popular para a presidência venezuelana quanto eu ou você.
No final, Maduro agarrou-se ao poder graças ao apoio chave de seus militares e ao apoio da Turquia, da China e da Rússia. O que realmente selou o destino de Guaidó foi a guerra na Ucrânia, com os choques energéticos resultantes levando a administração de Joe Biden e a Europa a suavizar a oposição a Maduro, forçando-os por necessidade a lidar com seu governo e as consideráveis reservas de petróleo que a Venezuela controla.
A adaga simbólica no coração da legitimidade de Guaidó pode muito bem ter acontecido na cúpula da COP27, em novembro de 2022 no Egito, onde Maduro teve várias interações amigáveis com o representante climático americano John Kerry e líderes europeus como o presidente francês Emmanuel Macron, que o chamou de “presidente”.
A Venezuela ainda tem sérios desafios pela frente, incluindo a corrupção e a repressão em massa que marcaram a liderança de Maduro. Além disso, há a questão do que acontecerá com os bens confiscados concedidos ao agora dissolvido “governo” da oposição, e a crise política mais ampla que trouxe Guaidó à proeminência em primeiro lugar.
O esforço apoiado pelos EUA para derrubar o governo da Venezuela e substituí-lo por uma marionete de direita amigável foi, no mínimo, uma forma inapropriada e destrutiva de tentar aliviar o sofrimento do povo venezuelano — parte considerável dele resulta de sanções brutais e desnecessárias que o governo americano poderia encerrar a qualquer momento.
A Venezuela tem noventa e nove problemas, mas pelo menos Juan Guaidó não é mais um.
Colaborador
Branko Marcetic é redator da Jacobin e autor de Yesterday's Man: The Case Against Joe Biden. Ele mora em Chicago, Illinois.
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