6 de janeiro de 2023

Para a direita israelense, o novo governo representa um retorno às raízes fascistas

Com a posse do novo governo de extrema-direita de Israel, o sionismo finalmente abraçou a ideologia fascista que inspirou grandes setores do movimento durante seus anos de formação, um século atrás.

Richard Silverstein

Jacobin

O primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu preside a reunião semanal do gabinete em Jerusalém, em 3 de janeiro de 2023. (Atef Safadi / Pool / AFP via Getty Images)

No mês passado, Israel iniciou o que é, de fato, o primeiro governo fascista em sua história.

O Estado de Israel foi o produto do movimento nacionalista judeu oriundo da violência antissemita da Rússia czarista do final do século XIX e início do século XX. Grande parte do mundo, incluindo as comunidades judaicas europeias, se manteve impotente enquanto as milícias cossacas organizadas e outros pogromistas se multiplicavam através dos shtetls judeus ucranianos violando, pilhando e assassinando dezenas de milhares de judeus indefesos.

Um idealista jornalista húngaro desenvolveu um plano para salvar os judeus da Europa Oriental, ameaçados de extinção. Theodore Herzl previu que a pátria judaica se tornaria uma nação próspera para esses milhões, que de outra forma seriam destinados à penúria, privação e morte. Em vez de esperar que o czar e seus capangas selaram o destino desses judeus, Herzl idealizou um êxodo em massa dos judeus dessas terras de aflição para um novo estado que os aguardava.

No início, Herzl viu este estado como um paraíso para os judeus da Europa Oriental que enfrentavam uma grave ameaça. Mas, mais tarde os líderes sionistas desenvolveram uma visão muito mais ampla do futuro, na qual todos os judeus escolheriam ou seriam forçados pela violência sistêmica a buscar refúgio e construir um Estado na Palestina.

O sionismo, na verdade, negou toda a existência de uma diáspora judaica, alegando que os judeus estavam condenados à destruição diante do ódio esmagador dos “gentios”. Este princípio ficou conhecido na ideologia sionista como “negação do exílio“. Seu corolário era um “retorno à história“, significando que o sionismo representava um retorno do povo judeu ao seu legítimo lugar físico e espiritual na terra bíblica de Israel. Isso significava também uma regularização dos judeus, para que em vez de serem fracos, sem esperança e à margem das sociedades diásporas, eles pudessem estar no centro e no controle de seu destino. Esse projeto logo se tornaria bem sucedido — tão bem sucedido que, em muitos aspectos, viria a se assemelhar ao fascismo.

Sionismo e socialismo

Desde o início, o movimento nacional judeu quase ofereceu uma resposta à questão de governar a nova política judaica. A abordagem que dominou as primeiras oito décadas do movimento refletia o modelo socialista, que havia prevalecido na Rússia pós-tsarista e em grande parte da Europa Oriental.

O processo revolucionário que precedeu a revolução bolchevique de 1917 teve um profundo impacto sobre os judeus que aderiram ao movimento sionista. Eles abraçaram valores socialistas e procuraram incorporá-los à nova colônia hebraica: isto é, o valor global do trabalho e do trabalhador; ou, na terminologia da época, “trabalho hebraico“. Talvez o principal exemplo disso tenha sido o movimento coletivista agrícola kibbutz. Eles também exigiam a formação de empresas estatais e a nacionalização da economia, incluindo as principais indústrias.

O oposto do Sionismo socialista era o Revisionismo. Seu fundador, Ze’ev Jabotinsky, defendeu uma forma de nacionalismo judeu militante. Como os socialistas, Jabotinsky era um filho de judeus do Leste Europeu. Mas ele rejeitou os argumentos de Karl Marx e Friedrich Engels. Em vez disso, ele tomou como seu modelo os movimentos populistas e fascistas em ascensão na Itália e na Alemanha. Benito Mussolini era especialmente do seu agrado: ele não tinha ideias explicitamente antissemitas, como Adolf Hitler tinha claramente. Como seu ídolo italiano, Jabotinsky projetou o poder judaico e uma nação judaica unida com a intenção de alcançá-lo.

Ele entendeu que os “árabes palestinos”, como eram chamados, não queriam fazer parte da nova colônia judaica. Ele reconheceu que os judeus eram colonizadores e que seria necessário usar a força para reprimir sua oposição. Nada poderia, a seu ver, impedir o projeto nacional judaico.

Em “O Muro de Ferro” (1923), ele expressa seu desdém pelos habitantes locais:

Culturalmente, eles [árabes palestinos] estão 500 anos atrasados, não têm nossa resistência nem nossa determinação; mas são tão bons psicologicamente quanto nós. ... Podemos dizer a eles o que quisermos sobre a inocência de nossos objetivos, enfraquecendo-os e adoçando-os com palavras melosas para torná-los palatáveis. Mas eles sabem o que nós queremos, assim como nós sabemos o que eles não querem. Eles sentem pelo menos o mesmo amor instintivo pela Palestina, que os velhos astecas sentiam pelo México antigo, e os Sioux por suas pradarias ondulantes.

No ensaio, ele sugere que existem apenas duas formas de criar o Estado que ele prevê: ou a imposição por potências coloniais, como os britânicos, que promulgaram a Declaração Balfour, exigindo a criação de uma “pátria judaica”, ou pelos próprios sionistas através da força, na forma de um exército judeu. Ele argumenta ainda que é inútil tentar chegar a um acordo com os palestinos. Nenhum compromisso, nenhum entendimento, é possível. Esta tem sido a política dos governos de direita do Likud israelense dos últimos 50 anos.

Jabotinsky prosseguiu:

A colonização sionista deve parar ou então prosseguir, independentemente da população nativa. O que significa que ela pode prosseguir e se desenvolver somente sob a proteção de um poder independente da população nativa — atrás de um muro de ferro, que a população nativa não pode romper…

Não podemos oferecer nenhuma compensação adequada aos árabes palestinos em troca da Palestina. E, portanto, não há nenhuma probabilidade de se chegar a qualquer acordo voluntário. Para que todos aqueles que consideram tal acordo como uma condição sine qua non para o sionismo possam também dizer “Não” e retirar-se do sionismo. ...

Neste assunto, não há diferença entre nosso “militarismo” e nossos “vegetarianos”. Exceto que os primeiros preferem que o muro de ferro seja formado por soldados judeus, e os outros se contentam em serem britânicos.

Em 1939, dois meses após o início da Segunda Guerra Mundial, Jabotinsky imaginou uma ordem caótica do pós-guerra na qual milhões de pessoas seriam arrancadas de suas casas centenárias e forçadas a viver em estados étnicos. Ele – com David Ben-Gurion, que escreveu uma carta de 1937 a seu filho defendendo a transferência da população (ou seja, a limpeza étnica) — argumentou: “Eles [árabes palestinos] terão que abrir espaço para os judeus [sobreviventes] e partir, talvez para a Arábia Saudita, com o apoio de um empréstimo internacional”.

Menos de um ano após a morte de Jabotinsky em 1940, a milícia armada Revisionista que havia sido criada como parte de seu movimento se dividiu. O ramo mais violento e radical fundou Lehi, ou a Organização Militar Nacional de Israel (OMNI), que propôs um acordo com os nazistas no qual os judeus palestinos se tornaram um aliado alemão. Em troca, a Alemanha reconheceria um Estado independente na Palestina.

O documento de Lehi em Ankara previa uma aliança entre o novo Estado e os nazistas, baseada na vitória destes últimos na guerra:

A Organização Militar Nacional de Israel, que foi bem recebida com a boa vontade do governo do Reich alemão e de suas autoridades em relação à atividade sionista dentro da Alemanha e aos planos de emigração sionista, é da opinião que:poderiam existir interesses comuns entre o estabelecimento de uma nova ordem na Europa, em conformidade com o conceito alemão, e as verdadeiras aspirações nacionais do povo judeu, tal como são encarnadas pela Organização Militar Nacional de Israel.

A criação do Estado judeu tradicional numa base nacional e totalitária, vinculado por um tratado com o Reich alemão, seria do interesse de manter e fortalecer a futura posição de poder da Alemanha no Oriente Próximo.

Seria possível a cooperação entre a nova Alemanha e um novo hebraico folclórico nacional,

Partindo destas considerações, a Organização Militar Nacional de Israel, sob a condição [de] que as aspirações nacionais acima mencionadas do movimento de liberdade israelense sejam reconhecidas do lado do Reich alemão, se oferece para participar ativamente da guerra do lado da Alemanha.

O termo em itálico acima foi traduzido originalmente do alemão, völkisch-nationalen Hebräertum, como hebraico popular-nacional. Mas creio que os autores Lehi desta proposta procuraram alinhar sua própria visão nacional com a Alemanha nazista e que poderíamos traduzir a frase como um nacional-socialismo hebraico. Apesar de não declarado, este novo Estado militantemente nacionalista trataria a população palestina de forma semelhante ao que era feito com os judeus alemães antes que a política explícita de genocídio fosse promulgada.

Os alemães falharam em cumprir a promessa. Mas isso não abalou a ambição de Lehi de atacar seu inimigo imperial. Em 1943, o futuro primeiro-ministro Yitzhak Shamir comandou uma conspiração que levou ao assassinato do principal diplomata britânico no Cairo, Lord Moyne.

Ao contrário dos guerrilheiros europeus (incluindo judeus da Europa Oriental) que estavam matando soldados alemães, os revisionistas viram seu único inimigo como sendo os britânicos. Os nazistas, no que lhes dizia respeito, eram uma forma de terminar o mandato e conquistar a independência nacional.

Mas à medida que viam a guerra mudar a favor dos Aliados, Lehi se voltou cada vez mais para outro estado totalitário: a União Soviética de Joseph Stalin. Na verdade, os judeus-militantes começaram a usar a frase “bolchevismo nacional hebraico” (um eco inverso do völkisch-nationalen Hebräertum) para descrever sua própria visão para o futuro Estado sionista. Esta vertente do Revisionismo não tinha nenhuma fidelidade absoluta a nenhuma das ideologias. Ela abraçava qualquer uma que parecesse provável sair vitoriosa na época pós-guerra: o vencedor seria aquele que melhor poderia avançar o objetivo do Revisionismo de estabelecer um estado.

Mas havia um princípio subjacente comum a ambos os sistemas: um modelo totalitário de controle estatal nas esferas política, econômica e até individual.

Religião e fascismo

As versões do fascismo do século XX variaram em sua abordagem em relação à religião. Hitler e Mussolini não procuraram especialmente incorporá-la em suas próprias filosofias políticas. Por outro lado, a Espanha de Francisco Franco, o Ustaše croata e a Guarda de Ferro romena eram — e a Rússia de Vladimir Putin é hoje – estados nacionalistas cristão-étnicos. Da mesma forma, uma espécie de fundamentalismo teocrático reina agora no governo israelense atual.

O revisionismo, como a marca do fascismo de Mussolini, era um movimento inteiramente secular. Na verdade, ele, e grande parte do movimento sionista, rejeitou o judaísmo como uma relíquia da diáspora e do sofrimento do passado judaico. O “hebraico”, como uma referência ao Novo Homem Judaico, era para substituí-lo.

Mas depois de 1967, o movimento Grande Israel, inspirado pelo nacionalismo messiânico do rabino Avraham Kook, integrou a supremacia religiosa com o nacionalismo secular. Isto, por sua vez, deu origem ao movimento dos colonos, o movimento político mais influente desde a fundação do Estado. Os dois, combinados, tornaram-se um fenômeno muito mais poderoso do que eram separadamente. Assim, as forças israelenses que saíram vitoriosas nas últimas eleições representam uma combinação do talibanismo judeu e do fascismo europeu.

O sionismo e o Holocausto

Areivindicação do sionismo do início do século XX, de que a diáspora judaica estava condenada devido ao antissemitismo histórico das nações, previa o Holocausto. Foi um aviso premonitório contra confiar na Diáspora como sendo seguro para a vida judaica.

Mas, surpreendentemente, o Yishuv, a autoridade governante da Palestina, pouco fez para resgatar os judeus europeus durante este período catastrófico. Ao contrário dos judeus americanos e britânicos, o Yishuv concentrou-se na construção da colônia palestina e na sua preparação para o estado independente. Mesmo quando os sionistas tentaram salvar os judeus (como no Acordo de Haavara para trazer judeus alemães para a Palestina), eles o fizeram somente quando isso pôde beneficiar diretamente os Yishuv.

Por que os sionistas na Palestina estavam dispostos a deixar os judeus europeus à sua sorte? O sionismo argumentou que um Estado-nação oferecia os meios para acabar com o sofrimento judeu e garantir a sobrevivência do povo judeu. Mas era mais do que um meio — para os sionistas, era o único meio. A vida judaica fora daquele estado, segundo eles, estava condenada à aniquilação ou ao desaparecimento por assimilação. A assimilação dos exilados significava, com efeito, o definhamento de todos os judeus fora de seu estado.

Uma construção ideológica tão rígida constituía, em si, uma forma de supremacia israelense e de negação da diáspora – um discurso do coração do mundo judaico que era o único caminho para a sobrevivência. Todos os outros eram, na melhor das hipóteses, uma distração da soberania judaica e, na pior das hipóteses, um impedimento e, portanto, um perigo para ela.

Os sionistas abriram uma exceção ao princípio. Eles viram um benefício chave para manter uma relação com a diáspora. Líderes como o primeiro-ministro fundador Ben-Gurion confiaram em países ricos como os Estados Unidos para financiar projetos militares caros, como o programa de armas nucleares. Eles também compreenderam a necessidade de aliados poderosos para armá-los e oferecer apoio político diante de seus inimigos árabes. A fundação do lobby de Israel com a incorporação do Comitê Americano de Assuntos Públicos de Israel (CAAPI) em 1953 foi outro desenvolvimento crítico para as relações Israel-Diáspora.

No entanto, Israel nunca viu a diáspora judaica como um parceiro pleno. Ao contrário, a diáspora sempre foi um enteado, um espetáculo paralelo do povo judeu. Este conflito fundacional entre as duas principais frações da diáspora judaica mundial foi, durante décadas, marcado por protestos de amor e lealdade ao empreendimento sionista por parte de muitos judeus da diáspora.

Mas com o tempo, tornou-se uma fenda cada vez maior e talvez irreparável, à medida que Israel se afastou dos valores democráticos de grande parte dos judeus do mundo e abraçou a supremacia judaica, uma versão do judaísmo que defende o poder absoluto e o triunfalismo sobre os valores dos profetas bíblicos.

Apesar do assassinato de seis milhões de judeus, a diáspora não só sobreviveu como prosperou. E sobreviveu não suprimindo a identidade judaica para assimilar com o mundo não-judeu, mas incorporando-se, suas tradições e seus valores dentro da sociedade (não-judaica) e da cultura popular.

Este é um sucesso que venceu o dogma sionista. Levou a uma relação esquizóide: a diáspora, de acordo com o sionismo clássico, eventualmente vai desaparecer. Mesmo que tenha sobrevivido, Israel deveria se manter independente dele e ficar de pé. No entanto, a diáspora prospera e até oferece centenas de bilhões a Israel através da filantropia da comunidade e da ajuda dos EUA.

Enquanto isso, a Diáspora judaica tem apostado em uma identidade independente, cada vez mais em desacordo com Israel, tanto política quanto religiosamente. O primeiro é em grande parte secular, progressista e democrático – valores que se tornaram anátema no novo Israel fascista. A nova agenda da homofobia, da violência em massa e da supremacia judaica confronta as comunidades judaicas estrangeiras com um dilema preocupante. Enquanto os líderes das comunidades estão acorrentados a seu tradicional apoio a Israel, os judeus de posição são afastados de um fenômeno que os repele e enojam.

Israel: o fascismo ascendente

Ofascismo encontra sua origem no sofrimento. A Alemanha foi derrotada na Primeira Guerra Mundial e encarregada de um tratado de rendição que impunha uma dívida punitiva, levando ao colapso econômico. Como resultado, os alemães alimentaram um profundo ressentimento contra a França e as outras potências europeias, que lhes impuseram um fardo insuportável. O movimento nazista explorou este ressentimento e ofereceu aos alemães orgulho e esperança, com um desejo de vingança por sua humilhação nacional.

Como os primeiros anos de Hitler no deserto político cheio de aprisionamento e obscuridade, o Revisionismo também foi difamado pela parte dominante da facção sionista socialista antes de 1948. Passou décadas depois às sombras, visto em grande parte como uma relíquia histórica. Esses insultos alimentaram um sentimento de ressentimento contra a elite governante trabalhista. No entanto, o Revisionismo não morreu.

A chama do Jabotinskyismo permaneceu acesa nos corações de discípulos como Benzion Milikovsky, que serviu como secretário pessoal de Jabotinsky nos Estados Unidos até a morte de Jabotinsky em 1940. Depois disso, Milikovsky retornou a Israel. Mas Menachem Begin havia assumido a liderança política, e Milikovsky não tinha nenhum papel para desempenhar. Ele voltou ao exílio que impôs a si mesmo nos Estados Unidos como um acadêmico, vivendo uma vida cheia de ressentimentos pela frustração de seus objetivos. Mas seus dois filhos mudaram o nome da família para Netanyahu, e nasceu uma nova lenda hebraica.

O kahanismo na corrente principal israelense

Afigura política fascista israelense mais influente do último meio século foi o rabino Meir Kahane, nascido no Brooklyn. Ele começou sua carreira política adotando o movimento judaico soviético nos anos 1960, que buscava permitir que os judeus perseguidos emigrarem.

A Liga de Defesa Judaica (LDJ), que ele fundou em 1968, tornou-se o primeiro grupo terrorista judeu na história dos EUA. Ela traficava armas e preparava explosivos, usando violência extrema para engrandecer sua causa: a JDL conspirou para bombardear edifícios soviéticos nos Estados Unidos e enviou uma carta-bomba ao escritório de um empresário judeu que produziu eventos para artistas russos, matando um empregado do escritório.

O outro grande impulso da JDL foi uma campanha racista contra um grupo de pais em grande parte afro-americanos e porto-riquenhos na região de Ocean Hill-Brownsville, no Brooklyn, que buscava o “controle comunitário” de suas escolas públicas locais em 1968. O sindicato dos professores respondeu convocando uma greve. A maioria dos professores e líderes sindicais eram brancos e judeus, o que provocou ataques antissemitas por parte da comunidade. Kahane, embora dificilmente fosse um líder do movimento sindical, estava determinado a ir para a guerra, procurando transformar a batalha política no equivalente a uma campanha de guerrilha.

Depois que ativistas da JDL foram presos sob acusações de porte de armas e o FBI desmantelou sua rede criminosa, Kahane fugiu dos Estados Unidos para Israel. Lá, o principal alvo de seu racismo passou dos afro-americanos para o que ele chamou de “os árabes”.

Nos anos 1980, ele fundou o partido político Kach, tendo em sua agenda muitas das leis de Nuremberg. Foi preso várias vezes por incitar ao terror pela polícia israelense. Após ganhar um assento no Knesset, Kahane foi expulso e Kach foi proscrito como uma organização terrorista em 1988, classificação mantida pelo governo dos EUA até 2023.

Ironicamente, os Estados Unidos retiraram Kach da lista negra porque já não existia há várias décadas. Mas logo depois disso, o partido declaradamente Kahanista, o Poder Judaico, obteve uma vitória surpreendente nas eleições nacionais.

Kahane foi assassinado por um egípcio muçulmano em Nova York, em 1990. Mas em vez de desvanecer-se no obscurantismo, ele se tornou um profeta do fascismo israelense. A agenda do novo governo israelense reflete a filosofia política de Kahane.

Kahane era obcecado pela pureza racial judaica e insistia na estrita separação entre judeus e “árabes”. Ele especialmente se opunha às relações entre os judeus e os “árabes”. Os nazistas também defendiam a pureza da “raça ariana”, proibindo as relações sexuais entre alemães e judeus. Líderes de alguns dos mais extremos partidos religiosos israelenses também se insurgem contra os “árabes” que, em seu relato, atraem mulheres judias para relações sexuais, para convertê-las ao islamismo.

Kahane viu os palestinos como uma quinta coluna cujo objetivo era a destruição do “Estado judaico”. Isto é paralelo aos nazistas que, antes da Conferência Wannsee de 1943, apoiaram a emigração de judeus da Europa como uma solução para o “problema judeu”. Kahane também exortou à expulsão em massa dos palestinos de Israel. Itamar Ben Gvir, por outro lado, se diferencia de seu mentor, Kahane, ao exigir a expulsão de apenas cidadãos palestinos “desleais”.

Assim como os nazistas usaram a violência em massa em seu caminho para o poder, visando judeus e outros inimigos políticos, Ben Gvir e seus aliados colonos usam as mesmas táticas, incluindo incêndio criminoso, profanação de locais sagrados muçulmanos e até mesmo assassinato. Todos os anos, ele marcha através de Jerusalém Oriental Palestina com dezenas de milhares de extremistas religiosos cantando “Morte aos árabes”.

Antes do assassinato do Primeiro-ministro do Trabalho Yitzhak Rabin em 1995, Gvir gabou-se de que ele e seus colegas poderiam “chegar” ao Primeiro-ministro. Apenas semanas depois, Yigal Amir, um radical de extrema-direita que tinha muitos ideais nacionalistas de Ben Gvir, assassinou Rabin.

Kahane denunciou a democracia ocidental e disse que o judaísmo era incompatível com ela. Ele defendeu, ao invés disso, uma teocracia baseada na supremacia da lei religiosa. Os partidos ortodoxos israelenses, a maioria dos quais estarão no novo governo israelense, preferem um estado teocrático governado pela lei religiosa (halakha) à democracia. Embora tenham sido eleitos e serviram no Knesset, eles exploram a democracia para manter os extravagantes benefícios fiscais derramados pelos cofres do Estado sobre seus seguidores. Eles legislam para impor o halakha ao país.

Os nazistas transformaram a Alemanha em um Estado de partido único com um aparato de polícia que reprimiu impiedosamente a dissidência da SS. Também erradicaram tipos “desviantes” como homossexuais, comunistas e judeus e os enviaram para campos de concentração. O sistema legal e judiciário alemão era subserviente ao nazismo, tendo perdido qualquer tipo de independência.

O novo governo israelense planeja aprovar uma lei que se sobrepõe a qualquer decisão da Suprema Corte a que se oponha. Isso será feito com uma maioria simples de votos no Knesset. Isto, observaram analistas políticos israelenses, destruirá o Estado de Direito e, na verdade, desmantelará um Judiciário independente.

O sistema jurídico de Israel consagra a impunidade para crimes contra palestinos por parte das autoridades estatais. O promotor de justiça do Estado se recusa rotineiramente a processar soldados e policiais que executam palestinos — às vezes militantes, mas muitas vezes também civis desarmados. Quase todas as queixas de tortura de palestinos nas mãos de interrogadores da polícia são descartadas. As prisões de segurança palestinas são acusadas de crimes de segurança em quase 100% dos casos.

Similar ao estado policial nazista, Israel mantém um sistema draconiano de vigilância em massa contra a Palestina ocupada que inclui interceptação de todas as formas de comunicação, instalação de milhares de câmeras CCTV monitorando todas as cidades, e prisões noturnas de suspeitos da segurança, muitas vezes acompanhadas pelo assassinato de palestinos que protestam contra as invasões das tropas israelenses.

Assim como Hitler aterrorizou os judeus alemães com pogroms organizados como Kristallnacht, que saquearam empresas judaicas e queimaram sinagogas históricas no chão, Ben Gvir e muitos no movimento colonizador israelense sonham em destruir o terceiro santuário mais sagrado do Islã, o santuário de Jerusalém al-Ḥaram al-Sharīf, e substituí-lo por um Terceiro Templo reconstruído.

Na verdade, no início desta semana, ele cumpriu um compromisso de campanha com seus seguidores, fazendo uma “peregrinação” ao que ele considerava o Monte do Templo. Ele ficou apenas treze minutos: tempo suficiente para filmar um vídeo que se vangloriava da soberania israelense sobre o local sagrado. Em seguida, ele foi levado pelas forças de segurança. Em 2000, Ariel Sharon fez a mesma visita, o que provocou a raiva entre os palestinos. Isso deu início à Segunda Intifada, na qual morreram seis mil israelenses e palestinos.

O mundo condenou universalmente a provocação de Ben Gvir. Um dos aliados árabes mais próximos de Israel, os Emirados Árabes Unidos, exigiu uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas para protestar contra a visita. O rei Abdullah da Jordânia, guardião dos locais sagrados de Jerusalém, disse à CNN: "Se as pessoas quiserem entrar em conflito conosco, estamos bem preparados"... Traçamos certas linhas vermelhas. ... E se as pessoas quiserem forçar essas linhas vermelhas, então vamos cuidar disso”. O governo de Joe Biden, infelizmente, achou por bem apenas expressar “preocupação” por uma violação do status quo religioso no local sagrado.

O novo governo fascista-teocrático de Israel

As brasas do fascismo israelense têm ardido sob Israel por pelo menos 70 anos, se não mais. O antissemitismo da virada do século XX pode ter acendido um fósforo que impulsionou a fundação do sionismo. Mas hoje, o fascismo sionista, que acompanhou e sustentou o sionismo quase desde seu início, explodiu em chamas com a estrondosa vitória eleitoral de novembro.

Antes da eleição israelense de novembro, um bando de líderes colonos formou o Partido do Poder Judaico (a frase “Poder Judaico” remete ao fundador do fascismo israelense, Kahane) e conquistou seis cadeiras no novo Knesset, concorrendo em uma lista conjunta com os partidos religiosos sionistas de extrema-direita e Noam; a lista conquistou um total de catorze cadeiras. Isto proporcionou a Benjamin Netanyahu uma vitória estrondosa e os votos necessários para uma maioria. Mas a vitória tem um custo.

Os líderes desses partidos extremistas são criminosos políticos virtuais. O líder do Partido do Poder Judaico, Ben Gvir, é um discípulo de Kahane que se refere ao falecido terrorista usando expressões como “meu Rebbe”. Ben Gvir já foi condenado por incitação ao terrorismo cinquenta vezes. Ele também é o líder das milícias mais extremistas dos colonos, Hilltop Youth, que passaram por aldeias palestinas destruindo propriedades e até queimando uma família até a morte.

Seu parceiro principal, o líder do Partido Religioso Sionista Bezalel Smotrich, foi preso pelo Shin Bet com um explosivo em seu carro. Ele tinha a intenção de cometer um ataque terrorista para protestar contra a retirada de Israel de Gaza.

Sob o próximo acordo da coalizão, Ben Gvir se tornará ministro da polícia, responsável pelos próprios policiais que o investigaram por seus crimes passados. Ele também comandará a Polícia de Fronteira de Israel, uma das forças mais violentas para aterrorizar os palestinos.

Smotrich será responsável pela Coordenação das Atividades Governamentais nos Territórios (COGAT), a gestão militar para os territórios ocupados. A partir de seu posto, Smotrich vai administrar todos os assentamentos israelenses, inclusive os postos avançados que, até agora, têm sido ilegais. Como escreve um colunista de Haaretz, eles não são extremistas – eles são “incendiários políticos”.

Outro rabino que faz parte do novo governo lidera um partido cuja missão declarada é destruir os direitos LGBTQ. Ele pede especificamente o cancelamento do desfile anual do orgulho gay. Vai liderar uma nova unidade do Ministério da Educação responsável por atividades extracurriculares como programas de ciência e arte. Vai controlar o acesso às escolas e proibir as ONGs da sociedade civil de oferecer programas que ele considere condenáveis.

A nova coalizão governamental vai tentar eliminar o máximo possível de vestígios de democracia, para substituí-los por um estado teocrático governado pela Torah, em vez de uma legislação laica. Fundirá o fundamentalismo religioso com o poder político puro para formar o primeiro governo judaico-fascista da história da nação.

Fascismo e palestinos

Embora a fundação de um Estado como um paraíso para judeus perseguidos possa ter oferecido segurança a centenas de milhares de judeus sujeitos a pogroms, o sionismo nunca contou com os povos palestinos da terra, que pretendia que fosse a pátria judaica. Esta recusa levou inexoravelmente ao conflito entre os dois povos e eventualmente à guerra total e ao Nakba.

Sete décadas de ódio e sangue-frio permanente, por sua vez, azedou os israelenses em qualquer acordo que envolvesse o comprometimento das aspirações do país. Na medida em que identificaram tal disposição de compromisso com o Partido Trabalhista, eles rejeitaram o partido e a agenda política que ele representava. Isto, por sua vez, levou à vitória do Likud em 1977 e seu domínio das próximas quatro décadas da política israelense.

Durante esse período, os sucessores de Jabotinsky se voltaram progressivamente mais à direita, até hoje são quase uma pura encarnação do fascismo clássico. Assim, eles retomam as tradições mais violentas e totalitárias de Lehi.

O fascismo venceu em Israel. Agora, ele vai provocar uma devastação santa tanto nos israelenses — que podem nem mesmo perceber seu impacto sobre eles — quanto nos palestinos, que estão cientes demais dessa devastação em sua própria carne e ossos.

Colaborador

Richard Silverstein escreve para o blog Tikun Olam, onde cobre o estado de segurança nacional israelense. Contribuiu para a coleção de artigos, A Time to Speak Out: Independent Jeweish Voices on Israel, Zionism and Jewish Identidy e Israel and Palestine: Alternate Perspectives on Statehood.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...