Uirá Machado
Folha de S.Paulo
Os ataques golpistas praticados por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) no domingo (8) desataram dois nós jurídicos para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O primeiro era o impasse entre os ministros Flávio Dino (Justiça) e José Múcio Monteiro (Defesa), que divergiam sobre como lidar com as manifestações antidemocráticas em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.
Enquanto o lado de Dino pedia a rápida desmobilização do acampamento até o dia 1º, Múcio defendia uma solução pactuada, sem incluir necessariamente a retirada compulsória dos manifestantes.
Folha de S.Paulo
Os ataques golpistas praticados por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) no domingo (8) desataram dois nós jurídicos para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O primeiro era o impasse entre os ministros Flávio Dino (Justiça) e José Múcio Monteiro (Defesa), que divergiam sobre como lidar com as manifestações antidemocráticas em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.
Enquanto o lado de Dino pedia a rápida desmobilização do acampamento até o dia 1º, Múcio defendia uma solução pactuada, sem incluir necessariamente a retirada compulsória dos manifestantes.
Golpistas invadem a Esplanada dos Ministérios, em Brasília - Evaristo Sa/AFP |
O segundo nó apareceu com clareza após o discurso de Lula em sua posse no dia 1º, quando o petista, logo após negar impulso revanchista contra o grupo político de seu antecessor, indicou que erros não passarão impunes.
Não demorou para o general Hamilton Mourão, que foi vice-presidente de Bolsonaro, dizer que o governo Lula chegou com espírito de revanche e sem entender que venceu a eleição por margem muito apertada de votos.
É provável que, sem a truculência criminosa dos bolsonaristas em Brasília, essas duas discussões continuassem vivas até hoje; diante do cenário de terra arrasada na praça dos Três Poderes, contudo, ficou muito mais fácil perceber quem tinha razão em cada uma delas.
Entre Dino e Múcio, deu Dino. Mas a posição de Múcio não era indefensável. Do ponto de vista jurídico, pode-se muito bem sustentar que protestos em frente aos quartéis fazem parte da democracia, como disse o ministro da Defesa.
A Constituição, afinal, garante a liberdade de manifestação do pensamento e de reunião, desde que sem armas, e apenas pedir um golpe de Estado dificilmente constituirá crime, por mais reprovável que seja esse desejo.
No Código Penal, os crimes contra as instituições democráticas demandam algo mais concreto: a tentativa de abolir o Estado democrático de Direito ou de depor o governo legalmente constituído, mediante violência ou grave ameaça.
Antes de domingo, era até fácil argumentar que nada disso estava em curso, embora o artefato explosivo no aeroporto de Brasília e as caravanas de ônibus rumo ao Distrito Federal fossem sinais eloquentes de uma escalada.
Na ausência de provas palpáveis, o uso de força contra os acampamentos bolsonaristas poderia servir de reforço para quem acha que os inimigos da democracia são o PT e os tribunais superiores brasileiros.
Tudo isso mudou depois que a horda bolsonarista avançou pela Esplanada dos Ministérios. Depois de domingo, já não há mais como oferecer o benefício da dúvida ao movimento que contesta a eleição de Lula, pois os crimes se tornaram concretos.
Tampouco há como ignorar a articulação por trás desse golpismo. Não por acaso, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, falou em "possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas".
Daí por que, em poucos dias, estavam desmontados o acampamento no Distrito Federal e os 34 focos golpistas em São Paulo, estado governado pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A necessidade de punir quem destruiu prédios públicos em Brasília ajuda a demarcar a diferença entre revanchismo e aplicação da lei –o segundo nó jurídico de Lula. Quem, em sã consciência, passaria a mão na cabeça desse grupo?
Basta ver o que aconteceu na segunda-feira (9), quando centenas de representantes da sociedade civil se reuniram na Faculdade de Direito da USP para defender a democracia.
Um dos oradores do evento, o advogado Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV e colunista da Folha, afirmou: "Temos que defender as nossas instituições. Aqueles que cometeram esses delitos têm que ser punidos. (...) Aplicar a lei não é revanchismo. É simplesmente um direito do povo soberano".
Há um evidente ponto de contato entre essa declaração e o que disse Lula em sua posse: "Não carregamos nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a nação a seus desígnios pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o primado da lei".
O grito "sem anistia", que a princípio cobrava punições a Bolsonaro e seu entorno por alegados crimes nos últimos quatro anos, ganhou um reforço com os vândalos de domingo, pelo menos no que diz respeito aos crimes contra as instituições democráticas.
Se um ministro do STF fala em possível organização criminosa da qual faria parte, entre outros, Anderson Torres, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro, como defender que apenas os vândalos dominicais sejam investigados, processados e punidos?
Não demorou para o general Hamilton Mourão, que foi vice-presidente de Bolsonaro, dizer que o governo Lula chegou com espírito de revanche e sem entender que venceu a eleição por margem muito apertada de votos.
É provável que, sem a truculência criminosa dos bolsonaristas em Brasília, essas duas discussões continuassem vivas até hoje; diante do cenário de terra arrasada na praça dos Três Poderes, contudo, ficou muito mais fácil perceber quem tinha razão em cada uma delas.
Entre Dino e Múcio, deu Dino. Mas a posição de Múcio não era indefensável. Do ponto de vista jurídico, pode-se muito bem sustentar que protestos em frente aos quartéis fazem parte da democracia, como disse o ministro da Defesa.
A Constituição, afinal, garante a liberdade de manifestação do pensamento e de reunião, desde que sem armas, e apenas pedir um golpe de Estado dificilmente constituirá crime, por mais reprovável que seja esse desejo.
No Código Penal, os crimes contra as instituições democráticas demandam algo mais concreto: a tentativa de abolir o Estado democrático de Direito ou de depor o governo legalmente constituído, mediante violência ou grave ameaça.
Antes de domingo, era até fácil argumentar que nada disso estava em curso, embora o artefato explosivo no aeroporto de Brasília e as caravanas de ônibus rumo ao Distrito Federal fossem sinais eloquentes de uma escalada.
Na ausência de provas palpáveis, o uso de força contra os acampamentos bolsonaristas poderia servir de reforço para quem acha que os inimigos da democracia são o PT e os tribunais superiores brasileiros.
Tudo isso mudou depois que a horda bolsonarista avançou pela Esplanada dos Ministérios. Depois de domingo, já não há mais como oferecer o benefício da dúvida ao movimento que contesta a eleição de Lula, pois os crimes se tornaram concretos.
Tampouco há como ignorar a articulação por trás desse golpismo. Não por acaso, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, falou em "possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas".
Daí por que, em poucos dias, estavam desmontados o acampamento no Distrito Federal e os 34 focos golpistas em São Paulo, estado governado pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A necessidade de punir quem destruiu prédios públicos em Brasília ajuda a demarcar a diferença entre revanchismo e aplicação da lei –o segundo nó jurídico de Lula. Quem, em sã consciência, passaria a mão na cabeça desse grupo?
Basta ver o que aconteceu na segunda-feira (9), quando centenas de representantes da sociedade civil se reuniram na Faculdade de Direito da USP para defender a democracia.
Um dos oradores do evento, o advogado Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV e colunista da Folha, afirmou: "Temos que defender as nossas instituições. Aqueles que cometeram esses delitos têm que ser punidos. (...) Aplicar a lei não é revanchismo. É simplesmente um direito do povo soberano".
Há um evidente ponto de contato entre essa declaração e o que disse Lula em sua posse: "Não carregamos nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a nação a seus desígnios pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o primado da lei".
O grito "sem anistia", que a princípio cobrava punições a Bolsonaro e seu entorno por alegados crimes nos últimos quatro anos, ganhou um reforço com os vândalos de domingo, pelo menos no que diz respeito aos crimes contra as instituições democráticas.
Se um ministro do STF fala em possível organização criminosa da qual faria parte, entre outros, Anderson Torres, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro, como defender que apenas os vândalos dominicais sejam investigados, processados e punidos?
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