A rebelião dos apoiadores de Bolsonaro em 8 de janeiro deixou a direita brasileira dividida sobre como responder aos ataques antidemocráticos. E isso colocou Lula em uma posição mais forte para fortalecer a democracia brasileira.
Andre Pagliarini
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião com governadores no Palácio do Planalto, em Brasília, em 9 de janeiro de 2023. (Mateus Bonomi / Agência Anadolu via Getty Images) |
A destruição de prédios do governo brasileiro por fanáticos reacionários em 8 de janeiro parece ser um desastre político para a direita do país. Ainda é cedo, mas uma indicação de que a tentativa de golpe não vai impulsionar a oposição anti-Lula, como alguns temem, é a falta de uma resposta coordenada entre aqueles que apoiaram o ex-presidente Jair Bolsonaro nas últimas eleições.
A mistura desorganizada de pontos de discussão na direita sugere que ela não tem uma reação unificada ao que aconteceu. Como resultado, Lula — e a democracia brasileira — pode realmente sair dessa provação em uma posição mais forte.
Além de teorias da conspiração absurdas que dificilmente merecem refutação (como a noção de que a explosão foi instigada por infiltrados de esquerda), existem três tipos de reações que surgiram na direita:
Os motins foram um ataque à democracia.
Felizmente, a esquerda não foi a única a se apressar em defender a ordem democrática do Brasil. Antes mesmo de o estrago ser totalmente contabilizado em Brasília, antigos aliados de Bolsonaro, como o governador de Goiás, estado que faz fronteira com o Distrito Federal, intervieram para ajudar o governo federal com bloqueios de estradas e envio de policiais para a capital. “Temos que ser intransigentes na defesa da nossa democracia”, disse o governador conservador Ronaldo Caiado. “A democracia não pode ser posta à prova a cada resultado eleitoral, por quem está insatisfeito com os resultados das urnas. Já ganhei e perdi eleições e nunca, em hipótese alguma, cogitei a possibilidade de questionar qualquer resultado”.
Outros executivos associados a Bolsonaro – como o ex-ministro da infraestrutura e agora governador de São Paulo Tarcísio de Freitas e Jorginho Mello de Santa Catarina, um reduto de Bolsonaro – inicialmente afirmaram que não compareceriam a uma reunião de emergência de governadores que Lula convocou na segunda-feira, mas rapidamente mudaram de ideia. Os líderes estaduais em geral apoiaram o governo federal ao levar a sério a ameaça de insurreição antidemocrática.
O cálculo político desses políticos pode mudar, é claro. Mas até agora, após a devastação de domingo, os governadores conservadores mantiveram a linha democrática.
Prender manifestantes no local era um ato de tirania.
Os legisladores de direita têm sido mais propensos a criticar o que consideram um exagero do governo federal. O ex-vice-presidente de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, agora senador pelo estado do Rio Grande do Sul, denunciou o governo “marxista-leninista” de Lula pela “detenção indiscriminada de mais de 1.200 pessoas”. Embora tenha negado rapidamente os distúrbios, Mourão passou a caracterizar a resposta do governo como “amadora, desumana e ilegal”. Ele chegou a posicionar sua própria coorte ideológica como defensora dos encarcerados, twittando que “o Brasil e os detentos esperam ações rápidas de nossos parlamentares em exercício e de entidades reais ligadas aos Direitos Humanos”.
Tal postura é categoricamente absurda, visto que o presidente Mourão serviu por quatro anos a célebres torturadores agindo em nome do Estado e deu às forças policiais mais poder para matar impunemente. A lógica política, no entanto, é clara.
De fato, como muitos dos presos em Brasília aparentemente tiveram permissão para manter seus telefones celulares, as imagens de sua detenção circularam livremente. Esses prisioneiros políticos de Potemkin denunciam com lágrimas suas circunstâncias, caracterizando sua prisão como um abuso totalitário. Alguns legisladores bolsonaristas visitaram as centenas de pessoas presas como se fossem refugiados pegos em uma situação trágica sem culpa própria.
Notavelmente, são os legisladores que estão avançando com o argumento de que o governo federal está extrapolando sua autoridade ao reprimir os soldados de infantaria do autoritarismo. Eles não precisam tomar as decisões práticas que os executivos tomam neste caso – por exemplo, mobilizar forças policiais para reprimir possíveis tumultos futuros.
E desnecessário dizer que sua indignação com as condições carcerárias no Brasil não se estende além do núcleo de apoio mais iludido do ex-presidente - eleitores a quem esses legisladores vão querer apelar em futuras campanhas políticas.
Na verdade, os tumultos foram culpa de Lula.
Outro argumento bem-humorado da direita é que o governo Lula foi o culpado pelos distúrbios. Citando supostos relatos de que as autoridades federais teriam sido alertadas sobre uma possível desordem na capital do país, um jovem congressista de direita chegou a sugerir um processo de impeachment contra Lula por permitir que a insurreição acontecesse. Outro pedia a prisão do ministro da Justiça de Lula, Flávio Dino, por abandono do dever. O senador Marcos do Val twittou que Dino “foi até a janela” de seu gabinete, viu os tumultos se desenrolando e não agiu. “Já comecei a encontrar indícios de que o presidente Lula também sabia o que ia acontecer e não fez nada”, acrescentou.
Andre Pagliarini é professor assistente de história no Hampden-Sydney College e membro do corpo docente do Washington Brazil Office.
A mistura desorganizada de pontos de discussão na direita sugere que ela não tem uma reação unificada ao que aconteceu. Como resultado, Lula — e a democracia brasileira — pode realmente sair dessa provação em uma posição mais forte.
Além de teorias da conspiração absurdas que dificilmente merecem refutação (como a noção de que a explosão foi instigada por infiltrados de esquerda), existem três tipos de reações que surgiram na direita:
Os motins foram um ataque à democracia.
Felizmente, a esquerda não foi a única a se apressar em defender a ordem democrática do Brasil. Antes mesmo de o estrago ser totalmente contabilizado em Brasília, antigos aliados de Bolsonaro, como o governador de Goiás, estado que faz fronteira com o Distrito Federal, intervieram para ajudar o governo federal com bloqueios de estradas e envio de policiais para a capital. “Temos que ser intransigentes na defesa da nossa democracia”, disse o governador conservador Ronaldo Caiado. “A democracia não pode ser posta à prova a cada resultado eleitoral, por quem está insatisfeito com os resultados das urnas. Já ganhei e perdi eleições e nunca, em hipótese alguma, cogitei a possibilidade de questionar qualquer resultado”.
Outros executivos associados a Bolsonaro – como o ex-ministro da infraestrutura e agora governador de São Paulo Tarcísio de Freitas e Jorginho Mello de Santa Catarina, um reduto de Bolsonaro – inicialmente afirmaram que não compareceriam a uma reunião de emergência de governadores que Lula convocou na segunda-feira, mas rapidamente mudaram de ideia. Os líderes estaduais em geral apoiaram o governo federal ao levar a sério a ameaça de insurreição antidemocrática.
O cálculo político desses políticos pode mudar, é claro. Mas até agora, após a devastação de domingo, os governadores conservadores mantiveram a linha democrática.
Prender manifestantes no local era um ato de tirania.
Os legisladores de direita têm sido mais propensos a criticar o que consideram um exagero do governo federal. O ex-vice-presidente de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, agora senador pelo estado do Rio Grande do Sul, denunciou o governo “marxista-leninista” de Lula pela “detenção indiscriminada de mais de 1.200 pessoas”. Embora tenha negado rapidamente os distúrbios, Mourão passou a caracterizar a resposta do governo como “amadora, desumana e ilegal”. Ele chegou a posicionar sua própria coorte ideológica como defensora dos encarcerados, twittando que “o Brasil e os detentos esperam ações rápidas de nossos parlamentares em exercício e de entidades reais ligadas aos Direitos Humanos”.
Tal postura é categoricamente absurda, visto que o presidente Mourão serviu por quatro anos a célebres torturadores agindo em nome do Estado e deu às forças policiais mais poder para matar impunemente. A lógica política, no entanto, é clara.
De fato, como muitos dos presos em Brasília aparentemente tiveram permissão para manter seus telefones celulares, as imagens de sua detenção circularam livremente. Esses prisioneiros políticos de Potemkin denunciam com lágrimas suas circunstâncias, caracterizando sua prisão como um abuso totalitário. Alguns legisladores bolsonaristas visitaram as centenas de pessoas presas como se fossem refugiados pegos em uma situação trágica sem culpa própria.
Notavelmente, são os legisladores que estão avançando com o argumento de que o governo federal está extrapolando sua autoridade ao reprimir os soldados de infantaria do autoritarismo. Eles não precisam tomar as decisões práticas que os executivos tomam neste caso – por exemplo, mobilizar forças policiais para reprimir possíveis tumultos futuros.
E desnecessário dizer que sua indignação com as condições carcerárias no Brasil não se estende além do núcleo de apoio mais iludido do ex-presidente - eleitores a quem esses legisladores vão querer apelar em futuras campanhas políticas.
Na verdade, os tumultos foram culpa de Lula.
Outro argumento bem-humorado da direita é que o governo Lula foi o culpado pelos distúrbios. Citando supostos relatos de que as autoridades federais teriam sido alertadas sobre uma possível desordem na capital do país, um jovem congressista de direita chegou a sugerir um processo de impeachment contra Lula por permitir que a insurreição acontecesse. Outro pedia a prisão do ministro da Justiça de Lula, Flávio Dino, por abandono do dever. O senador Marcos do Val twittou que Dino “foi até a janela” de seu gabinete, viu os tumultos se desenrolando e não agiu. “Já comecei a encontrar indícios de que o presidente Lula também sabia o que ia acontecer e não fez nada”, acrescentou.
Curiosamente, esse argumento começou a circular entre os apoiadores comuns de Bolsonaro. Observando que o governo federal agiu rapidamente para remover temporariamente o governador do distrito federal quando ficou claro que ele não era capaz de garantir a segurança, um eleitor de Bolsonaro que conheço (meu primo) disse que o mesmo deveria se aplicar a todos - incluindo o próprio presidente.
O problema com essa noção é que o governo do Distrito Federal - e não o governo federal - é legalmente responsável pela segurança em Brasília. O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, apoiador de Bolsonaro, teria garantido ao ministro da Justiça, Dino, que sua polícia poderia manter a capital segura. O governo Lula deveria ordenar uma intervenção federal no Distrito Federal antes que acontecesse uma rebelião? Não é difícil imaginar como o deputado bolsonarista teria caracterizado uma intervenção federal preventiva do gênero - ditadura, bolivarianismo, autocracia!
A busca por culpados além dos óbvios malfeitores - Rocha e seu chefe de segurança, Anderson Torres, que enfrenta uma ordem de prisão - reflete uma tentativa desavergonhada de transferir a culpa pelo 8 de janeiro de Bolsonaro e seus partidários para Lula. Ninguém fora da bolha de extrema-direita parece estar acreditando nisso.
Esses argumentos não são mutuamente exclusivos. Do Val, por exemplo, visitou manifestantes detidos e apresentou o argumento fantástico de que Lula era culpado pelos eventos que os levaram à prisão. Analisados individualmente, porém, eles traem insegurança política e parecem indicar que a direita brasileira não tem uma resposta particular para o ocorrido.
Enquanto isso, Lula não tardou a notar o significado da insurreição: foi um ataque à democracia e, por extensão, à agenda sociopolítica e econômica que prevaleceu nas urnas em outubro passado. Em seu discurso à nação logo após os tumultos, Lula afirmou que a insurreição quase certamente foi paga em parte por atores ligados ao desmatamento na Amazônia. A capacidade de combater as mudanças climáticas, em outras palavras, foi atacada em 8 de janeiro. De volta a Brasília no dia seguinte aos distúrbios, Lula insistiu que a democracia era a única forma de enfrentar a profunda desigualdade do país. Ou seja, a capacidade de garantir que todo brasileiro tenha o que comer foi atacada em 8 de janeiro.
Vincular o desafio antidemocrático da extrema direita a uma agenda econômica neoliberal voraz e a maior empobrecimento dos pobres e da classe trabalhadora brasileira já aparece com destaque na retórica de Lula desde a campanha. Devemos esperar que ele continue martelando este ponto em casa.
Na era de Bolsonaro, Lula se apresentou como o sóbrio defensor da democracia contra o extremismo de extrema direita do ex-presidente. Ainda mais agora, essa é a responsabilidade dele. Abraçar esse manto o imbui de legitimidade política e clareza moral. Por outro lado, não está claro para onde a direita vai a partir daqui. Podemos esperar mais dos brometos anti-esquerda cansados que Lula superou nas urnas no ano passado? Ou uma nova narrativa reacionária emergirá das respostas divergentes aos eventos de 8 de janeiro? As pesquisas indicam que a grande maioria dos brasileiros desaprova fortemente os ataques perpetrados por apoiadores de Bolsonaro no último domingo. A direita não vai a lugar nenhum, mas nesta nova realidade política eles precisam esclarecer suas histórias.
Colaborador
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