Lucio Rennó
Professor do Instituto de Ciência Política da UnB, doutor em ciência política pela Universidade de Pittsburgh (EUA)
Isaac Jordão Sassi
Cientista político e consultor
Folha de S.Paulo
[RESUMO] Pesquisa inédita mostra que Congresso tem derrubado os vetos presidenciais com mais frequência na última década, um dos reflexos de mudanças institucionais que alteraram profundamente as relações entre os Poderes no Brasil, com maior protagonismo do Legislativo e encolhimento do Executivo.
*
As relações entre o Executivo e o Legislativo no Brasil são hoje completamente distintas do que já foram. Um conjunto de instrumentos de poder usado pelo Executivo na gestão de sua base de apoio no Congresso foi alterado profundamente. Assim, a relação entre os Poderes acabou afetada, em prejuízo do presidente da República e benefício do Congresso Nacional.
O Legislativo é hoje mais poderoso do que era e tem mais controle sobre sua própria agenda do que já teve em qualquer outro momento do atual período democrático, pós-Constituição de 1988. No passado, era possível falar em um Poder Executivo que "tratorava" o Congresso, tangenciando o Legislativo.
O Legislativo é hoje mais poderoso do que era e tem mais controle sobre sua própria agenda do que já teve em qualquer outro momento do atual período democrático, pós-Constituição de 1988. No passado, era possível falar em um Poder Executivo que "tratorava" o Congresso, tangenciando o Legislativo.
Sessão de reabertura do ano legislativo, no plenário da Câmara dos Deputados, em fevereiro deste ano - Pedro Ladeira/Folhapress |
A preponderância legislativa do Executivo se dava pela força excepcional das medidas provisórias, pela extensa discricionariedade no contingenciamento orçamentário e pela alocação de ministérios. Como reduziram-se os poderes do presidente, resultado de mudanças feitas pelo Congresso, tudo mudou.
Não há proposição legislativa de origem do Executivo, incluindo medidas provisórias, que saia do Congresso incólume. Enquanto as proposições de autoria do Legislativo transformadas em lei crescem enormemente, as originadas no Executivo encolhem.
O emendamento das proposições legislativas por parlamentares é extenso. Apenas temas de interesse dos congressistas, com baixo controle do Executivo, são aprovados. O conteúdo final das propostas já não está mais no controle do Executivo. Sabe-se como entram na pauta do Congresso, mas não como saem.
Nesse contexto, o Executivo atua muito mais como um "gatekeeper", alguém que evita que certos temas sejam tratados, do que um "agenda setter", alguém que propõem os temas. A imprevisibilidade do processo decisório na Câmara aumentou significativamente, como decorrência do encolhimento do poder do presidente.
As principais mudanças dizem respeito às medidas provisórias e emendas orçamentárias, com implicações constitucionais. Medidas provisórias não mais tramitam à margem do Congresso. O ônus de aprová-las é do Executivo, algo alterado de maneira profunda por sucessivas reformas que tiveram início com a emenda constitucional 32 de 2001.
Da mesma maneira, as regras sobre as emendas orçamentárias individuais e coletivas no Congresso mudaram, reduzindo a discricionariedade do Executivo. Estabeleceu-se o orçamento impositivo e se ampliou enormemente o valor das emendas. Hoje, o Congresso é tão dono do orçamento quanto o Executivo. É uma guarda compartilhada, por assim dizer.
Tudo isso ao lado de um inchaço do quadro partidário. A criação de novos partidos políticos foi a alternativa à imposição da fidelidade partidária em 2007. De 2002 em diante, coincidindo com os governos petistas, o número efetivo de partidos —um conceito que considera o tamanho deles na Câmara— saltou de 8 para 13 em 2015. Esse crescimento ocorreu no campo do centrão. Seria uma estratégia de pulverização da oposição?
O pico foi em 2019, com um número efetivo de 16 siglas na Câmara dos Deputados. Se foi algo orquestrado, o resultado foi perverso e não antecipado: prejudicou-se a governabilidade e aumentaram os riscos de atrito com a base, uma vez que cresceu o número de atores no jogo.
Verdade seja dita, a cláusula de desempenho, aprovada em 2017, vem enxugando o sistema, mas ainda somos campeões mundiais em número de partidos políticos, com 12 siglas efetivas de porte médio, portanto bastante influentes, habitando a Câmara.
Apesar disso, alguns defendem que nada mudou. Se embasam em um dado equivocado para chegar a essa conclusão espúria: o padrão de votação dos partidos em votações nominais. Ora, as proposições que alcançam o plenário, para serem votadas, foram amplamente debatidas e devidamente ajustadas aos interesses do Congresso.
Portanto, esse dado diz apenas que, nas leis em que se consegue construir uma congruência de preferências, todos votam igual. Isso diz pouco, contudo, sobre a intensidade do conflito entre Legislativo e Executivo —e muito menos sobre a previsibilidade geral do sistema.
Outras medidas do conflito legislativo são muito mais instrutivas. É necessário observar como o processo tramitou, sua duração, como propostas foram alteradas, seu emendamento, o que se negociou, do que se abriu mão. Precisamos entender quem domina a agenda legislativa hoje. Para isso, precisamos olhar em outra direção, para além de como parlamentares votam.
Um desses ângulos é a política de vetos presidenciais, algo que passou a ser relevante dentro do profundo processo de mudança institucional que o Brasil atravessou nos últimos 10 a 15 anos.
Os vetos do Executivo aos projetos de lei são parte do processo legislativo brasileiro desde a primeira constituição da República, em 1891, que já previa que o presidente poderia julgar um projeto como inconstitucional ou contrário aos interesses nacionais.
Poucas alterações relevantes ocorreram desde então. Uma delas deu-se durante a vigência de emenda constitucional de 1969, que estipulava que o veto seria mantido caso o Congresso não deliberasse. A Constituição de 1988, por sua vez, determina que os vetos teriam prazo para apreciação, trancando a pauta para as demais deliberações. Ambas beneficiavam o Executivo.
Não obstante, os vetos sempre mantiveram o mesmo procedimento básico de apreciação: o Congresso avalia e, caso se oponha, eles são derrubados, e o projeto torna-se lei. Acontece que a pauta dos vetos atrapalhava a apreciação das leis orçamentárias, o outro caso de peça analisada pelo Congresso Nacional de forma conjunta. Portanto, os vetos normalmente eram deixados de lado na apreciação legislativa.
Isso mudou com a lei que redistribuiu os royalties de petróleo, em 2013. O governo, à época, vetou diversos trechos da lei, e o Congresso reagiu pautando o veto. O problema é que havia um acumulado de mais de 3.000 vetos não apreciados. A situação chegou ao Supremo, que entendeu que o simples reconhecimento da inconstitucionalidade seria grave.
A solução, portanto, veio de dentro do Congresso. Em 2013, foi publicada uma resolução alterando a tramitação dos vetos a partir de 1º de julho daquele ano. A nova norma estabeleceu prazos claros de 30 dias e um calendário de votação dos vetos, que devem ser analisados às terceiras terças-feiras de cada mês, sob pena de impedir a tramitação do orçamento.
Isso criou um incentivo coletivo para que Executivo e Legislativo fizessem a apreciação dos vetos, sob o risco de paralisia da máquina pública. Desde então, todos foram apreciados, com algumas poucas exceções, que ainda estão sob discussão no Congresso.
Quais são os resultados práticos dessa mudança? Em levantamento inédito, compilamos todos os vetos presidenciais de 2003 a 2024. Primeiro, cabe destacar que antes de 2013 apenas três vetos foram votados no Congresso. O Legislativo abria mão de se manifestar, e o Executivo contava com mais um instrumento para tangenciá-lo, como ocorria com as medidas provisórias reeditáveis antes de 2001.
Fica claro que o veto era amplamente usado antes, e continuou sendo, embora com significativa resistência do Congresso a partir do momento em que reconquistou seu direito de se manifestar.
De 2003 a 2024, foram 1.060 proposições legislativas vetadas. De 2003 a 2013, 504 proposições foram vetadas, e 556 de 2014 em diante, após a reforma. Houve um leve aumento depois da mudança institucional, para períodos temporais semelhantes.
Quando olhamos por gestão, 25% dos vetos foram promovidos por Jair Bolsonaro (PL). Nada mais, nada menos do que 259 vetos após 2013 ocorreram em seu governo: quase a metade do total no período. Portanto, a abundância de vetos após a mudança institucional de 2013 tem um carimbo bolsonarista.
As maiores dificuldades de Bolsonaro estão relacionadas, claramente, ao fato de ser o presidente com a menor coalizão em número de cadeiras na Câmara, chegando a ínfimos 10,5%, como apontam Fabiano Santos e Joyce Luz. Collor se destaca em segundo lugar, com um distante 33,7%, e Lula, em seu terceiro mandato, tem a terceira menor bancada, com 51,1%. A relação bélica estabelecida entre Bolsonaro e Congresso, principalmente nos dois primeiros anos de governo, certamente ajuda a entender a explosão de vetos e de vetos derrubados em sua gestão.
Lula, em seus dois primeiros mandatos, fez 14% e 20% dos vetos. Dilma, em seu primeiro mandato, é responsável por 17%. Temer, em seus dois anos no poder, por 12%, e Dilma, nos dois anos de seu segundo mandato, responde por 7%.
Se somarmos os dois momentos do que seria o segundo mandato presidencial de Dilma, temos 19%. Os vetos se dividem de maneira bastante semelhante por cada mandato presidencial de quatro anos, com um aumento nos anos bolsonaristas.
Das proposições vetadas, 45% são de autoria do próprio Executivo. Deputadas e deputados são autores de 32% das proposições vetadas; senadores e senadoras, de 19%, e as comissões mistas da Câmara e Senado originam 3%. Ou seja, 54% das proposições vetadas têm origem no Congresso. Aproximadamente 1% é originada em órgãos de controle ou do Judiciário.
Percebemos, portanto, que o presidente veta em proporção semelhante suas proposições e as do Congresso. Antes e depois da reforma de 2013, o Executivo originou um número semelhante de proposições legislativas vetadas (46% e 43%).
Esse é um resultado inesperado. Por que o Executivo veta tantas proposições de sua própria iniciativa, mesmo quando o Congresso não se manifestava sobre elas? Há algum jogo escondido nesse processo.
Em primeiro lugar, é interessante reparar que, das propostas do Executivo, 2% recebem um veto total, frente a 40% das originadas no Legislativo. O presidente veta as propostas legislativas oriundas do Executivo apenas parcialmente, enfocando alguns de seus dispositivos.
Em média, o presidente veta 23 dispositivos em proposições próprias e 9 nas de origem no Congresso. Muito provavelmente, o Executivo veta, nas proposições legislativas de sua origem, os dispositivos que tenham sido inseridos pelo Congresso, que alteraram a proposta original.
Infelizmente, os dados disponíveis não têm esse grau de detalhamento. Contudo, cabe destacar que Michel Temer teve um índice de vetos parciais superior aos demais, na casa dos 90%, enquanto que para os demais presidentes esse valor oscila entre 70% e 75%. Temer vetou parcialmente com mais frequência.
No período anterior a 2013, os vetos prevaleciam. O Congresso abdicou de sua atribuição, prevista pela Constituição, de votá-los. Era bem mais cômodo para o Executivo.
Depois de 2013, há que se negociar com o Congresso, pois este tem a palavra final e pode rejeitar o veto presidencial. O poder do Legislativo é maior. Criou-se um momento adicional de negociação. Contudo, cabe ainda investigar quando a política de vetos atende aos interesses dos dois Poderes.
De todos os 531 vetos nos quais o Legislativo se manifestou desde 2014, 71% foram mantidos, 12% foram derrubados parcialmente, e 17% rejeitados totalmente. No primeiro governo de Dilma, todos os vetos foram mantidos. Esse número vem caindo gradativamente e consistentemente em cada mandato subsequente.
Na gestão Bolsonaro, 56% dos vetos foram mantidos e 27% rejeitados. Na gestão atual de Lula, 47% foram mantidos e 27% rejeitados. Ou seja, claramente o jogo da manutenção de vetos do presidente tem endurecido.
O Congresso rejeita os vetos com muito mais frequência. A situação é menos confortável para o presidente. De qualquer forma, apesar da clara piora da situação após a gestão Temer, mas acentuada em Bolsonaro e na atual administração de Lula, o governo liderado pelo presidente da República ainda consegue fazer com que seus vetos prevaleçam.
É possível que a crescente polarização tenha se refletido na maior dificuldade do governo em lidar com o Congresso, resultando em mais vetos revertidos e maior imposição da vontade do Poder Legislativo no período mais recente.
Contudo, é impossível e até mesmo leviano descartar o efeito das significativas e sucessivas mudanças institucionais que enfraqueceram o Executivo e fortaleceram o Legislativo. O jogo mudou.
Não há proposição legislativa de origem do Executivo, incluindo medidas provisórias, que saia do Congresso incólume. Enquanto as proposições de autoria do Legislativo transformadas em lei crescem enormemente, as originadas no Executivo encolhem.
O emendamento das proposições legislativas por parlamentares é extenso. Apenas temas de interesse dos congressistas, com baixo controle do Executivo, são aprovados. O conteúdo final das propostas já não está mais no controle do Executivo. Sabe-se como entram na pauta do Congresso, mas não como saem.
Nesse contexto, o Executivo atua muito mais como um "gatekeeper", alguém que evita que certos temas sejam tratados, do que um "agenda setter", alguém que propõem os temas. A imprevisibilidade do processo decisório na Câmara aumentou significativamente, como decorrência do encolhimento do poder do presidente.
As principais mudanças dizem respeito às medidas provisórias e emendas orçamentárias, com implicações constitucionais. Medidas provisórias não mais tramitam à margem do Congresso. O ônus de aprová-las é do Executivo, algo alterado de maneira profunda por sucessivas reformas que tiveram início com a emenda constitucional 32 de 2001.
Da mesma maneira, as regras sobre as emendas orçamentárias individuais e coletivas no Congresso mudaram, reduzindo a discricionariedade do Executivo. Estabeleceu-se o orçamento impositivo e se ampliou enormemente o valor das emendas. Hoje, o Congresso é tão dono do orçamento quanto o Executivo. É uma guarda compartilhada, por assim dizer.
Tudo isso ao lado de um inchaço do quadro partidário. A criação de novos partidos políticos foi a alternativa à imposição da fidelidade partidária em 2007. De 2002 em diante, coincidindo com os governos petistas, o número efetivo de partidos —um conceito que considera o tamanho deles na Câmara— saltou de 8 para 13 em 2015. Esse crescimento ocorreu no campo do centrão. Seria uma estratégia de pulverização da oposição?
O pico foi em 2019, com um número efetivo de 16 siglas na Câmara dos Deputados. Se foi algo orquestrado, o resultado foi perverso e não antecipado: prejudicou-se a governabilidade e aumentaram os riscos de atrito com a base, uma vez que cresceu o número de atores no jogo.
Verdade seja dita, a cláusula de desempenho, aprovada em 2017, vem enxugando o sistema, mas ainda somos campeões mundiais em número de partidos políticos, com 12 siglas efetivas de porte médio, portanto bastante influentes, habitando a Câmara.
Apesar disso, alguns defendem que nada mudou. Se embasam em um dado equivocado para chegar a essa conclusão espúria: o padrão de votação dos partidos em votações nominais. Ora, as proposições que alcançam o plenário, para serem votadas, foram amplamente debatidas e devidamente ajustadas aos interesses do Congresso.
Portanto, esse dado diz apenas que, nas leis em que se consegue construir uma congruência de preferências, todos votam igual. Isso diz pouco, contudo, sobre a intensidade do conflito entre Legislativo e Executivo —e muito menos sobre a previsibilidade geral do sistema.
Outras medidas do conflito legislativo são muito mais instrutivas. É necessário observar como o processo tramitou, sua duração, como propostas foram alteradas, seu emendamento, o que se negociou, do que se abriu mão. Precisamos entender quem domina a agenda legislativa hoje. Para isso, precisamos olhar em outra direção, para além de como parlamentares votam.
Um desses ângulos é a política de vetos presidenciais, algo que passou a ser relevante dentro do profundo processo de mudança institucional que o Brasil atravessou nos últimos 10 a 15 anos.
Os vetos do Executivo aos projetos de lei são parte do processo legislativo brasileiro desde a primeira constituição da República, em 1891, que já previa que o presidente poderia julgar um projeto como inconstitucional ou contrário aos interesses nacionais.
Poucas alterações relevantes ocorreram desde então. Uma delas deu-se durante a vigência de emenda constitucional de 1969, que estipulava que o veto seria mantido caso o Congresso não deliberasse. A Constituição de 1988, por sua vez, determina que os vetos teriam prazo para apreciação, trancando a pauta para as demais deliberações. Ambas beneficiavam o Executivo.
Não obstante, os vetos sempre mantiveram o mesmo procedimento básico de apreciação: o Congresso avalia e, caso se oponha, eles são derrubados, e o projeto torna-se lei. Acontece que a pauta dos vetos atrapalhava a apreciação das leis orçamentárias, o outro caso de peça analisada pelo Congresso Nacional de forma conjunta. Portanto, os vetos normalmente eram deixados de lado na apreciação legislativa.
Isso mudou com a lei que redistribuiu os royalties de petróleo, em 2013. O governo, à época, vetou diversos trechos da lei, e o Congresso reagiu pautando o veto. O problema é que havia um acumulado de mais de 3.000 vetos não apreciados. A situação chegou ao Supremo, que entendeu que o simples reconhecimento da inconstitucionalidade seria grave.
A solução, portanto, veio de dentro do Congresso. Em 2013, foi publicada uma resolução alterando a tramitação dos vetos a partir de 1º de julho daquele ano. A nova norma estabeleceu prazos claros de 30 dias e um calendário de votação dos vetos, que devem ser analisados às terceiras terças-feiras de cada mês, sob pena de impedir a tramitação do orçamento.
Isso criou um incentivo coletivo para que Executivo e Legislativo fizessem a apreciação dos vetos, sob o risco de paralisia da máquina pública. Desde então, todos foram apreciados, com algumas poucas exceções, que ainda estão sob discussão no Congresso.
Quais são os resultados práticos dessa mudança? Em levantamento inédito, compilamos todos os vetos presidenciais de 2003 a 2024. Primeiro, cabe destacar que antes de 2013 apenas três vetos foram votados no Congresso. O Legislativo abria mão de se manifestar, e o Executivo contava com mais um instrumento para tangenciá-lo, como ocorria com as medidas provisórias reeditáveis antes de 2001.
Fica claro que o veto era amplamente usado antes, e continuou sendo, embora com significativa resistência do Congresso a partir do momento em que reconquistou seu direito de se manifestar.
De 2003 a 2024, foram 1.060 proposições legislativas vetadas. De 2003 a 2013, 504 proposições foram vetadas, e 556 de 2014 em diante, após a reforma. Houve um leve aumento depois da mudança institucional, para períodos temporais semelhantes.
Quando olhamos por gestão, 25% dos vetos foram promovidos por Jair Bolsonaro (PL). Nada mais, nada menos do que 259 vetos após 2013 ocorreram em seu governo: quase a metade do total no período. Portanto, a abundância de vetos após a mudança institucional de 2013 tem um carimbo bolsonarista.
As maiores dificuldades de Bolsonaro estão relacionadas, claramente, ao fato de ser o presidente com a menor coalizão em número de cadeiras na Câmara, chegando a ínfimos 10,5%, como apontam Fabiano Santos e Joyce Luz. Collor se destaca em segundo lugar, com um distante 33,7%, e Lula, em seu terceiro mandato, tem a terceira menor bancada, com 51,1%. A relação bélica estabelecida entre Bolsonaro e Congresso, principalmente nos dois primeiros anos de governo, certamente ajuda a entender a explosão de vetos e de vetos derrubados em sua gestão.
Lula, em seus dois primeiros mandatos, fez 14% e 20% dos vetos. Dilma, em seu primeiro mandato, é responsável por 17%. Temer, em seus dois anos no poder, por 12%, e Dilma, nos dois anos de seu segundo mandato, responde por 7%.
Se somarmos os dois momentos do que seria o segundo mandato presidencial de Dilma, temos 19%. Os vetos se dividem de maneira bastante semelhante por cada mandato presidencial de quatro anos, com um aumento nos anos bolsonaristas.
Das proposições vetadas, 45% são de autoria do próprio Executivo. Deputadas e deputados são autores de 32% das proposições vetadas; senadores e senadoras, de 19%, e as comissões mistas da Câmara e Senado originam 3%. Ou seja, 54% das proposições vetadas têm origem no Congresso. Aproximadamente 1% é originada em órgãos de controle ou do Judiciário.
Percebemos, portanto, que o presidente veta em proporção semelhante suas proposições e as do Congresso. Antes e depois da reforma de 2013, o Executivo originou um número semelhante de proposições legislativas vetadas (46% e 43%).
Esse é um resultado inesperado. Por que o Executivo veta tantas proposições de sua própria iniciativa, mesmo quando o Congresso não se manifestava sobre elas? Há algum jogo escondido nesse processo.
Em primeiro lugar, é interessante reparar que, das propostas do Executivo, 2% recebem um veto total, frente a 40% das originadas no Legislativo. O presidente veta as propostas legislativas oriundas do Executivo apenas parcialmente, enfocando alguns de seus dispositivos.
Em média, o presidente veta 23 dispositivos em proposições próprias e 9 nas de origem no Congresso. Muito provavelmente, o Executivo veta, nas proposições legislativas de sua origem, os dispositivos que tenham sido inseridos pelo Congresso, que alteraram a proposta original.
Infelizmente, os dados disponíveis não têm esse grau de detalhamento. Contudo, cabe destacar que Michel Temer teve um índice de vetos parciais superior aos demais, na casa dos 90%, enquanto que para os demais presidentes esse valor oscila entre 70% e 75%. Temer vetou parcialmente com mais frequência.
No período anterior a 2013, os vetos prevaleciam. O Congresso abdicou de sua atribuição, prevista pela Constituição, de votá-los. Era bem mais cômodo para o Executivo.
Depois de 2013, há que se negociar com o Congresso, pois este tem a palavra final e pode rejeitar o veto presidencial. O poder do Legislativo é maior. Criou-se um momento adicional de negociação. Contudo, cabe ainda investigar quando a política de vetos atende aos interesses dos dois Poderes.
De todos os 531 vetos nos quais o Legislativo se manifestou desde 2014, 71% foram mantidos, 12% foram derrubados parcialmente, e 17% rejeitados totalmente. No primeiro governo de Dilma, todos os vetos foram mantidos. Esse número vem caindo gradativamente e consistentemente em cada mandato subsequente.
Na gestão Bolsonaro, 56% dos vetos foram mantidos e 27% rejeitados. Na gestão atual de Lula, 47% foram mantidos e 27% rejeitados. Ou seja, claramente o jogo da manutenção de vetos do presidente tem endurecido.
O Congresso rejeita os vetos com muito mais frequência. A situação é menos confortável para o presidente. De qualquer forma, apesar da clara piora da situação após a gestão Temer, mas acentuada em Bolsonaro e na atual administração de Lula, o governo liderado pelo presidente da República ainda consegue fazer com que seus vetos prevaleçam.
É possível que a crescente polarização tenha se refletido na maior dificuldade do governo em lidar com o Congresso, resultando em mais vetos revertidos e maior imposição da vontade do Poder Legislativo no período mais recente.
Contudo, é impossível e até mesmo leviano descartar o efeito das significativas e sucessivas mudanças institucionais que enfraqueceram o Executivo e fortaleceram o Legislativo. O jogo mudou.
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