24 de abril de 2024

Precisamos de um êxodo do sionismo

Nesta Páscoa, não precisamos nem queremos o falso ídolo do sionismo. Queremos liberdade do projeto que comete genocídio em nosso nome

Noemi Klein

The Guardian

"Muitos de nosso povo estão adorando um falso ídolo mais uma vez." Fotografia: Thalia Juarez/The Guardian

Tradução / Tenho pensado em Moisés e em sua ira quando desceu do monte e encontrou os israelenses adorando um bezerro de ouro. A ecofeminista em mim sempre se sentiu incomodada com esta história: que tipo de Deus tem ciúmes dos animais? Que tipo de Deus quer acumular toda a sacralidade da Terra para si mesmo?

Mas há uma forma menos literal de entender esta história. Trata-se dos falsos ídolos. É sobre a tendência humana de adorar o profano e reluzente, de olhar para o pequeno e material em vez do grande e transcendente.

O que eu quero dizer a vocês esta noite, neste revolucionário e histórico Seder nas ruas, é que muitos de nossa gente estão adorando um falso ídolo mais uma vez. Eles estão extasiados com ele. Embriagados por ele. Profanados por ele.

Esse falso ídolo chama-se "sionismo".

É um falso ídolo que pega nossas histórias bíblicas mais profundas de justiça e emancipação da escravidão – a própria história da Páscoa judaica – e as transforma em armas brutais de roubo colonial de terras, em roteiros para a limpeza étnica e o genocídio.

É um falso ídolo que se apoderou da ideia transcendente da terra prometida – uma metáfora da libertação humana que chegou a todos os cantos do mundo por meio de diversas religiões – e ousou transformá-la num contrato de compra e venda de um etnoestado militarista.

A própria versão de libertação do sionismo político é profana. Desde o início, exigiu a expulsão em massa dos palestinos de suas casas e terras ancestrais na Nakba.

Desde o início, tem estado em guerra com sonhos de libertação. Vale a pena lembrar que, num Seder, isso inclui os sonhos de libertação e autodeterminação do povo egípcio. Este falso ídolo do sionismo equipara a segurança israelense à ditadura egípcia e aos Estados clientes.

Desde o início, produziu um tipo de liberdade feia que via as crianças palestinas não como seres humanos mas como ameaças demográficas – tal como o faraó do Livro do Êxodo que temia a população crescente de israelenses e, por isso, ordenou a morte de seus filhos.

O sionismo trouxe-nos ao atual momento de cataclismo e é tempo de dizermos claramente: foi sempre ele que nos conduziu até aqui.

É um falso ídolo que conduziu muitos de nossa própria gente a um caminho profundamente imoral que os leva agora a justificar a destruição de mandamentos fundamentais: não matarás. Não roubarás. Não cobiçarás.

É um falso ídolo que equipara a liberdade judaica a bombas de fragmentação que matam e mutilam crianças palestinas.

O sionismo é um falso ídolo que traiu todos os valores judaicos, incluindo o valor que atribuímos ao questionamento – uma prática incorporada no Seder com suas quatro perguntas feitas pela criança mais nova. Incluindo o amor que temos, enquanto povo, pelo texto e pela educação.

Hoje, este falso ídolo justifica o bombardeio de todas as universidades de Gaza; a destruição de inúmeras escolas, arquivos, tipografias; o assassinato de centenas de acadêmicos, jornalistas, poetas – é isto a que os palestinos chamam escolasticídio, o assassinato dos meios de educação.

Enquanto isso, nesta cidade, as universidades chamam a polícia de Nova Iorque e fecham-se a si mesmas contra a grave ameaça que representam seus próprios estudantes que se atrevem a fazer-lhes perguntas básicas, tais como: como podem afirmar que acreditam em alguma coisa, muito menos em nós, enquanto permitem, investem e colaboram com este genocídio?

Há muito tempo que se permite que o falso ídolo do Sionismo cresça sem controle. Por isso, esta noite dizemos: isto acaba aqui. Nosso judaísmo não pode ser contido por um etnoestado, pois o nosso judaísmo é internacionalista por natureza.

Nosso judaísmo não pode ser protegido pelas forças armadas em fúria desse Estado, pois tudo o que essas forças armadas fazem é semear a tristeza e colher o ódio – incluindo contra nós, judeus.

Nosso judaísmo não é ameaçado pelas pessoas que erguem suas vozes em solidariedade com a Palestina, ultrapassando as fronteiras de raça, etnia, capacidade física, identidade de gênero e geracionais.

Nosso judaísmo é uma dessas vozes e sabe que nesse coro repousa tanto nossa segurança como nossa libertação coletiva.

Nosso judaísmo é o judaísmo do Seder da Páscoa: a reunião cerimonial para partilhar a comida e o vinho com entes queridos e com estranhos, o ritual que é inerentemente portátil, suficientemente leve para ser carregado em nossas costas, não necessitando de nada a não ser uns dos outros: sem paredes, sem templo, sem rabino, um papel para cada um de nós, até mesmo – especialmente – da menor criança. O Seder é uma tecnologia da diáspora, se é que alguma vez existiu uma, feita para o luto coletivo, a contemplação, o questionamento, a recordação e o reavivar do espírito revolucionário.

Por isso, olhem ao redor. Este aqui é o nosso judaísmo. Quando as águas sobem e as florestas queimam e nada é certo, rezamos no altar da solidariedade e da ajuda mútua, custe o que custar.

Não precisamos nem queremos o falso ídolo do sionismo. Queremos ser livres do projeto que comete genocídio em nosso nome. Livres de uma ideologia que não tem qualquer plano para a paz, a não ser acordos com petroestatos teocráticos assassinos na vizinhança, enquanto vende ao mundo tecnologias de assassinatos por robôs.

Nós procuramos libertar o judaísmo de um etnoestato que quer que os judeus tenham medo para sempre, que quer que nossos filhos tenham medo, que quer que acreditemos que o mundo está contra nós, para que, dessa forma, corramos para sua fortaleza e para debaixo de sua cúpula de ferro, ou ao menos para que as armas e os donativos continuem fluindo.

Esse é o falso ídolo. E não é apenas Benjamin Netanyahu, é o mundo que ele criou e que o criou - é o Sionismo.

O que nós somos? Nós, nestas ruas por muitos meses, somos o êxodo. O êxodo do Sionismo. E aos Chuck Schumers deste mundo, nós não dizemos: "Deixem nosso povo ir". Nós dizemos: "Nós já fomos. E seus filhos? Eles estão conosco agora."

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