29 de abril de 2024

Tributação de super-ricos é necessária para combater desigualdade global

Imposto sobre bilionários geraria recursos para educação, infraestrutura e meio ambiente e impulsionaria justiça social

VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)

[RESUMO] Ministros da África do Sul, da Alemanha, da Espanha e do Brasil defendem que a criação de um tributo mínimo global sobre bilionários, hoje beneficiados por brechas que reduzem sua contribuição, constituiria um passo significativo na direção de sistemas tributários que proporcionem segurança e receitas suficientes e tratem todos os cidadãos de forma justa.

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Quando os dirigentes do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional se reuniram para as reuniões de primavera na terceira semana de abril, o que se debateu foram realmente as grandes questões.

O que a comunidade internacional pode fazer para acelerar a descarbonização e combater as mudanças climáticas? Como os países com grandes dívidas podem manter espaço fiscal para investir na erradicação da pobreza, nos serviços sociais e nos bens públicos globais? O que a comunidade internacional precisa fazer para voltar ao caminho em direção dos ODSs (objetivos de desenvolvimento sustentável)? Como os bancos multilaterais de desenvolvimento podem ser fortalecidos para apoiar essas ambições?

Ministros da Fazenda durante evento da Reunião Anual de Primavera do Banco Mundial e do FMI em Washington - Ken Cedeno - 19.abr.24/Reuters

Há uma questão que torna muito mais difícil lidar com esses desafios globais: a desigualdade. Embora a disparidade entre os países mais ricos e mais pobres tenha diminuído ligeiramente, a distância permanece grande de forma alarmante.

Além disso, nas últimas duas décadas, testemunhamos um aumento significativo na desigualdade dentro da maioria dos países, com a disparidade de renda entre os 10% mais ricos e os 50% mais pobres quase dobrando. Olhando para o futuro, as tendências econômicas globais atuais representam sérias ameaças ao progresso em direção a uma maior igualdade.

O caráter multidimensional da desigualdade é inegável. Serviços básicos como saúde e educação não estão igualmente disponíveis para todos. Frequentemente, a desigualdade de oportunidades é transmitida de geração em geração. Origens sociais, gênero, raça ou local de residência são alguns dos fatores que desempenham um papel na reprodução das desigualdades.

Além disso, o alto nível de desigualdade prejudica o desenvolvimento econômico porque inibe a inovação e impede que as pessoas desenvolvam seu pleno potencial. Ela é corrosiva para a democracia e enfraquece a coesão social. Onde a coesão social é fraca, há menos apoio para as reformas estruturais que precisaremos empreender nos próximos anos, como a transformação necessária em direção a uma economia que neutralize as emissões de carbono.

De forma positiva, há uma crescente conscientização global sobre a importância não apenas do crescimento, mas do crescimento sustentável e equitativo. Aumentar a prosperidade enquanto enfrentamos a desigualdade —dentro e entre países e gerações, incluindo desigualdades raciais e de gênero enraizadas— não deveria ser um conflito. Alcançar um crescimento verdadeiramente sustentável reside em equilibrar três preocupações fundamentais: econômica, social e ambiental.

É neste contexto que o Brasil elegeu como prioridade de sua presidência no G20 a luta contra a fome, a pobreza e a desigualdade, uma prioridade que também é perseguida pela política de desenvolvimento da Alemanha e que a Espanha aborda de forma ambiciosa tanto nacional quanto globalmente.

A África do Sul, por sua vez, continua a buscar uma agenda fiscal e tributária progressiva que enfrenta o legado e a realidade persistente de profunda desigualdade no país. Ao direcionar até dois terços do total de gastos em serviços sociais e programas de complementação de renda, além de calibrar a administração da política tributária em direção à eficácia e à justiça, a África do Sul está firmemente empenhada em combater a desigualdade de riqueza em casa e no exterior.

É hora da comunidade internacional levar a sério o combate à desigualdade e o financiamento de bens públicos globais. Um dos instrumentos-chave que os governos têm para promover mais igualdade é a política tributária. Ela tem o potencial não só de aumentar o espaço fiscal que os governos têm para investir em proteção social, educação e proteção climática. Projetada de forma progressiva, ela também pode garantir que todos na sociedade contribuam para o bem comum de acordo com sua capacidade de pagamento. Uma contribuição justa aumenta o bem-estar social.

Com esses objetivos em mente, o Brasil trouxe para a mesa de negociações das principais economias do mundo, pela primeira vez, uma proposta para um tributo mínimo global sobre bilionários. É um terceiro pilar necessário que complementa as negociações sobre a tributação da economia digital e sobre um imposto mínimo de 15% sobre o lucro das multinacionais.

O renomado economista Gabriel Zucman esboçou como isso poderia funcionar. Atualmente, existem cerca de 3.000 bilionários em todo o mundo. O imposto poderia ser projetado como uma contribuição mínima equivalente a 2% da riqueza dos super-ricos. Não se aplicaria aos bilionários que já contribuem com uma parcela justa na forma de impostos sobre a renda. No entanto, aqueles que conseguem evitar pagar Imposto de Renda seriam obrigados a contribuir mais para o bem comum.

O argumento por trás de tal imposto é simples e direto: precisamos aumentar a capacidade de nossos sistemas tributários de cumprir o princípio de justiça, de modo que as contribuições estejam de acordo com a capacidade de pagamento. Brechas perenes no sistema implicam que indivíduos de alta renda podem minimizar seus impostos sobre a renda. Bilionários globais pagam apenas o equivalente a até 0,5% de sua riqueza em Imposto de Renda pessoal. É crucial garantir que nossos sistemas tributários proporcionem segurança, receitas suficientes e tratem todos os nossos cidadãos de forma justa.

Um tributo mínimo globalmente coordenado sobre bilionários constituiria um passo significativo nessa direção. Ele impulsionaria a justiça social e aumentaria a confiança na eficácia da redistribuição fiscal. Geraria receitas muito necessárias para os governos investirem em bens públicos como saúde, educação, meio ambiente e infraestrutura —dos quais todos se beneficiam, inclusive aqueles no topo da pirâmide de renda.

Estimativas sugerem que tal contribuição poderia potencialmente angariar uma receita adicional de US$ 250 bilhões globalmente —este é, aproximadamente, o custo dos danos econômicos causados por eventos climáticos extremos no ano passado.

Não se despreza a força do argumento de que os bilionários podem facilmente transferir suas fortunas para jurisdições com baixa tributação e, assim, evitar contribuir. É justamente por tal razão que essa reforma tributária pertence à agenda do G20. A cooperação internacional e os acordos globais são fundamentais para tornar esse tributo eficaz. O que a comunidade internacional conseguiu fazer com o imposto mínimo global sobre empresas multinacionais pode fazer com os bilionários.

Combater a desigualdade requer compromisso político —um compromisso com os objetivos de uma cooperação tributária internacional inclusiva, justa e eficaz. Certamente, isso precisa ser acompanhado por abordagens muito mais amplas que reduzam não apenas a desigualdade de riqueza, mas também as desigualdades sociais e de carbono.

Os desafios que estão pela frente são enormes, mas estamos prontos para nos engajar em ações multilaterais coordenadas para enfrentá-los.

Svenja Schulze
Ministra da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento da Alemanha

Fernando Haddad
Ministro da Fazenda do Brasil

Enoch Godongwana
Ministro da Fazenda da África do Sul

Carlos Cuerpo
Ministro de Economia, Comércio e Empresas da Espanha

Maria Jesús Montero
Ministra da Fazenda da Espanha

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