Ele passou grande parte de sua vida e toda a sua carreira política se preparando para um capítulo como este.
Frank Bruni
The New York Times
Damon Winter/The New York Times |
O primeiro ex-presidente americano a ser julgado é agora o primeiro ex-presidente americano a ser condenado por um crime. Esses marcos deveriam ser lápides. Um mortal normal não ressuscita dessa sepultura política.
Mas Donald Trump? Eu consigo imaginá-lo saindo do cemitério e indo direto para a Casa Branca. Eu consigo imaginar que "culpado" é apenas um obstáculo no caminho. Eu até consigo imaginar que isso é um impulso para ele, como foi quando veio a acusação.
O ex-presidente Donald Trump sai do tribunal em Nova York onde foi considerado culpado no caso que envolvia um pagamento a uma atriz pornô - Justin Lane - 30.mai.24/Reuters
Isso porque ele passou grande parte de sua vida e toda a sua carreira política se preparando para um capítulo como o atual —construindo cuidadosamente e repetindo incessantemente uma narrativa na qual há forças querendo prejudicá-lo que usarão qualquer truque necessário e que fazem acusações que nunca, jamais devem ser levadas a sério.
Há muito tempo perdi a conta das vezes em que a frase "caça às bruxas" saiu de seus lábios ou de seu teclado. O mesmo vale para "fraudado". Quando fazia isso, ele não estava apenas desabafando. Ele estava se preparando, um contador de histórias amoral insistindo em uma história e em uma moral diferentes daquelas que as figuras nefastas do establishment estavam vendendo. Trump percebeu que chamar a atenção das pessoas poderia levá-lo apenas até certo ponto, enquanto controlar suas realidades poderia permitir que ele se safasse de qualquer coisa.
Ou não. Não há precedentes para o que acabou de acontecer em uma sala de um tribunal em Manhattan, onde o júri o considerou culpado de todas as 34 acusações, nem para este momento na vida política americana. Não há como saber como isso se desenrolará. Diversas pesquisas eleitorais nos últimos meses previram problemas para Trump se as deliberações do júri terminassem como terminaram —com sua condenação.
Em uma pesquisa da ABC News/Ipsos divulgada no início de maio, 16% dos entrevistados que se identificaram como apoiadores de Trump disseram que reconsiderariam seu apoio se ele fosse condenado por um crime, enquanto 4% disseram que não o apoiariam mais. Esse último grupo, por si só, poderia ser grande o suficiente para dar a vitória para o Presidente Joe Biden em uma corrida tão acirrada como esta parece ser.
Mas esses eleitores estavam falando hipoteticamente —antes de saberem quaisquer detalhes das deliberações do júri, antes que o evento em questão realmente acontecesse, antes que Trump tivesse a chance de ressignificar o resultado, como ele fará furiosa e escandalosamente nos próximos dias e semanas.
Ele já começou a fazer isso na manhã de quarta-feira (29), logo após o Juiz Juan Merchan dar suas instruções finais aos jurados. Trump reclamou, do lado de fora do tribunal, que "nem mesmo a Madre Teresa poderia derrotar essas acusações" diante da atuação de Merchan. Trump chamou o juiz de "corrupto". "Essas acusações são manipuladas", ele disse. "Tudo isso é manipulado."
Mais tarde na quarta-feira, ele foi para o Truth Social: "EU NEM SEI QUAIS SÃO AS ACUSAÇÕES NESTE CASO MANIPULADO", ele berrou, tipograficamente falando, enquanto o júri deliberava. "TENHO DIREITO À ESPECIFICIDADE ASSIM COMO QUALQUER OUTRA PESSOA. NÃO HÁ CRIME!"
Os jurados determinaram o contrário, mas eu nunca acreditei na ideia de que os apoiadores abandonariam Trump se ele fosse condenado. Não fazia e não faz sentido. Eles não se afastaram dele por conta de dois impeachments, do seu papel desprezível na invasão de 6 de janeiro de 2021, dos seus ataques vergonhosos contra quem o desafia e contra tudo que está em seu caminho, da sua podridão contínua e generalizada. E devo acreditar agora que o julgamento subjetivo de 12 nova-iorquinos decidindo se confiam em uma série de testemunhas pitorescas (para dizer o mínimo) e navegando em um mar de juridiquês gerará um divórcio político?
A teoria, pelo que entendo, é que esses apoiadores não conseguiriam superar suas sensibilidades de ver em uma mesma frase "criminoso" e "presidente", "condenado" e "comandante em chefe". Seria muita perversidade. Mas isso também não faz sentido: Trump tem queimado tradições e explodido normas desde que declarou sua campanha presidencial em 2016. Essa terra arrasada é solo fértil para ignorar esse veredito de culpado. Sob seu constante estímulo, uma grande parte do eleitorado já abandonou o que seria correto e dispensou toda a etiqueta política há algum tempo.
E, de qualquer maneira, grandes partes do eleitorado são imutáveis nos dias de hoje. Eles escolheram sua tribo, aperfeiçoaram seu tribalismo e decidiram que, independentemente dos pontos fracos ou fichas criminais de seus líderes, os ideólogos e criminosos do outro lado são piores. É por isso que os verdadeiros eleitores indecisos são escassos e a divisão de votos, rara (embora haja relatos este ano de seu ressurgimento). E é parte do motivo pelo qual Trump provavelmente não está acabado.
A probabilidade de sua sobrevivência política é refletida na falta de deserções em sua equipe desde que ficou claro que o julgamento de Manhattan começaria e terminaria bem antes das eleições, em novembro. Seus aliados e cúmplices sempre souberam que sua condenação era uma possibilidade real, mas poucos, se é que algum, correram para se proteger. Poucos colocaram sequer alguns centímetros extras de distância entre si e Trump.
Os puxa-sacos que disputam a vaga de vice se humilharam de forma não menos pública ou patética. O presidente da Câmara apareceu em seu julgamento. Outros membros republicanos do Congresso repetiram obedientemente sua mensagem de martírio e tentaram desviar o foco do comportamento de Trump para Joe Biden, para Hunter Biden, para Alejandro Mayorkas. Se estavam preocupados com o iminente fim da viabilidade política de Trump, certamente fizeram uma farsa magistral em contrário.
E Trump? Ele levou sua hipérbole e histrionismo a novos patamares, afirmando erroneamente na semana passada que o governo Biden havia autorizado seu assassinato quando agentes federais invadiram Mar-a-Lago em busca dos documentos confidenciais que Trump mantinha lá. Com um veredito iminente, Trump estava lembrando a seus apoiadores e repetindo a lição: Eu sou a caça. Eu sou a vítima. Meus predadores são implacáveis. Essa é a única maneira de entender o que está acontecendo. Esse é o único prisma que importa.
Ele os convenceu disso até aqui. Por que isso mudaria agora, especialmente quando teve a sorte de que a acusação criminal menos condenatória e menos convincente das quatro a que responde tenha sido a primeira a ser julgada (e quase certamente a única a ir a julgamento antes das eleições)? É o caso que mais facilmente pode ser apresentado como uma reação exagerada —muito barulho por nada.
Agora, muita coisa vai depender do comportamento de Trump em sua fúria. O julgamento minou suas habituais proclamações de superpotência; ao resmungar, encolher-se e cochilar na mesa do réu, acentuou sua própria idade e enfatizou sua vulnerabilidade. Se ele parecer aterrorizado à medida que a ficha do veredito cair e os recursos começam, isso poderia diminuir sua estatura entre seus eleitores menos fanáticos. E se seus apoiadores reagirem à sua condenação com um repeteco do caos e violência de 6 de janeiro, os eleitores poderiam decidir que o show de Trump é uma produção explosiva demais.
Mas o julgamento e sua conclusão se encaixam perfeitamente na visão de "Trump contra o mundo" que ele promoveu de forma tão assertiva, tão contínua e, como sua posição firme no topo do Partido Republicano demonstra, tão bem-sucedida. De fato, o objetivo de promover essa narrativa era a imunização contra circunstâncias potencialmente devastadoras como o veredicto desta quinta-feira (30).
Aos olhos de muitos eleitores, seu julgamento prova sua perseguição. É tanto uma afirmação quanto uma condenação. E é ainda mais uma razão para que ele, e para que eles, sigam em frente.
Há muito tempo perdi a conta das vezes em que a frase "caça às bruxas" saiu de seus lábios ou de seu teclado. O mesmo vale para "fraudado". Quando fazia isso, ele não estava apenas desabafando. Ele estava se preparando, um contador de histórias amoral insistindo em uma história e em uma moral diferentes daquelas que as figuras nefastas do establishment estavam vendendo. Trump percebeu que chamar a atenção das pessoas poderia levá-lo apenas até certo ponto, enquanto controlar suas realidades poderia permitir que ele se safasse de qualquer coisa.
Ou não. Não há precedentes para o que acabou de acontecer em uma sala de um tribunal em Manhattan, onde o júri o considerou culpado de todas as 34 acusações, nem para este momento na vida política americana. Não há como saber como isso se desenrolará. Diversas pesquisas eleitorais nos últimos meses previram problemas para Trump se as deliberações do júri terminassem como terminaram —com sua condenação.
Em uma pesquisa da ABC News/Ipsos divulgada no início de maio, 16% dos entrevistados que se identificaram como apoiadores de Trump disseram que reconsiderariam seu apoio se ele fosse condenado por um crime, enquanto 4% disseram que não o apoiariam mais. Esse último grupo, por si só, poderia ser grande o suficiente para dar a vitória para o Presidente Joe Biden em uma corrida tão acirrada como esta parece ser.
Mas esses eleitores estavam falando hipoteticamente —antes de saberem quaisquer detalhes das deliberações do júri, antes que o evento em questão realmente acontecesse, antes que Trump tivesse a chance de ressignificar o resultado, como ele fará furiosa e escandalosamente nos próximos dias e semanas.
Ele já começou a fazer isso na manhã de quarta-feira (29), logo após o Juiz Juan Merchan dar suas instruções finais aos jurados. Trump reclamou, do lado de fora do tribunal, que "nem mesmo a Madre Teresa poderia derrotar essas acusações" diante da atuação de Merchan. Trump chamou o juiz de "corrupto". "Essas acusações são manipuladas", ele disse. "Tudo isso é manipulado."
Mais tarde na quarta-feira, ele foi para o Truth Social: "EU NEM SEI QUAIS SÃO AS ACUSAÇÕES NESTE CASO MANIPULADO", ele berrou, tipograficamente falando, enquanto o júri deliberava. "TENHO DIREITO À ESPECIFICIDADE ASSIM COMO QUALQUER OUTRA PESSOA. NÃO HÁ CRIME!"
Os jurados determinaram o contrário, mas eu nunca acreditei na ideia de que os apoiadores abandonariam Trump se ele fosse condenado. Não fazia e não faz sentido. Eles não se afastaram dele por conta de dois impeachments, do seu papel desprezível na invasão de 6 de janeiro de 2021, dos seus ataques vergonhosos contra quem o desafia e contra tudo que está em seu caminho, da sua podridão contínua e generalizada. E devo acreditar agora que o julgamento subjetivo de 12 nova-iorquinos decidindo se confiam em uma série de testemunhas pitorescas (para dizer o mínimo) e navegando em um mar de juridiquês gerará um divórcio político?
A teoria, pelo que entendo, é que esses apoiadores não conseguiriam superar suas sensibilidades de ver em uma mesma frase "criminoso" e "presidente", "condenado" e "comandante em chefe". Seria muita perversidade. Mas isso também não faz sentido: Trump tem queimado tradições e explodido normas desde que declarou sua campanha presidencial em 2016. Essa terra arrasada é solo fértil para ignorar esse veredito de culpado. Sob seu constante estímulo, uma grande parte do eleitorado já abandonou o que seria correto e dispensou toda a etiqueta política há algum tempo.
E, de qualquer maneira, grandes partes do eleitorado são imutáveis nos dias de hoje. Eles escolheram sua tribo, aperfeiçoaram seu tribalismo e decidiram que, independentemente dos pontos fracos ou fichas criminais de seus líderes, os ideólogos e criminosos do outro lado são piores. É por isso que os verdadeiros eleitores indecisos são escassos e a divisão de votos, rara (embora haja relatos este ano de seu ressurgimento). E é parte do motivo pelo qual Trump provavelmente não está acabado.
A probabilidade de sua sobrevivência política é refletida na falta de deserções em sua equipe desde que ficou claro que o julgamento de Manhattan começaria e terminaria bem antes das eleições, em novembro. Seus aliados e cúmplices sempre souberam que sua condenação era uma possibilidade real, mas poucos, se é que algum, correram para se proteger. Poucos colocaram sequer alguns centímetros extras de distância entre si e Trump.
Os puxa-sacos que disputam a vaga de vice se humilharam de forma não menos pública ou patética. O presidente da Câmara apareceu em seu julgamento. Outros membros republicanos do Congresso repetiram obedientemente sua mensagem de martírio e tentaram desviar o foco do comportamento de Trump para Joe Biden, para Hunter Biden, para Alejandro Mayorkas. Se estavam preocupados com o iminente fim da viabilidade política de Trump, certamente fizeram uma farsa magistral em contrário.
E Trump? Ele levou sua hipérbole e histrionismo a novos patamares, afirmando erroneamente na semana passada que o governo Biden havia autorizado seu assassinato quando agentes federais invadiram Mar-a-Lago em busca dos documentos confidenciais que Trump mantinha lá. Com um veredito iminente, Trump estava lembrando a seus apoiadores e repetindo a lição: Eu sou a caça. Eu sou a vítima. Meus predadores são implacáveis. Essa é a única maneira de entender o que está acontecendo. Esse é o único prisma que importa.
Ele os convenceu disso até aqui. Por que isso mudaria agora, especialmente quando teve a sorte de que a acusação criminal menos condenatória e menos convincente das quatro a que responde tenha sido a primeira a ser julgada (e quase certamente a única a ir a julgamento antes das eleições)? É o caso que mais facilmente pode ser apresentado como uma reação exagerada —muito barulho por nada.
Agora, muita coisa vai depender do comportamento de Trump em sua fúria. O julgamento minou suas habituais proclamações de superpotência; ao resmungar, encolher-se e cochilar na mesa do réu, acentuou sua própria idade e enfatizou sua vulnerabilidade. Se ele parecer aterrorizado à medida que a ficha do veredito cair e os recursos começam, isso poderia diminuir sua estatura entre seus eleitores menos fanáticos. E se seus apoiadores reagirem à sua condenação com um repeteco do caos e violência de 6 de janeiro, os eleitores poderiam decidir que o show de Trump é uma produção explosiva demais.
Mas o julgamento e sua conclusão se encaixam perfeitamente na visão de "Trump contra o mundo" que ele promoveu de forma tão assertiva, tão contínua e, como sua posição firme no topo do Partido Republicano demonstra, tão bem-sucedida. De fato, o objetivo de promover essa narrativa era a imunização contra circunstâncias potencialmente devastadoras como o veredicto desta quinta-feira (30).
Aos olhos de muitos eleitores, seu julgamento prova sua perseguição. É tanto uma afirmação quanto uma condenação. E é ainda mais uma razão para que ele, e para que eles, sigam em frente.
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