Hicham Safieddine
Jacobin
O marxista libanês Mahdi Amel. (Arquivos do Jornal Assafir) |
Tradução / Com raras exceções, os teóricos não ocidentais do marxismo recebem pouca atenção intelectual. Quando são considerados nos debates ideológicos, tais embates geralmente apresentam seu trabalho como uma prova do universalismo do marxismo, em vez de um meio de transformar o próprio marxismo.
Esse tem sido amplamente o caso do marxista árabe Mahdi Amel, assassinado neste dia, 18 de maio, em 1987. Nascido em 1936, Hassan Hamdan, que mais tarde adotou o pseudônimo Mahdi Amel, era membro do Partido Comunista Libanês e já havia se juntado à liderança nacional do partido quando foi morto.
O legado de Amel experimentou um renascimento durante as revoltas árabes que eclodiram há uma década. Seu trabalho ganhou mais atenção após a tradução de um volume de seus escritos selecionados para o inglês em 2021. No entanto, o interesse por sua filosofia do marxismo e suas implicações para a compreensão do colonialismo em relação ao capitalismo ainda é rudimentar.
Uma leitura materialista histórica de Amel integraria sua contribuição conceitual e prática ao cânone ideológico do marxismo do século XX. Isso requer uma análise sustentada e crítica das suposições, dos argumentos e das conclusões de sua filosofia em comparação e contraste com o marxismo europeu, bem como com escolas heterodoxas ou radicais do marxismo que surgiram após a Segunda Guerra Mundial, como a teoria da dependência e o capitalismo racial.
Podemos dar um modesto passo nessa direção examinando brevemente sua metodologia e sua aplicação aos principais temas da libertação nacional pós-Segunda Guerra Mundial, incluindo a luta contínua por uma Palestina livre.
Marxismo, colonialismo e metodologia
Amel convocou uma “revolução metodológica” na filosofia marxista para compreender e superar a realidade histórica do colonialismo. Ele se opôs à aplicação do pensamento marxista pré-formado à estrutura social colonial, mas não em nome de algum suposto pensamento pré-capitalista autêntico. Amel rejeitou igualmente formas de análise pós-colonial que descartavam o materialismo histórico junto com seu viés eurocêntrico. Em vez disso, ele trabalhou de maneira dialética para construir uma teoria do marxismo nascida da realidade social colonial e empregada para sua libertação socialista, que ele argumentava ser também a libertação de toda a humanidade.
Mahdi Amel expôs a lógica de sua metodologia, primeiro de forma breve e depois em detalhes, em uma série de ensaios e tratados em livros. Ele então a aplicou a uma ampla gama de fenômenos e forças históricas, incluindo o sectarismo, o Islã, a educação e a cultura revolucionária. Esses escritos estavam em diálogo direto com os debates ideológicos que surgiram em sua época e permanecem relevantes para a nossa.
Embora os textos de Amel possam ser densos e às vezes repetitivos, seu raciocínio era direto. A discussão de Karl Marx sobre o colonialismo era incidental à sua análise geral do capitalismo. Dado o contexto histórico de Marx na Europa capitalista e sua ignorância das condições socioeconômicas dos países colonizados, ele era incapaz de avaliar plenamente o colonialismo e incorporá-lo em sua teoria do capitalismo.
A realidade histórica dos povos colonizados é o inverso da experimentada por Marx. Seu encontro com o capitalismo foi incidental ou mediado pelo colonialismo. A colonização, nas palavras de Amel, “cortou o fio da continuidade” em sua história e “enviou através dela tremores violentos”. Ele acreditava que esses tremores alcançavam até as camadas das relações de produção, pois a base material para a produção pré-capitalista foi destruída enquanto a base material para a industrialização foi negada. Em outras palavras, a diferença entre as formações sociais capitalistas e coloniais não diz respeito apenas ao nível ou à escala de produção, mas a toda a estrutura de produção.
Para Amel, segue-se desse ponto que a relação colonial, que é abrangente, em vez de puramente econômica, é a contradição fundamental nas sociedades colonizadas e que o colonialismo é a “base objetiva para a estrutura social do país colonizado”. Consequentemente, o colonialismo não termina com o fim da ocupação militar ou com a obtenção da independência política, mas com a ruptura total dessa relação em um processo de transição violenta e revolucionária para o socialismo.
A investigação de Amel ao longo dessas linhas resultou no conceito de modo de produção colonial (CMOP), que ele definiu como “a forma de capitalismo estruturalmente dependente do imperialismo em sua formação histórica e desenvolvimento contemporâneo”. As observações destiladas de Marx sobre o colonialismo forneceram a Amel uma base teórica sólida para desenvolver seu modelo. Em cada etapa, Amel baseou-se nos comentários relevantes de Marx e identificou princípios fundamentais.
Por exemplo, Amel confiou na referência de Marx à “fusão” dos modos de produção e na descrição de Vladimir Lenin sobre diferentes modos coexistindo em um único espaço social para apoiar a ideia de um modo de produção colonial como uma fusão dos modos de produção capitalista e pré-capitalista sob a rubrica da conquista colonial; distinto de ambos, portanto. Essa metodologia manteve a lógica e os conceitos marxianos, como formação de classe, luta de classes, capitalização e consciência de classe, mas tentou elucidar sua forma histórica específica em um cenário colonial.
Colonialismo e luta de classes
A teorização de Amel levou-o a concluir que o processo de formação de classes sob um CMOP é caracterizado pela falta de diferenciação de classes. Devido à inibição estrutural da indústria em grande escala, a burguesia colonial é necessariamente mercantil, e não industrial. Pequenos fabricantes, nesse contexto, constituem uma facção da pequena burguesia, cujos membros ocasionalmente se envolvem em finanças em escala semelhante. Essa aparente diversidade na atividade econômica não se deve a algum “excesso de energia” dessa classe social, mas sim às limitações na concentração da produção.
Essas relações econômicas de produção restritas tiveram implicações políticas. Ligada em sua própria existência de classe à sua contraparte colonialista ou capitalista, a burguesia colonial é incapaz de realizar uma revolução política e estabelecer uma democracia liberal na forma burguesa europeia. A instabilidade do governo em países colonizados é, portanto, resultado da estabilidade da estrutura social colonial, e não um reflexo de inclinações orientalistas para o governo militar ou para a ditadura.
Um caso extremo da falta de diferenciação de classes é a fusão das duas facções sociais, comerciantes urbanos ligados ao comércio exterior e proprietários de terras que direcionam sua produção agrícola para o comércio colonial. Essa fusão nega a existência de uma burguesia nacional, geralmente associada a industriais, ou de uma classe feudal, geralmente associada a uma aliança colonial.
Da mesma forma, o processo de proletarização das massas trabalhadoras da colônia — principalmente camponeses — nunca é completo no nível econômico ou social. Dada a centralidade da terra na produção agrícola colonial, que se concentra em culturas de rendimento e trabalho extrativo, os camponeses são a classe superexplorada sob o CMOP.
Quando os camponeses migram para centros urbanos em busca de alívio no emprego, raramente, segundo Amel, experimentam uma transformação radical em termos de existência e consciência de classe. Embora inseridos em uma nova posição de classe que envolve a indústria de consumo em pequena escala, eles preservam suas conexões de classe anteriores e retêm grande parte de sua consciência de classe passada, transitando entre as duas posições com facilidade.
Amel descreveu o padrão no Líbano:
O trabalhador retorna à sua aldeia sempre que possível, para feriados, férias e funerais. Dessa forma, sua aldeia torna-se seu centro de gravidade e exerce sobre ele uma atração mais forte do que a da cidade. No final, ele anseia pela terra que deixou e exige ser enterrado lá, lar de seus ancestrais.
Amel alertou que a ausência de diferenciação de classes não significa que a luta de classes esteja ausente no contexto colonial, como as forças nacionalistas poderiam sugerir. Tampouco significa que a questão nacional seja insignificante, como alguns marxistas anti-imperialistas ou internacionalistas poderiam afirmar. Dada a relação indireta de exploração sob um CMOP governado pela relação colonial, a luta de classes é direcionada contra uma estrutura de dependência e dominação, não contra outra classe social. Isso significa que a revolução socialista em sociedades colonizadas é sinônima de libertação nacional:
A luta pela libertação nacional é a única forma histórica que distingue a luta de classes na formação colonial. Quem perde esse ponto essencial no movimento da nossa história moderna e tenta substituir a luta de classes pela “luta nacionalista” ou reduz a luta nacional a uma luta puramente econômica perde a capacidade de entender nossa realidade histórica e, assim, também de controlar sua transformação.
Amel evitou que sua filosofia caísse no determinismo ou no economicismo ao situar sua análise estrutural em uma perspectiva histórica enquanto teorizava a luta de classes.
Ele enfatizou a natureza da consciência de classe como uma força histórica de formação e resistência de classe. Argumentou que, antes da Segunda Guerra Mundial, as formas setoriais e econômicas de luta por diferentes facções das massas trabalhadoras, independentes umas das outras, impediam sua própria formação como classe. O período pós-1945 viu essas lutas convergirem em uma luta política mais ampla pela libertação do colonialismo.
Naquele momento, a relação colonial tornou-se mutuamente constitutiva das sociedades colonizadoras e colonizadas. É necessário romper essa relação para transcender e, assim, destruir tanto as estruturas sociais capitalistas quanto coloniais.
A ascensão global do neoliberalismo na década de 1970 precipitou uma virada conservadora e culturalista em toda a região árabe. O trabalho intelectual de Amel focou em questões pertinentes de cultura e no crescente papel da religião, nomeadamente o Islã, na política.
Em contraste com outros esquerdistas ou secularistas árabes, como Sadiq Jalal al-Azm e Adonis, o pensamento de Amel não caiu em tropos orientalistas. Ele contrariou a ideologia da derrota que atribuía a perda árabe na guerra de 1967 com Israel a fatores culturais, em vez de militares, e criticou a burguesia árabe por retratar suas próprias falhas políticas como falhas universais da civilização e do patrimônio cultural árabe.
Para Amel, turath ou patrimônio cultural, era em si um problema de interpretação do passado por um presente colonial, em vez de um problema pré-colonial que persistia no mundo contemporâneo. Ao mesmo tempo, Amel evitou perspectivas absolutistas em relação ao Islã, do tipo encontrado em polêmicas seculares ou comunistas que viam o Islã como inerentemente reacionário.
O Islã e o pensamento revolucionário
Até a década de 1980, a virada culturalista levou ao surgimento do que Amel chamou de pensamento “cotidiano”. Ele alertou contra esse novo discurso que despolitizava a luta social ao ignorar o papel da geopolítica, das forças estruturais da história e dos interesses de classe como motivações em conflitos sectários ou regionais.
Amel desenvolveu críticas a diferentes manifestações dessa nova tendência, algumas das quais ele categorizou como correntes niilistas, obscurantistas ou burguesas islamizadas. Sua denúncia desta última corrente não o levou a descartar o Islã como uma força ontologicamente regressiva em todas as fases da história. Ao contrário de muitos estudiosos da história intelectual islâmica que viam a principal contradição no Islã — ou em qualquer outra religião — como sendo entre fé e ateísmo ou entre pensamento religioso e racional, Amel identificou uma linha divisória entre aqueles que se submetem ao poder e aqueles que o desafiam.
A classificação tradicional dos estudiosos islâmicos pré-capitalistas é um exemplo. A erudição convencional associava o pensamento progressista à razão, exemplificado na figura de Ibn Rushd (Averróis), enquanto atribuía o conservadorismo a filosofias que elevavam a religião ou a crença acima da razão, exemplificado na figura de al-Ghazali. Amel argumentou que tal classificação era simplista e repousava na suposição de que a razão era um monólito.
Ele apontou que se poderia encontrar um único estudioso, como Ibn Khaldun, invocando tanto o raciocínio científico quanto o raciocínio jurídico salafista. Essas formas contraditórias de razão permaneciam dentro de uma lógica ou de um paradigma religioso, o que significava que nunca eram totalmente antitéticas entre si. Como resultado, o pensamento subversivo, conforme expresso no Islã sufista iluminacionista, assumia a forma de rejeição total da razão.
Para Amel, a principal contradição não era entre religião e vida terrena, mas entre dois conceitos de religião: espiritual (sufista) e temporal (jurídico). O Islã espiritual, no entanto, não era atemporal em um sentido metafísico. O Islã, pela força do devir histórico, era temporal e, por extensão, político. O sufismo, ou certas vertentes dele, nega a institucionalização do Islã, que o transformou em um aparato autoritário.
As diferentes manifestações do Islã demonstram, segundo Amel, que o Islã nunca foi uma força singular. Foi a existência material do Islã, e não sua existência transcendente, que determinou seu caráter reacionário ou revolucionário, mesmo que, na estimativa de Amel, ele tenha servido principalmente aos interesses das classes dominantes.
Ele identificou exceções notáveis a essa regra nas sociedades islâmicas pré-capitalistas, que incluíam a revolta contra o terceiro califa “bem guiado”, ‘Uthman Ibn Affan, no período após a morte de Maomé, bem como uma certa fase do governo Qarmata na Arábia. Exemplos modernos que Amel citou do Islã formando parte de uma luta revolucionária na era da libertação nacional incluíam a Guerra de Independência da Argélia e a resistência armada contra Israel.
Revolução, libertação e a causa palestina
O tratamento de Amel sobre a revolução argelina e a resistência a Israel lança luz sobre as particularidades da luta de classes sob o colonialismo, que incluíam o papel de fatores não econômicos, como o racismo e a identidade cultural. No caso da Argélia, Amel observou que a esmagadora maioria dos colonos europeus (artesãos, agricultores, burgueses ou trabalhadores), se opunha à revolução pela libertação nacional.
A classe trabalhadora politizada não era exceção. O distrito operário de Bab el-Oued, em Argel, havia sido apelidado de “bairro vermelho” por servir como base popular do Partido Comunista Argelino. No entanto, após o início da guerra de independência, tornou-se “um refúgio do racismo europeu” e um “centro do terrorismo fascista europeu contra a revolução”.
A mesma lógica anticolonial aplica-se à teorização da luta de classes na Palestina. O chamado sionismo trabalhista era uma ideologia racializada cúmplice na opressão dos trabalhadores e dos camponeses palestinos e, como tal, não pode ser caracterizado como socialista. Em contraste, Amel via a luta palestina pela libertação do colonialismo como uma força de luta de classes revolucionária.
A falha dos partidos comunistas árabes em reconhecer essa distinção e sua disposição em seguir cegamente a diretiva de Moscou levou a liderança desses partidos a apoiar a partição da Palestina em 1948. Eles racionalizaram essa decisão com uma descrição simplista do conflito como uma luta entre trabalhadores, tanto árabes quanto judeus, e uma burguesia mercantil e latifundiária, tanto árabe quanto judia. Isso fez com que o movimento comunista sofresse uma perda de apoio popular nas sociedades árabes.
No caso do Líbano, a revisão do Partido Comunista de sua posição pró-partição no final dos anos 1960 e sua aliança com o movimento de libertação palestino foi uma força radicalizadora que impactou a luta de classes no próprio Líbano. Após a invasão israelense de 1982, Amel ridicularizou os comentaristas de esquerda que minimizavam a importância da resistência armada bem-sucedida contra a ocupação israelense em nome de focar no fortalecimento do estado central libanês em um momento de hegemonia falangista de direita.
A atitude de Israel em relação às facções políticas libanesas e palestinas foi e continua sendo determinada, em última instância, pela decisão desses movimentos de adotar ou rejeitar estratégias de libertação nacional, incluindo a resistência armada, independentemente de sua ideologia ser secular ou religiosa. Para Amel, a importância da resistência armada a Israel e seus aliados deriva da centralidade objetiva da relação colonial na determinação do caráter da luta de classes em um contexto colonial.
Ao contrário de muitos esquerdistas de sua época, Amel foi cuidadoso ao avaliar as forças de resistência islâmicas em relação a essa contradição estrutural, sem ignorar o papel da consciência política (e, portanto, subjetiva) em direcionar essa luta para um horizonte socialista ou progressista. Em 1984, quando forças islâmicas sectárias se rebelaram contra forças cristãs sectárias pró-Israel em Beirute, Amel identificou a significância revolucionária objetiva da vitória militar, ao mesmo tempo em que enfatizou que era incerto se essa vitória apontaria para o fim do sectarismo ou para sua reprodução:
Naquele momento, a relação colonial tornou-se mutuamente constitutiva das sociedades colonizadoras e colonizadas. É necessário romper essa relação para transcender e, assim, destruir tanto as estruturas sociais capitalistas quanto coloniais.
A ascensão global do neoliberalismo na década de 1970 precipitou uma virada conservadora e culturalista em toda a região árabe. O trabalho intelectual de Amel focou em questões pertinentes de cultura e no crescente papel da religião, nomeadamente o Islã, na política.
Em contraste com outros esquerdistas ou secularistas árabes, como Sadiq Jalal al-Azm e Adonis, o pensamento de Amel não caiu em tropos orientalistas. Ele contrariou a ideologia da derrota que atribuía a perda árabe na guerra de 1967 com Israel a fatores culturais, em vez de militares, e criticou a burguesia árabe por retratar suas próprias falhas políticas como falhas universais da civilização e do patrimônio cultural árabe.
Para Amel, turath ou patrimônio cultural, era em si um problema de interpretação do passado por um presente colonial, em vez de um problema pré-colonial que persistia no mundo contemporâneo. Ao mesmo tempo, Amel evitou perspectivas absolutistas em relação ao Islã, do tipo encontrado em polêmicas seculares ou comunistas que viam o Islã como inerentemente reacionário.
O Islã e o pensamento revolucionário
Até a década de 1980, a virada culturalista levou ao surgimento do que Amel chamou de pensamento “cotidiano”. Ele alertou contra esse novo discurso que despolitizava a luta social ao ignorar o papel da geopolítica, das forças estruturais da história e dos interesses de classe como motivações em conflitos sectários ou regionais.
Amel desenvolveu críticas a diferentes manifestações dessa nova tendência, algumas das quais ele categorizou como correntes niilistas, obscurantistas ou burguesas islamizadas. Sua denúncia desta última corrente não o levou a descartar o Islã como uma força ontologicamente regressiva em todas as fases da história. Ao contrário de muitos estudiosos da história intelectual islâmica que viam a principal contradição no Islã — ou em qualquer outra religião — como sendo entre fé e ateísmo ou entre pensamento religioso e racional, Amel identificou uma linha divisória entre aqueles que se submetem ao poder e aqueles que o desafiam.
A classificação tradicional dos estudiosos islâmicos pré-capitalistas é um exemplo. A erudição convencional associava o pensamento progressista à razão, exemplificado na figura de Ibn Rushd (Averróis), enquanto atribuía o conservadorismo a filosofias que elevavam a religião ou a crença acima da razão, exemplificado na figura de al-Ghazali. Amel argumentou que tal classificação era simplista e repousava na suposição de que a razão era um monólito.
Ele apontou que se poderia encontrar um único estudioso, como Ibn Khaldun, invocando tanto o raciocínio científico quanto o raciocínio jurídico salafista. Essas formas contraditórias de razão permaneciam dentro de uma lógica ou de um paradigma religioso, o que significava que nunca eram totalmente antitéticas entre si. Como resultado, o pensamento subversivo, conforme expresso no Islã sufista iluminacionista, assumia a forma de rejeição total da razão.
Para Amel, a principal contradição não era entre religião e vida terrena, mas entre dois conceitos de religião: espiritual (sufista) e temporal (jurídico). O Islã espiritual, no entanto, não era atemporal em um sentido metafísico. O Islã, pela força do devir histórico, era temporal e, por extensão, político. O sufismo, ou certas vertentes dele, nega a institucionalização do Islã, que o transformou em um aparato autoritário.
As diferentes manifestações do Islã demonstram, segundo Amel, que o Islã nunca foi uma força singular. Foi a existência material do Islã, e não sua existência transcendente, que determinou seu caráter reacionário ou revolucionário, mesmo que, na estimativa de Amel, ele tenha servido principalmente aos interesses das classes dominantes.
Ele identificou exceções notáveis a essa regra nas sociedades islâmicas pré-capitalistas, que incluíam a revolta contra o terceiro califa “bem guiado”, ‘Uthman Ibn Affan, no período após a morte de Maomé, bem como uma certa fase do governo Qarmata na Arábia. Exemplos modernos que Amel citou do Islã formando parte de uma luta revolucionária na era da libertação nacional incluíam a Guerra de Independência da Argélia e a resistência armada contra Israel.
Revolução, libertação e a causa palestina
O tratamento de Amel sobre a revolução argelina e a resistência a Israel lança luz sobre as particularidades da luta de classes sob o colonialismo, que incluíam o papel de fatores não econômicos, como o racismo e a identidade cultural. No caso da Argélia, Amel observou que a esmagadora maioria dos colonos europeus (artesãos, agricultores, burgueses ou trabalhadores), se opunha à revolução pela libertação nacional.
A classe trabalhadora politizada não era exceção. O distrito operário de Bab el-Oued, em Argel, havia sido apelidado de “bairro vermelho” por servir como base popular do Partido Comunista Argelino. No entanto, após o início da guerra de independência, tornou-se “um refúgio do racismo europeu” e um “centro do terrorismo fascista europeu contra a revolução”.
A mesma lógica anticolonial aplica-se à teorização da luta de classes na Palestina. O chamado sionismo trabalhista era uma ideologia racializada cúmplice na opressão dos trabalhadores e dos camponeses palestinos e, como tal, não pode ser caracterizado como socialista. Em contraste, Amel via a luta palestina pela libertação do colonialismo como uma força de luta de classes revolucionária.
A falha dos partidos comunistas árabes em reconhecer essa distinção e sua disposição em seguir cegamente a diretiva de Moscou levou a liderança desses partidos a apoiar a partição da Palestina em 1948. Eles racionalizaram essa decisão com uma descrição simplista do conflito como uma luta entre trabalhadores, tanto árabes quanto judeus, e uma burguesia mercantil e latifundiária, tanto árabe quanto judia. Isso fez com que o movimento comunista sofresse uma perda de apoio popular nas sociedades árabes.
No caso do Líbano, a revisão do Partido Comunista de sua posição pró-partição no final dos anos 1960 e sua aliança com o movimento de libertação palestino foi uma força radicalizadora que impactou a luta de classes no próprio Líbano. Após a invasão israelense de 1982, Amel ridicularizou os comentaristas de esquerda que minimizavam a importância da resistência armada bem-sucedida contra a ocupação israelense em nome de focar no fortalecimento do estado central libanês em um momento de hegemonia falangista de direita.
A atitude de Israel em relação às facções políticas libanesas e palestinas foi e continua sendo determinada, em última instância, pela decisão desses movimentos de adotar ou rejeitar estratégias de libertação nacional, incluindo a resistência armada, independentemente de sua ideologia ser secular ou religiosa. Para Amel, a importância da resistência armada a Israel e seus aliados deriva da centralidade objetiva da relação colonial na determinação do caráter da luta de classes em um contexto colonial.
Ao contrário de muitos esquerdistas de sua época, Amel foi cuidadoso ao avaliar as forças de resistência islâmicas em relação a essa contradição estrutural, sem ignorar o papel da consciência política (e, portanto, subjetiva) em direcionar essa luta para um horizonte socialista ou progressista. Em 1984, quando forças islâmicas sectárias se rebelaram contra forças cristãs sectárias pró-Israel em Beirute, Amel identificou a significância revolucionária objetiva da vitória militar, ao mesmo tempo em que enfatizou que era incerto se essa vitória apontaria para o fim do sectarismo ou para sua reprodução:
Ou eles se opõem à forma sectária reacionária de sua consciência ideológica, ou seja, na direção de mudar radicalmente o sistema político sectário de governo pela burguesia dominante, ou eles se alinham com essa mesma consciência sectária reacionária — (mas contra os interesses de classe de suas facções trabalhadoras) — e inclinam-se para a reforma sectária desse sistema. Neste último caso, o sistema recuperaria o fôlego em um movimento que renovaria sua crise e, subsequentemente, as condições para a guerra civil.
Não há uma crise sectária na Palestina semelhante à do Líbano. Mas as principais forças de resistência armada hoje na Palestina e em toda a região são islâmicas em sua ideologia. Analisar essa resistência sem centrar a relação colonial, como Amel mostrou em outros lugares, é um erro metodológico que caracteriza erroneamente seu papel revolucionário como a última etapa da guerra de libertação nacional.
A conjuntura global de libertação nacional do século XX pode ter passado em relação a outras regiões do mundo. A realidade social colonial dos palestinos, no entanto, permanece inalterada, assim como seu direito de resistir por todos os meios necessários. Uma análise marxista que ignora essa contradição primária está destinada a repetir o erro dos primeiros comunistas árabes e, nesse caso, contrariamente à tradição marxista, a segunda versão será tão trágica quanto a primeira.
Colaborador
Hicham Safieddine é professor associado de história na Universidade da Colúmbia Britânica. Ele é o autor de Banking on the State: The Financial Foundations of Lebanon (2019) e editor de Arab Marxism and National Liberation: Selected Writings of Mahdi Amel (2021).
Colaborador
Hicham Safieddine é professor associado de história na Universidade da Colúmbia Britânica. Ele é o autor de Banking on the State: The Financial Foundations of Lebanon (2019) e editor de Arab Marxism and National Liberation: Selected Writings of Mahdi Amel (2021).
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