Matt Huber
Linhas de energia de alta tensão passam ao longo da rede elétrica em 16 de maio de 2024, em West Palm Beach, Flórida. (Joe Raedle/Getty Images) |
Resenha do livro The Price is Wrong: Why Capitalism Won't Save the Planet, de Brett Christophers (Verso, 2024).
Tradução / Nos dias inebriantes de 2018-2020, a política climática sofreu uma mudança acentuada. Com Donald Trump na presidência, e após os fracassos da tecnocracia que precificou o carbono no governo Obama, um movimento se uniu em torno da ideia de um programa de empregos e investimento liderado pelo setor público, denominado New Deal Verde. A referência histórica ao New Deal não foi acidental: este é o período em que o governo dos EUA assumiu um papel central na economia porque os capitalistas se recusaram, em grande parte, a investir. As ideias de livre mercado foram completamente desacreditadas na sequência da depressão econômica e do desemprego em massa.
Crucial para o período subsequente do capitalismo social-democrata foi o papel do governo como investidor. O Estado tinha capacidade fiscal e perspectivas de longo prazo para se envolver no que o historiador Robert D. Leighninger chama de “ investimento público de longo prazo”. Dado que o mundo ainda depende cerca de 80% dos combustíveis fósseis, a questão da descarbonização é em grande parte uma questão de investimento e infraestruturas de longo prazo. Parecia óbvio que o investimento do setor público teria de impulsionar uma transição verde.
No entanto, aqui estamos em 2024 e parece que muitos se esqueceram desta premissa básica do New Deal Verde. Ao assumir o cargo, a administração Biden afirmou que queria adotar um compromisso “de todo o governo” para lidar com a crise climática. Mas, sob a liderança do ex-aluno da BlackRock, Brian Deese, a abordagem centrou o setor privado e não o setor público no desafio do investimento.
Tal abordagem culminou com a Lei de Redução da Inflação (IRA). Apesar de toda a crítica dos funcionários da administração e dos especialistas liberais sobre a política industrial, o IRA se assenta em grande parte na premissa de confiar no setor privado, com generosos créditos fiscais, para fornecer investimentos à escala histórica mundial necessária para a transição verde. Embora alguns possam rotular o IRA de “pós-neoliberal”, ele mantém a fé neoliberal de que os entes privados – sejam consumidores ambientalmente conscientes ou investidores em energia verde – farão as escolhas certas se receberem os incentivos adequados; nenhuma coerção ou planejamento público é necessária.
Neste contexto, o novo livro do geógrafo Brett Christophers, The Price Is Wrong: Why Capitalism Won’t Save the Planet, não poderia ser mais importante. O livro argumenta de forma contundente e convincente que, quando se trata de energias renováveis, não podemos confiar que o setor privado investirá na escala e velocidade necessárias.
Mas a contribuição marcante do livro é a forma como Christophers apresenta o argumento. Embora tenha havido recentemente uma cacofonia de vozes entre ambientalistas e especialistas em política celebrando a queda vertiginosa dos preços da energia solar e eólica, Christophers oferece uma perspectiva mais profunda: ele nos lembra que o investimento capitalista é impulsionado não pelo preço ou custo da energia, mas sim por sua rentabilidade. É neste terreno que Christophers mostra que os investimentos em energia solar e eólica ainda não conseguem gerar o nível de retorno atraente para os investidores. (E como noticiou o Financial Times , o capital concorda em grande parte!)
Este elegante argumento por si só é motivo suficiente para que todos leiam o livro, mas há duas outras conquistas significativas que merecem ser mencionadas de imediato. Primeiro, ele elucida de maneira extremamente útil a infraestrutura elétrica e os mercados. Esses sistemas são incrivelmente complexos, mas Christophers não presume que o leitor entenda a complexidade e a expõe de maneira clara. Em segundo lugar, o livro apresenta um âmbito geográfico surpreendentemente amplo, percorrendo todo o mundo para explicar padrões de investimento na China, na Índia, na Austrália, nos Estados Unidos e na Europa. Se as alterações climáticas são um problema global e a eletricidade o setor chave da descarbonização, ele nos oferece uma avaliação verdadeiramente global.
Outro ponto forte do livro é seu foco na economia política do investimento solar e eólico. Mas descarbonizar a eletricidade é mais complicado do que simplesmente construir infraestruturas de energia solar e eólica. Como argumento abaixo, a esquerda socialista precisa de uma compreensão mais holística da eletricidade como infraestrutura socializada – reivindicando um “modelo de utilidade” – para combater adequadamente os mercados neoliberais que Christophers detalha com precisão especializada.
Energias renováveis baratas, lucros baixos
Baseando-se em geógrafos marxistas como Doreen Massey e David Harvey , o trabalho anterior de Christophers mostrou as consequências devastadoras de uma economia capitalista cada vez mais impulsionada por “rentistas” financeiros que procuram rendimentos elevados acima de tudo – mesmo quando engolem os “ ativos ” fundamentais para a reprodução da vida humana e um futuro planetário viável (habitação, terra e, o tema de The Price Is Wrong , energia).
Christophers corrige aqueles que chama de “discípulos do custo [renovável] baixo”, ao levar a sério as implicações mais amplas dos seus argumentos. Desde que muitos assumiram que energias renováveis “baratas” significa que são agora mais “competitivas” em relação à energia dos combustíveis fósseis, os críticos apontaram para outras explicações não econômicas para a escala relativamente fraca da penetração desse tipo de energia (por exemplo, o poder político dos gigantes dos combustíveis fósseis, ou a falta de planejamento elétrico para integrar energias renováveis na rede).
Christophers não nega que estas forças mais políticas desempenhem o seu papel, mas argumenta que a economia ainda coloca barreiras básicas ao investimento, apesar de toda a ostentação de custos ou preços baixos. De acordo com Christophers, o obstáculo central é “o lucro esperado: o lucro que uma entidade que planeja um investimento comercial em nova capacidade solar ou eólica espera poder obter em virtude desse investimento”.
Para Christophers, o foco equivocado no preço barato das energias renováveis reflete a essência da economia neoclássica, com a sua fixação na oferta, na procura e nos custos marginais. Teoricamente, ele se baseia mais na tradição da economia política clássica – como Karl Marx, cuja definição de capital como M-D-M’ coloca o lucro no centro. Ele também se baseia em Anwar Shaikh, cujo trabalho, “ao contrário do neoclassicismo do lado da oferta ou do keynesianismo do lado da procura”, implanta o que ele chama de teoria do capitalismo do “lado do lucro”.
Com estas ferramentas teóricas, Christophers explica sistematicamente por que razão o investimento em energias renováveis continua a ser pouco atraente para o capital, recorrendo em particular à sua pesquisa sobre os capitalistas de quem os promotores de energias renováveis dependem para obter financiamento. Ele chama o financiamento de “ponto de estrangulamento final” que determina se os projetos renováveis serão efetivados.
Um dos aspectos mais valiosos do livro é a demolição completa do que ele chama de “fetiche LCOE”. LCOE refere-se ao conceito estatístico “custo nivelado de energia” (levelized cost of energy, em inglês), que permite aos analistas comparar os custos de vida de diferentes tecnologias energéticas (e muitas vezes ignorarem os seus valores de utilização ou capacidades materiais fundamentalmente diferentes). O declínio do LCOE das energias renováveis levou a comentários muito entusiasmados – até mesmo de analistas sérios como Adam Tooze, que Christophers cita como tendo dito “a energia solar e eólica oferecem energia a um custo imbativelmente baixo” – sobre o inevitável dilúvio da penetração solar e eólica.
Christophers mostra como tal medida não leva em conta os “custos de sistema” reais do fornecimento de energia renovável a partir de áreas remotas (com custos de terreno associados) e os custos de armazenamento e backup de “firmar” a sua intermitência. Embora o LCOE seja apresentado por inúmeros especialistas em política nos debates sobre a transição energética, Christophers diz que não é um fator para o capital: “Michael Cembalest, do JP Morgan, descreveu a métrica como uma ‘irrelevância prática’. Ele estava expressando uma posição amplamente defendida entre seus pares no setor financeiro.” Christophers também explica de maneira habilidosa como, independentemente do custo, as diferentes formas de geração de eletricidade são “maçãs e laranjas” em termos de oportunidades de receitas disponíveis. Em última análise, o “fetiche LCOE” é semelhante ao fetiche da mercadoria na forma como ofusca as relações materiais e sociais de produção.
Outro fator chave que levou a uma incerteza substancial sobre a “rentabilidade esperada” do investimento em energias renováveis é a volatilidade dos preços dos mercados de eletricidade recentemente reestruturados. Christophers fornece um dos modelos explicativos mais claros que encontrei sobre como os preços reais da eletricidade são formados. Para resumir a história, o gerador com os custos marginais mais elevados tende a definir o “preço de equilíbrio do mercado” para todos os geradores. Na maioria dos mercados, isto é impulsionado pelo preço volátil do gás natural; portanto, o preço que os geradores podem receber pela sua eletricidade pode variar enormemente. Christophers conta como, em agosto de 2022, na Suécia, enormes picos de preços do gás natural (e condições de vento desfavoráveis) permitiram que o preço da eletricidade disparasse de 38 €/MWh no dia 21 para 372 €/MWh o dia 22.
Christophers explica também como as políticas governamentais destinadas a atrair investimento em energias renováveis conduzem muitas vezes a uma enxurrada de participantes no mercado, o que acidentalmente resulta na superprodução de energia solar e eólica e na queda de preços e lucros. Mais uma vez, vemos que a necessidade de lucro dos capitalistas significa que as energias renováveis mais baratas não conduzem necessariamente a um aumento sustentado do investimento.
Me pergunto se existe outra razão mais fundamental pela qual os capitalistas investiram tão pouco em energia solar e eólica. A análise de Andreas Malm em Fossil Capital de quase uma década atrás, na qual Christophers se baseia por vezes, argumentava que os capitalistas podem mais facilmente encerrar, mercantilizar, controlar e “armazenar” recursos energéticos como combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás). Em contraste, os “recursos de fluxo” – como a energia hídrica, na discussão de Malm, e a energia solar e eólica hoje – são notoriamente difíceis para os capitalistas delimitarem o acesso privado. (Malm sugere que o aproveitamento da energia hídrica exigiria infraestruturas coletivas pelas quais os capitalistas não querem pagar.)
O que Christophers chama de “presentes gratuitos da natureza” – tempo ensolarado ou ventoso – leva ao resultado paradoxal de que quando as condições são mais favoráveis é precisamente o momento em que todos os geradores capitalistas procurarão vender a sua energia solar/eólica no mercado, deprimindo assim os preços e os lucros. A abundância na natureza é um problema para um mercado capitalista dependente da escassez socialmente produzida.
Embora muitos tenham caracterizado The Price is Wrong como um caso de “propriedade pública”, é mais uma análise dos problemas com a propriedade privada e decisões de investimento baseadas em sinais de preços marginais. No entanto, Christophers termina o livro com alguns gestos em direção ao potencial do poder público, discutindo especificamente a perspectiva de investimento público em energias renováveis na Build Public Renewables Legislation do Estado de Nova Iorque.
Eletricidade é infraestrutura social
Ofoco do livro na energia solar e eólica é um grande ponto forte. A precisão analítica sobre um objeto central de análise permite que Christophers forneça detalhes incríveis sobre a complexa economia política do investimento solar e eólico e seu papel nos mercados de eletricidade recentemente reestruturados. Mas este foco restrito é uma faca de dois gumes. Eu diria que a fixação na energia solar e eólica também é a maior fraqueza do livro.
Christophers deixa claro que não escolheu esse ponto por causa de suas preferências pessoais por determinada tecnologia de geração de eletricidade. Seu raciocínio é diferente:
[O livro] adota esse foco porquê... os poderes constituídos... aparentemente decidiram que o caminho a seguir será predominantemente solar e eólico, devidamente apoiado por uma combinação de mecanismos de armazenamento de eletricidade e uma ou mais fontes alternativas de geração de carbono zero – como a nuclear – para quando o sol não brilha e o vento não sopra.
Poderíamos questionar se é metodologicamente correto basear a análise nas preferências dos “poderes constituídos”, mas o problema maior é que Christophers não especifica quem são exatamente os “poderes constituídos”. Claramente, o livro se concentra nos blocos cruciais de poder nas finanças, mas existem outros “poderes constituídos” – cientistas do sistema energético modelando o que é necessário para uma “descarbonização profunda”, sindicatos observando que os empregos na energia solar e eólica tendem a ser uma droga, e até mesmo a administração Biden com a sua abordagem “todas as opções acima” à eletricidade – que reconhecem que a descarbonização da rede é um desafio muito mais amplo do que simplesmente construir parques solares e eólicos.
Na verdade, Christophers reconhece isto ao mencionar o armazenamento e outras fontes de carbono zero, como a nuclear. Mas temo que o enfoque analítico do livro sobre a razão pela qual o capital não está construindo parques solares e eólicos omite a questão crítica da descarbonização do setor eléctrico. Não se trata de construir um único tipo de tecnologia de geração de energia, mas de reconstruir toda uma infraestrutura social .
O estudioso jurídico William Boyd explica : “[A rede elétrica dos EUA] foi descrita como a máquina mais complexa já construída”. De acordo com a Energy Information Administration, é na verdade um fluxo pulsante de elétrons, “composto por mais de 7.300 usinas de energia, quase 160.000 milhas de linhas de energia de alta tensão e milhões de quilômetros de linhas de energia de baixa tensão e transformadores de distribuição, conectando 145 milhões de clientes em todo o país.” Esta “máquina” deve ser sempre mantida em equilíbrio, onde a oferta se equaliza com a procura. Isto significa que a eletricidade, por necessidade física, requer níveis quase soviéticos de planejamento central e monitorização estatística e projeção das necessidades sociais (ou seja, a demanda por eletricidade).
Portanto, mesmo que o capital obtivesse enormes lucros construindo geradores solares e eólicos, isso seria apenas uma peça do maior quebra-cabeças infraestrutural da construção de outras empresas de geração, linhas de transmissão de longa distância e infraestruturas de distribuição com “carbono zero” – e, a maioria dos especialistas reconhece, algum grau de energia de gás natural com captura e sequestro de carbono (uma tecnologia em si que exigirá a sua própria infraestrutura de gasodutos de capital fixo em grande escala). Na verdade, muitas destas tecnologias necessárias, como a captura de carbono e a energia nuclear, são bloqueadas pela mesma dinâmica que Christophers explica para a energia solar e eólica: os investidores não as consideram suficientemente lucrativas.
Christophers analisa muitas destas tecnologias necessárias para complementar a intermitência da energia solar e eólica, e discute os “custos do sistema” não integrados em energias renováveis LCOE supostamente baratas. Mas, no geral, ele não presta muita atenção à questão de quem deve pagar por estes custos do sistema, e como o desafio de atribuir estes custos é também uma grande barreira à descarbonização da rede. Esta não é uma das barreiras “políticas” ou de “planejamento” que Christophers deixa de lado, mas precisamente a barreira econômica do financiamento do investimento em infraestruturas.
O principal problema de investimento é comum quando se trata de infraestruturas de “longo alcance” – os custos devem ser socializados. Há uma razão pela qual o setor público assumiu o sistema rodoviário interestadual, a infraestrutura de saneamento de água e, em muitos países, como relata Christophers, a rede elétrica.
Este problema dos custos das infraestruturas sociais está atormentando a recente tentativa dos Estados Unidos de desenvolver energia limpa. Os promotores privados que pretendem construir parques solares e eólicos devem submeter as suas propostas aos operadores da rede que gerem algo chamado “fila de interligação” (num processo de aprovação que demora em média cinco anos). Um resultado deste processo é que é solicitado aos promotores privados o pagamento da totalidade dos custos de atualização da “interligação” e, sem surpresa, muitas vezes eles se recusam. Em alguns países europeus, como os Países Baixos e a Alemanha, os promotores de projetos eólicos offshore se beneficiam do fato de o governo socializar inteiramente os custos das atualizações de transmissão.
Christophers chega exatamente à teoria certa para explicar este problema: a teoria das “mercadorias fictícias” de Karl Polanyi. Segundo Polanyi, a terra, o trabalho e o dinheiro são mercadorias fictícias na medida em que não são produzidos como mercadorias, mas, no entanto, tratados como tal.
A eletricidade é uma mercadoria fictícia por excelência : é uma infraestrutura partilhada que não pode ser armazenada, mas concebemos sistemas elaborados para a comprar e vender como se fosse um mero pacote de widgets. Como Gretchen Bakke colocou em seu excelente livro The Grid: The Fraying Wires Between Americans and Our Energy Future, a eletricidade e uma mercadoria comum, como uma banana, “poderiam muito bem ter se originado em diferentes universos físicos”, mas os esforços para comercializar a eletricidade significam que “nós agora os tratemos e negociemos de maneira quase idêntica.” Mas isto implica que não podemos tratar o investimento em eletricidade como qualquer mercadoria antiga, e a distinção analítica entre preço e lucro, embora extremamente útil, pode levar à impressão de que Christophers está de fato tratando a eletricidade dessa forma. (É instrutivo que, num exemplo que ilustra como estruturas de custos mais baixos não conduzem a lucros mais elevados, Christophers utilize a mercadoria decididamente não fictícia de um smartphone.)
Por outras palavras, se apenas prestarmos atenção aos lucros esperados dos produtores de eletricidade isolados, podemos perder de vista as elaboradas estruturas jurídicas e institucionais – estruturas que Christophers explica bem – que tornam possível, em primeiro lugar, a venda de eletricidade com fins lucrativos. A descarbonização da eletricidade dependerá menos do fato de um único tipo de produção de energia ser barato ou rentável (ou ambos) e mais da transformação fundamental dessas estruturas subjacentes.
Teria sido bom se Christophers levasse Polanyi um passo adiante através da teoria da “segunda contradição do capitalismo” do marxista-polaniano James O’Connor. O’Connor argumenta que o capital privado, pela sua própria natureza, tende a minar as “condições de produção”. A maioria das pessoas se concentra na discussão de O’Connor sobre “condições ecológicas”, mas ele também fala sobre “condições comunitárias” – isto é, infraestruturas sociais. O caso da falha da empresa de serviços públicos PG&E na modernização de uma linha de transmissão com quase cem anos de idade, que conduziu a incêndios florestais catastróficos e mortais, é um exemplo notável. Mas o facto de os promotores privados de energias renováveis não pagarem pelas infraestruturas de rede social necessárias é outro problema.
Existem outras razões pelas quais o foco de Christophers na energia solar e eólica é politicamente importante. Em primeiro lugar, esse enfoque pode ameaçar exacerbar a divisão na esquerda que Fred Stafford e eu identificamos entre, por um lado, uma esquerda verde (liderada por ONGs e acadêmicos) que pensa que a descarbonização consiste apenas em aumentar a energia solar e eólica e, por outro lado, os sindicatos, que estão mais preocupados com um conjunto mais amplo de tecnologias (nuclear, captura de carbono e hidrogênio) necessárias para a descarbonização “profunda” da rede e para abordar as preocupações maiores de confiabilidade. The Price Is Wrong tem muito a ver com capital, não com trabalho, e não se encontra nele quase nada sobre os verdadeiros trabalhadores e sindicatos do sistema elétrico.
Em segundo lugar, existem preocupações mais práticas. Embora Christophers esteja certo ao afirmar que os “poderes constituídos” esperam que a descarbonização seja predominantemente realizada através da tecnologia solar e eólica, grande parte desta expectativa se baseia em modelos e não na realidade. No mundo real, não há exemplo de uma rede realmente existente que seja capaz de obter a grande maioria da sua energia a partir de energia solar e eólica intermitente. (Um relatório recente do operador de rede MISO afirma que surgem “desafios significativos” e que é necessário “pensamento transformador” sobre uma penetração de apenas 30 por cento.)
A geração solar e eólica pode ser bastante elevada quando as condições são adequadas (e bastante baixa quando não são), mas, em última análise, qualquer rede com energia solar e eólica substancial também depende de alguma combinação de importações de outras regiões, hidrelétricas, nucleares e, acima de tudo, geração de gás natural para manter as luzes acesas. Como observa Christophers, grande parte da “expectativa” de que isto será resolvido depende de avanços competitivos ainda não realizados no “armazenamento de longa duração”, particularmente para lidar com a incômoda realidade do inverno. Enquanto esperamos para resolver muitos desafios restantes de uso do solo e construção de transmissão para uma rede viável baseada em energia solar e eólica, vale a pena lembrar que muitos países como a França e a Suécia já alcançaram a descarbonização quase completa da rede através de uma forte dose de investimento público em energia hidrelétrica e nuclear.
Terceiro, como detalha Christophers, fora do caso notável da China, o desenvolvimento solar e eólico é em si um produto da reestruturação neoliberal do mercado de eletricidade (“desregulamentação” ou “desagregação”), que tentou dividir grande parte do sistema de rede em pequenas partes e submetê-las à concorrência privada. Em outras palavras, os promotores solares e eólicos são geralmente capitalistas isolados — “produtores independentes de energia” — sem mandato público ou interesse em investir em eletricidade como infraestrutura.
Christophers salienta que no mundo “em desenvolvimento”, apenas 28% das energias renováveis são propriedade pública; nos países “desenvolvidos” ricos esse número é de 4%. Como ele diz, com razão, estes capitalistas não foram “concebidos para fazer o trabalho” de descarbonização. Mas um foco exclusivo apenas neles deixa a pessoa insegura sobre quem poderia fazer o trabalho.
Recuperando a eletricidade como serviço público
Um foco analítico estrito também pode levar a visões estritas de alternativas. Grande parte da política de esquerda em torno da eletricidade é centrada na necessidade de propriedade pública. Mas se procurarmos colocar apenas um aspecto da rede sob propriedade pública de forma isolada, subordinando o resto à concorrência e a investimentos descoordenados, não conseguiremos avançar para uma política mais holística da eletricidade como infraestrutura social.
Christophers aponta para a campanha bem sucedida que permitiu à Autoridade de Energia de Nova Iorque (NYPA) “Construir Energias Renováveis Públicas” como uma possível solução para a falta de rentabilidade do desenvolvimento privado de energias renováveis. A legislação é uma grande conquista para a propriedade pública no setor elétrico. Para canalizar o sóbrio realismo de Christopher, contudo, deveríamos questionar seriamente as perspectivas de uma rápida descarbonização com um promotor público competindo num mar de “produtores de energia independentes” privados, tudo no contexto do mercado atacadista desregulamentado de Nova Iorque.
É por isso que Stafford e eu argumentamos recentemente que a esquerda precisa não apenas defender o poder público em abstratamente, mas sim recuperar a eletricidade como um sistema de “utilidade” mais amplo (como gás, água, estradas de ferro, e assim por diante). Emergindo dos juristas progressistas do início do século XX, a lei da “utilidade pública” argumentava que havia certos serviços essenciais (isto é, infraestruturas sociais) demasiado importantes para serem deixados apenas aos mercados.
No contexto dos EUA, é surpreendente como o modelo de utilidade pública nos dá realmente uma resposta direta ao problema identificado em The Price Is Wrong . Os serviços públicos de propriedade de investidores privados — sujeitos à regulamentação pelas comissões de serviços públicos (PUCs) — têm taxas garantidas de retorno sobre os investimentos se aprovados por essas comissões. A questão dos lucros esperados simplesmente não é um problema no setor de serviços públicos. E a fonte de lucros não é simplesmente a compressão do trabalho e a subestimação da concorrência, mas o desenvolvimento de infraestruturas. Além disso, os serviços públicos costumavam ser “monopólios naturais” verticalmente integrados, possuindo e planejando toda a infraestrutura física ao longo da produção, transmissão e distribuição.
O exemplo histórico das empresas de eletricidade mostra que quando precisamos de um crescimento maciço de infraestruturas socializadas – e não nos enganemos, os especialistas acreditam que a descarbonização exigirá um “crescimento de carga” massivo – os capitalistas comuns não estão à altura das tarefas. Christophers tem razão ao apontar para o fato de que as empresas de serviços públicos verticalmente integradas têm ativos irrecuperáveis em infraestruturas fósseis e, portanto, têm interesse em mantê-los. Mas também estão especialmente equipados para construir (e lucrar com) novos investimentos. Tal como na era pós-guerra de crescimento da eletricidade, precisamos de diferentes estruturas institucionais orientadas para o investimento socializado e o crescimento para a descarbonização do século XXI.
No contexto dos EUA, nos raros casos em que as empresas de serviços públicos são autorizadas a construir produção de energia limpa, estão se mostrando bastante capazes. Embora a inflação dos custos da cadeia de abastecimento tenha levado os estados a cancelar contratos privados de energia eólica offshore, a empresa regulamentada Dominion está avançando com o seu próprio grande projeto. Uma lei única que permite que as concessionárias construam estruturas para captação de energia solar fez com que a Flórida se tornasse o estado que mais cresce no desenvolvimento desse ramo energético. E foram apenas empresas de serviços públicos como a Tennessee Valley Authority e a Georgia Power que concluíram efetivamente as centrais nucleares neste século. Finalmente, o IRA reverte os desincentivos de décadas para que os serviços públicos e as entidades de poder público se beneficiassem plenamente dos incentivos à energia limpa, tornando isso mais, e não menos, provável nos próximos anos.
A noção de que a eletricidade como um todo é um serviço público foi sistematicamente destruída no último meio século de desregulamentação e separação, mas uma política elétrica socialista deve colocar a inversão deste processo no centro do nosso projeto político. Christophers afirma que “o mundo... está se aproximando, e não se afastando, dos mercados spot de eletricidade.” Infelizmente, este é provavelmente o caso, mas embora os estudiosos tenham procurado compreender o mundo, a questão é mudá -lo. Me parece que a política elétrica se dirige para outro ponto crucial da história mundial, como o início dos anos 1900 ou 1970, onde todo o modelo deve ser repensado.
Para ser justo, muito disto está fora do âmbito expressamente declarado da análise de Christophers. E, certamente, ele está correto ao afirmar que qualquer mundo descarbonizado incluirá um aumento considerável na geração solar e eólica. Ao nos fornecer uma análise tão analiticamente focada sobre a razão pela qual o investimento em energia solar e eólica não está se desenvolvendo à escala e velocidade exigidas, The Price Is Wrong levará os leitores a pensar por si próprios sobre que outros arranjos poderiam ser mais adequados para o trabalho.
Colaborador
Matt Huber é professor assistente de Geografia na Syracuse University. É autor de "Lifeblood: Oil, Freedom, and the Forces of Capital".
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