Luiz Carlos Bresser-Pereira
Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)
Folha de S.Paulo
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Em sua coluna na Folha, em 18 de setembro último, Silvio Almeida falou de Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), o notável sociólogo negro que foi um dos meus mestres nos anos 1950, quando eu tinha 20 anos. Em conjunto com Ignácio Rangel, Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier e Álvaro Vieira Pinto, Guerreiro foi um dos grandes intelectuais nacionalistas e desenvolvimentistas que se reuniram no Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) e repensaram o Brasil.
Eles o fizeram a partir das ideias de revolução nacional e industrial, as quais, para se concretizar, implicavam a crítica sistemática à dependência ou ao entreguismo das elites liberais locais e ao imperialismo das grandes potências. Conforme diz Silvio Almeida, Guerreiro Ramos é “a síntese de tudo aquilo que o atual governo brasileiro vem se empenhando em combater: uma pessoa negra, um intelectual, um defensor da soberania nacional e um servidor público preocupado com o Brasil”.
O professor e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira - Karime Xavier - 17.dez.19/Folhapress |
Naquela época, o Brasil tinha um projeto nacional de desenvolvimento baseado na ideia de industrialização e um líder político comprometido com esse modelo, Getúlio Vargas, o estadista que o Brasil teve no século 20.
Guerreiro e seus colegas apostaram na associação da burguesia industrial com os trabalhadores, a burocracia pública e os intelectuais desenvolvimentistas em torno desse projeto porque essa coalizão era uma realidade naquela época, não obstante suas ambiguidades e contradições. Estava acontecendo e estava dando certo. Entre 1930 e 1980, o Brasil experimentou um desenvolvimento econômico acelerado que deu origem a uma grande classe operária e a uma grande classe média de natureza tanto gerencial e profissional quanto empresarial.
Entre 1930 e 1960, sob o comando ou a inspiração de Getúlio Vargas, e entre 1964 e 1980, sob o comando dos militares, o Brasil se industrializou e se tornou um grande exportador de bens manufaturados.
Mas, já nos anos 1970, surge uma teoria da dependência associada, de origem marxista, que era equivocada —tanto ao negar que a burguesia pudesse ser nacionalista quanto ao afirmar que o imperialismo não era contra nossa industrialização. Equivocada, mas que ganhou os intelectuais brasileiros porque estes eram democráticos e os militares haviam se tornado desenvolvimentistas.
Conheci bem Guerreiro. Eleito deputado federal em 1960, foi cassado em 1964 e se exilou nos Estados Unidos, onde se tornou professor da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Morreu em 1982, profundamente decepcionado com o Brasil e seus intelectuais.
Decepção semelhante aconteceu com outro grande intelectual brasileiro, também meu mestre, Celso Furtado. Ao morrer, em 2004, ele já via a economia brasileira semiestagnada desde 1980 e, desde 1990, dominada pela ortodoxia liberal.
Nos anos 2000, Lula tentou reverter esse quadro, mas a alternativa que os desenvolvimentistas ofereciam ao liberalismo econômico era pobre, baseada apenas na política industrial; faltava uma macroeconomia do desenvolvimento.
Desde 2013, depois de 33 anos de quase-estagnação, mergulhamos em uma grande crise política e econômica, enquanto se aprofundava a subordinação à ortodoxia liberal do Norte, não obstante essa ortodoxia venha sendo abandonada pelos países ricos desde então.
Há alguma esperança para o Brasil? O país pode voltar a ter um projeto nacional de desenvolvimento? Não estou seguro. Há dois grandes líderes políticos hoje no Brasil, Lula e Ciro Gomes; e há um terceiro, jovem, que aponta para o futuro, Guilherme Boulos. Ciro é o que está mais próximo a ter um projeto.
Mas Getúlio Vargas tinha por trás de si uma sociedade que se repensava, ajudada por seus intelectuais. Isso não acontece hoje.
Nossas elites intelectuais estão perplexas. Tão perplexas quanto as do Norte, que dizem, equivocadamente, que sua crise é a crise da “democracia liberal”. Na verdade, é a crise do neoliberalismo americano, que é dominante naquele país desde 1980, diante do bem-sucedido desenvolvimentismo chinês.
É uma crise que está levando os países ricos, um a um, a abandonar o liberalismo econômico e a adotar políticas desenvolvimentistas, enquanto o Brasil, ao invés de se repensar, como fizeram seus intelectuais nos anos 1950, mergulha no liberalismo econômico e no populismo de direita.
Guerreiro e seus colegas apostaram na associação da burguesia industrial com os trabalhadores, a burocracia pública e os intelectuais desenvolvimentistas em torno desse projeto porque essa coalizão era uma realidade naquela época, não obstante suas ambiguidades e contradições. Estava acontecendo e estava dando certo. Entre 1930 e 1980, o Brasil experimentou um desenvolvimento econômico acelerado que deu origem a uma grande classe operária e a uma grande classe média de natureza tanto gerencial e profissional quanto empresarial.
Entre 1930 e 1960, sob o comando ou a inspiração de Getúlio Vargas, e entre 1964 e 1980, sob o comando dos militares, o Brasil se industrializou e se tornou um grande exportador de bens manufaturados.
Mas, já nos anos 1970, surge uma teoria da dependência associada, de origem marxista, que era equivocada —tanto ao negar que a burguesia pudesse ser nacionalista quanto ao afirmar que o imperialismo não era contra nossa industrialização. Equivocada, mas que ganhou os intelectuais brasileiros porque estes eram democráticos e os militares haviam se tornado desenvolvimentistas.
Conheci bem Guerreiro. Eleito deputado federal em 1960, foi cassado em 1964 e se exilou nos Estados Unidos, onde se tornou professor da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Morreu em 1982, profundamente decepcionado com o Brasil e seus intelectuais.
Decepção semelhante aconteceu com outro grande intelectual brasileiro, também meu mestre, Celso Furtado. Ao morrer, em 2004, ele já via a economia brasileira semiestagnada desde 1980 e, desde 1990, dominada pela ortodoxia liberal.
Nos anos 2000, Lula tentou reverter esse quadro, mas a alternativa que os desenvolvimentistas ofereciam ao liberalismo econômico era pobre, baseada apenas na política industrial; faltava uma macroeconomia do desenvolvimento.
Desde 2013, depois de 33 anos de quase-estagnação, mergulhamos em uma grande crise política e econômica, enquanto se aprofundava a subordinação à ortodoxia liberal do Norte, não obstante essa ortodoxia venha sendo abandonada pelos países ricos desde então.
Há alguma esperança para o Brasil? O país pode voltar a ter um projeto nacional de desenvolvimento? Não estou seguro. Há dois grandes líderes políticos hoje no Brasil, Lula e Ciro Gomes; e há um terceiro, jovem, que aponta para o futuro, Guilherme Boulos. Ciro é o que está mais próximo a ter um projeto.
Mas Getúlio Vargas tinha por trás de si uma sociedade que se repensava, ajudada por seus intelectuais. Isso não acontece hoje.
Nossas elites intelectuais estão perplexas. Tão perplexas quanto as do Norte, que dizem, equivocadamente, que sua crise é a crise da “democracia liberal”. Na verdade, é a crise do neoliberalismo americano, que é dominante naquele país desde 1980, diante do bem-sucedido desenvolvimentismo chinês.
É uma crise que está levando os países ricos, um a um, a abandonar o liberalismo econômico e a adotar políticas desenvolvimentistas, enquanto o Brasil, ao invés de se repensar, como fizeram seus intelectuais nos anos 1950, mergulha no liberalismo econômico e no populismo de direita.
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