31 de julho de 2023

O que a China espera conseguir ao receber Henry Kissinger

O centenário ajudou a acabar com o isolamento de Pequim décadas atrás e é um símbolo de esperança para laços saudáveis com Washington

Por Timur Fomenko, um analista político

RT

O presidente da China, Xi Jinping (à direita), fala com o ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, em Pequim, em 20 de julho de 2023 © CNS / AFP

O centenário político teve nos anos 70 do século passado um papel no estabelecimento de relações diplomáticas entre a China e os EUA. A RPC procura contrapor uma estratégia diplomática à escalada de provocação e confrontação empreendida pelos EUA. É nesse sentido que vem convidando a visitarem Pequim diversas personalidades influentes nos EUA. E é um sinal dos tempos que alguém com o currículo de Kissinger possa assumir um papel de moderador relativamente ao poder instalado em Washington.

O antigo Secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, um dos estadistas mais velhos do mundo, com 100 anos, visitou Pequim e reuniu-se com o líder chinês Xi Jinping no início deste mês. Embora o tempo de Kissinger no cargo seja controverso em muitos aspectos, nomeadamente devido a alegações de crimes de guerra em vários países asiáticos, a China tem efectivamente uma opinião positiva sobre ele.

Porquê? Porque Kissinger foi uma das figuras-chave na construção das relações diplomáticas entre os EUA e a China, que se seguiram à visita pioneira de Richard Nixon ao país em 1972 e ao seu encontro com Mao Zedong. Este facto marcou uma das maiores mudanças geopolíticas do século XX, conduzindo à abertura da China e à sua integração na economia mundial. Por este legado, Pequim está extraordinariamente grata a Kissinger e trata-o como um “velho amigo”. Este facto constitui, naturalmente, o pano de fundo entender com precisão a sua actual visita e qual o seu significado político.

O legado de Kissinger abriu caminho a uma relação aberta, estável e de cooperação entre os EUA e a China que durou mais de 40 anos, mas essa era já passou. De facto, a disposição de alguns em Washington é de dificultar e desmantelar este legado, enquadrando o envolvimento dos EUA com a China como um erro que encorajou uma potência hostil. Essa é a mensagem que Mike Pompeo procurou transmitir em 2020, quando era secretário de Estado. Tentando reiniciar a relação EUA-China no sentido de uma nova “época”, Pompeo fez um discurso provocador na biblioteca presidencial de Richard Nixon, na Califórnia, intitulado ‘Communist China and the Free World’s Future’.

Desde a administração Trump, os laços entre os EUA e a China têm vindo constantemente a deteriorar-se, à medida que a competição estratégica nos domínios militar, diplomático e tecnológico se acelerou. A presidência de Biden tem sido indiscutivelmente mais agressiva do que a sua antecessora em algumas das medidas que tomou. Não é de surpreender que os políticos norte-americanos vejam o envolvimento com a China como uma forma de apaziguamento e politicamente desfavorável. Por conseguinte, embora os funcionários falem dos chamados “corrimãos de segurança” (”guardrails”) no diálogo com a China, as suas intenções estratégicas não se alteram, nem fazem quaisquer concessões na diplomacia que prosseguem.

Perante isto, a China está a cortejar Henry Kissinger por uma razão crítica. Ele é um símbolo vivo da relação que Pequim gostaria de ter com Washington e de como os laços diplomáticos deveriam ser. A sua presença em Pequim é uma declaração política. A China está desagradada com as acções dos EUA, mas, em última análise, continua a procurar compromisso, estabilidade, cooperação e abertura nas suas relações, e ninguém representa melhor isso do que o homem com quem tudo começou, que agora acredita que os EUA e a China têm de encontrar uma via de coexistência para evitar o conflito.

Ao fazê-lo, Pequim calcula que é uma perda de tempo tentar estabelecer relações directas com os políticos norte-americanos. A balbúrdia e a paranoia com que tais tentativas são confrontadas são de tal ordem, especialmente ao nível do Congresso, que são prejudiciais seja para quem for.

Em vez disso, utilizou uma estratégia pragmática de se dirigir a indivíduos que acredita poderem promover estabilidade nas relações, convidando-os para visitas altamente publicitadas. Isto inclui homens de negócios e figuras públicas como Tim Cook, Elon Musk e Bill Gates, que visitaram a China nos últimos meses. Estas pessoas são utilizadas para transmitir a mensagem de que a China está aberta e disposta a fazer negócios e que os laços com os EUA não têm de ser como são actualmente. Além disso, estes indivíduos actuam como canais de apoio. Podem não ter poder político directo, mas através das suas redes e laços exercem influência, especialmente quando se trata de lobbying. Kissinger é idoso, mas é um membro muito respeitado da comunidade da política externa.

Apesar da competição geopolítica com os Estados Unidos, a China é sobretudo cautelosa no que respeita a fazer ondas. Está consciente de que a classe política norte-americana não pode ser modificada na sua disposição, mas Pequim procura conter e minimizar a sua influência através da diplomacia, por oposição à confrontação. Dar poder aos falcões de Washington é um dos piores erros estratégicos que a China pode cometer. Assim, é fundamental para os objectivos de Pequim abrandar a “dissociação” e impedir que os EUA ganhem capital político para forçar outros países, tanto na Europa como na Ásia, a aderirem à sua agenda.

Pequim não vê isto como uma corrida de velocidade, mas como uma maratona. Na sua perspectiva, o recurso a Kissinger transmite uma mensagem de esperança e reconciliação, uma perspectiva idealista sobre como devem ser os laços entre os EUA e a China. É claro que não se pode voltar atrás no tempo e estabilidade pode ser tudo o que há a esperar nesta fase.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...