29 de dezembro de 2022

"O Orçamento aprovado expõe um déficit de R$ 220 bi. Isso não vai acontecer", diz Haddad

Às vésperas de assumir o comando da economia do país, ele promete um plano de corte de gastos para o início do ano, começando por um pente-fino "no gasto ilegítimo e nas desonerações açodadas"

Míriam Leitão

O Globo

Futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad Cristiano Mariz/Agência O Globo

A três dias de assumir o comando da economia brasileira, o ministro Fernando Haddad garante que o déficit público do ano que vem não será o que está no Orçamento e promete um plano robusto de corte de gastos para o início do ano. “O primeiro trimestre é crucial. O governo tem que dizer a que veio, logo”. Ele conta que o atual governo mandou retirar 2,5 milhões do cadastro do Bolsa Família admitindo a concessão indevida de benefícios.

Em longa entrevista ao GLOBO, ele diz que teve com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, “um diálogo maduro”, elogia a senadora Simone Tebet, defende a reindustrialização com tecnologia de ponta e ambientalmente sustentável e promete diversidade na equipe. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

O senhor optou por não prorrogar as desonerações de combustíveis. O que acontece no dia 1º? Os combustíveis subirão com a volta dos impostos?

Quero situar as decisões que estão sendo tomadas num contexto. O melhor que eu posso fazer pelo seu leitor é dar um plano de voo. Essa eleição custou para os cofres públicos, do ponto de vista do atual governo, alguma coisa como R$ 300 bilhões. Custou 1,5% do PIB de aumento do dispêndio e 1,5% em renúncia fiscal.

O que o governo Bolsonaro fez no último ano de mandato de forma desesperada, atabalhoada, custou 3% do PIB. O orçamento enviado era fictício. O que nós temos que fazer agora é corrigir o estrago que foi feito no período eleitoral para garantir uma vitória que não veio. Ele recebeu um cheque em branco para evitar que fosse invocado uma suposta perseguição política. Ele fez o que bem quis com as contas públicas e isso foi tolerado para que não houvesse contestação do resultado.

Tudo foi feito como o governo quis. Isso trouxe consequências dramáticas para a economia, mas tirou o discurso dele. Não consigo lembrar de um parelelo de alguém que tenha feito tanto por si mesmo, quanto Bolsonaro fez por isso. Vamos ter que rever tudo isso. Mas vamos fazer de maneira criteriosa a partir do ano vem.

Algumas medidas são parte da nossa agenda, como aumento do Bolsa Família, mas vamos sentar com o mapa das decisões para rever. Lula é o mentor do Bolsa Família mas ele não concorda com fraude. O ministro Wellington Dias tem dito que a transparência e eficiência é que dá o suporte que o programa tem.

No Ministério da Educação a cada trimestre eu acompanhava as condicionalidades da frequência escolar. Agora teremos que relegitimar o programa. O próprio governo nos remeteu um ofício para retirar do cadastro dois milhões e meio de brasileiros.

Eles mesmos admitem que colocaram dentro do programa quem não era elegível. Faremos um pente fino no gasto ilegítimo e nas desonerações açodadas. Nós vamos tratar das contas públicas no ano que vem. Temos quatro anos e o primeiro é para arrumar a casa.

Desde que a desoneração foi decidida, no calor do processo eleitoral, o preço do petróleo caiu mais de 20%. Vamos definir se a Petrobras vai seguir a queda de preço internacional. Na minha opinião se a gente anunciar um plano robusto de arrumar a casa, desarrumada nesse ano, haverá um impacto muito forte sobre as expectativas.

Isso vai se refletir nos juros e no câmbio. E aí se poderá tomar uma decisão mais sóbria se faz mais suave ou toma uma decisão, mas será tomada a partir de primeiro de janeiro.

Esse plano robusto será de ataque aos gastos. Pode adiantar alguns pontos? Será isso: revisão de renúncias fiscais e de benefícios eleitoreiros?

É muita coisa. Chegou para nós de pessoas da máquina que foram retirados todos os filtros para a concessão de benefícios no INSS. Até servidores não dão segurança de que foi feita de maneira adequada. Houve desleixo. Precisamos ver o tamanho do desleixo. O fim do orçamento secreto é importante porque voce pode dizer para onde está indo o dinheiro.

Nada contra o Congresso participar da execução orçamentária, tanto é verdade que fizemos um acordo. O que eu quero dizer para você com todas as letras é: no ano de 2022 o desarranjo em virtude de um certo desespero das pesquisas, isso tem um preço. Não estou me queixando da tarefa. O presidente Lula foi eleito para isso.

Nós vamos arrumar a casa e a hora de fazer esta arrumação é o primeiro ano. Não vai fazer no quarto ano. Até porque vai se garantir as condições de crescimento que vão acomodar as tensões distributivas que são recorrentes no Brasil.

Como e quando as medidas serão anunciadas?

Vão ser vários anúncios formais, mas o governo tem que dizer a que veio, logo. Arrumar a casa é o item um. Rever desonerações, benesses que foram dadas eleitoralmente, sem base técnica alguma. Temos que ver os atos desesperados para colocar o Brasil no rumo certo. Isso é uma sinalização que os atores vão responder a ela, o Banco Central, os investidores estrangeiros. Tem que ter uma arrumação inicial.

O primeiro trimestre é crucial para esta tarefa porque a partir de abril começa uma agenda estrutural. A questão da regra fiscal que tem que ser muito sopesada pela sociedade. Não é regra do governo, é da sociedade. Tem que ser crível, que aponte para um futuro mais promissor e tem a reforma tributária que quero colocar na ordem do dia quando as comissões estiverem instaladas.

O que já se pensou sobre a âncora fiscal? Voltar o superávit primário, ter algum indicador que aponte para o horizonte da dívida?

Quando o Guedes lançou um teto de dívida eu escrevi um artigo dizendo que isso não funciona. Não existe política fiscal e política monetária. Existe política econômica. Ou há uma harmonização ou não terá uma média boa.

Como vai harmonizar com o Banco Central independente?

É a primeira vez que um presidente vai assumir e que o presidente do Banco Central não é da escolha dele. Vamos conviver dois anos com o Roberto Campos. Como vamos harmonizar? Na técnica. É preciso mostrar tecnicamente que há uma política fiscal consistente para que a política econômica tenha o mesmo objetivo. Isso é possível, já fizemos no passado.

Roberto Campos demonstrou nas primeiras conversas conosco uma abertura de diálogo maduro e é o que nós precisamos. Por isso, as sinalizações iniciais são tão importantes. Porque a partir dos nossos sinais é que as variáveis vão começar a se ajustar. Nós estamos há dez anos crescendo 0,5% ao ano a renda per capita, nós temos que buscar um caminho diferente desse. Temos razões técnicas para buscar essa parceria.

André Lara Resende escreveu um artigo dizendo que os juros estão altos demais no Brasil, chamou de "excrescência". Concorda?

Eu faria mal, se como ministro da Fazenda, fizesse avaliação da política do Banco Central. O que está acontecendo é uma construção institucional inédita. O cenário de que eu emita juízo sobre o trabalho do Roberto e ele sobre mim pela imprensa vai provocar exatamente aquilo que eu quero evitar.

Vou levar à consideração do Banco Central o nosso plano, que tem como premissa essas variáveis que eu estou te dizendo. Eu devo fechar metas já para o ano que vem, tenho apenas que fechar com a minha equipe.

Metas de que?

De tudo. Orçamento aprovado expõe lá um déficit de R$ 220 bilhões. Isso não vai acontecer. Ponto final.

Você está dizendo que o déficit será menor?

Eu estou dizendo que não vai acontecer esse déficit. Porque não é a maneira que eu trabalho. Não vai acontecer. Eu sei da importância de sinalizar a robustez do Estado brasileiro. O próprio ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, já disse que não vai conviver com fraude e com as atrocidades que foram comentidas. Tudo vai na mesma direção.

E eu te assevero que o que está no orçamento, do ponto de vista de receitas e despesas não vai acontecer. Mas vou esperar minha equipe estar empossada e me apresentar um programa que já encomendei para anunciar nossos objetivos de curto prazo.

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