Alan Beattie
Lula encontrou um terreno comum com Xi sobre a governança global: reduzir o domínio do dólar, transferir o poder geoeconômico para grupos como os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e criticar os Estados Unidos por encorajarem a Guerra da Ucrânia.
Na prática, essas ideias grandiosas são muito exageradas. Eles não significam que o Brasil aderiu a um campo geopolítico chinês e abandonou os EUA e a UE. Mais preocupante para Washington e Bruxelas deve ser que a China está oferecendo ajuda imediata para a prioridade de Lula de reindustrializar o Brasil, o que pode desafiar o papel tradicional das economias ricas em investimento e comércio.
Mesmo que essa carta seja aceita, o acesso brasileiro ao mercado da UE pode ser prejudicado por um novo regulamento de desmatamento europeu que proíbe produtos, incluindo carne bovina e soja, criados em terras recentemente desmatadas.
Os críticos da UE dizem que ela frequentemente prejudica o acesso a novos mercados ao impor barreiras técnicas. Tatiana Prazeres, secretária de comércio exterior do Brasil, disse ao Financial Times: "Você não pode ter uma situação em que reduz suas tarifas na expectativa de acesso real ao mercado e, de repente, tem novas barreiras no caminho. As conversas que estamos tendo com a UE são muito francas".
Mesmo que o acordo UE-Mercosul seja ratificado, não é necessariamente a solução que o Brasil busca. Apelidado de acordo "carros por carne bovina", as reduções nas tarifas automotivas no acordo UE-Mercosul incentivarão as montadoras europeias a exportar para o mercado brasileiro, mais do que incentivá-las a produzir lá.
O acordo também impõe restrições à capacidade do Brasil de usar as licitações públicas para favorecer a indústria nacional. Lula está pedindo à UE sua própria carta de intenção para esclarecer que margem de manobra é permitida ao Brasil.
O destronamento do dólar pode ter virado a manchete da reunião Lula-Xi, mas os rivais geopolíticos da China em Washington e Bruxelas -e Paris- deveriam estar mais preocupados com a ajuda direta que o Brasil está recebendo de empresas chinesas.
Muitos mercados emergentes estão em posições semelhantes às do Brasil, e suas lealdades serão igualmente determinadas, ou mais, por investimentos e empregos do que pelas moedas globais e pela Guerra da Ucrânia.
Xi Jinping e Luiz Inácio Lula da Silva em Pequim. A China está oferecendo ajuda imediata para a prioridade de Lula de reindustrializar o Brasil © Presidência do Brasil/AFP/Getty Images |
Tradução / O presidente francês, Emmanuel Macron, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a ministra das Relações Exteriores alemã, Annalena Baerbock, e, na semana passada, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva -o livro de visitantes do governo de Xi Jinping tem se preenchido depressa ultimamente.
Lula encontrou um terreno comum com Xi sobre a governança global: reduzir o domínio do dólar, transferir o poder geoeconômico para grupos como os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e criticar os Estados Unidos por encorajarem a Guerra da Ucrânia.
Na prática, essas ideias grandiosas são muito exageradas. Eles não significam que o Brasil aderiu a um campo geopolítico chinês e abandonou os EUA e a UE. Mais preocupante para Washington e Bruxelas deve ser que a China está oferecendo ajuda imediata para a prioridade de Lula de reindustrializar o Brasil, o que pode desafiar o papel tradicional das economias ricas em investimento e comércio.
Presidente Lula e presidente da China, Xi Jinping, participam de cerimônia em Pequim - Ricardo Stuckert - 14.abr.2023/Presidência via Reuters
O enquadramento geoeconômico da abordagem Xi-Lula parece bastante frágil quando examinado de perto, particularmente o papel dos Brics. As rivalidades entre os membros do grupo, principalmente a Índia e a China, o tornaram amplamente cerimonial. O inventor original da categorização dos Brics, o ex-economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O'Neill, aponta que o renminbi, o único desafiante vagamente crível dos Brics ao papel global do dólar, não o fará enquanto a China mantiver os controles sobre o capital.
O Brasil reduziu sua exposição aos mercados de dólar desde a crise cambial e da dívida no final dos anos 1990 e início dos 2000, e seu governo agora toma empréstimos quase exclusivamente em moeda local. Porém, como exportador de commodities denominadas em dólares, suas empresas estarão expostas à volatilidade da taxa de câmbio se ela mudar para outra moeda global.
O potencial prático da China como parceiro comercial e de investimento parece mais substancial. Lula quer uma política comercial e industrial ativista -bem parecida com a de Joe Biden nos EUA- para reverter a tendência de esvaziamento da manufatura brasileira, que caiu para apenas 10% do PIB (Produto Interno Bruto), e fazer do Brasil uma opção de diversificação para as redes de valor globais.
Os empréstimos oficiais chineses para a América Latina caíram desde 2016, mas suas empresas ainda estão interessadas em investimentos diretos lá: o Conselho Empresarial Brasil-China estima que o Brasil foi o maior receptor de IED chinês em 2021.
Empresas automobilísticas chinesas como BYD e Great A Wall Motors têm investido fortemente na produção de veículos elétricos no Brasil. Uma relação baseada no IED da manufatura chinesa seria uma grande mudança em relação ao padrão comercial inquieto dos anos 2000 e 2010, às vezes rotulado de "colonial", onde o Brasil exportava commodities, mas prejudicava sua indústria doméstica importando produtos chineses.
Os EUA e a Europa têm sido tradicionalmente as maiores fontes de IED para o Brasil, mas a política de Biden em particular é a favor do "reshoring", ou comercializar com um pequeno número de parceiros confiáveis, em vez de produzir no exterior. Enquanto a GM tem uma grande presença no Brasil, por exemplo, a Ford encerrou toda a produção de carros no país em 2021 e está se concentrando na produção de veículos elétricos nos EUA.
A aversão dos Estados Unidos a assinar novos acordos comerciais prejudicará as tentativas do Brasil de se entrosar com redes de abastecimento voltadas para o mercado americano -certamente em comparação com um país como o México, que tem acesso privilegiado por meio do pacto comercial EUA-México-Canadá.
Enquanto isso, o acordo comercial da UE com o bloco do Mercosul, dominado pelo Brasil, acordado em princípio em 2019, ainda aguarda ratificação. O último obstáculo é Bruxelas, sob pressão de lobbies ambientais e agrícolas, insistindo que o Brasil primeiro assine uma carta de intenção enfatizando seus compromissos de reduzir o desmatamento na Amazônia.
O Brasil reduziu sua exposição aos mercados de dólar desde a crise cambial e da dívida no final dos anos 1990 e início dos 2000, e seu governo agora toma empréstimos quase exclusivamente em moeda local. Porém, como exportador de commodities denominadas em dólares, suas empresas estarão expostas à volatilidade da taxa de câmbio se ela mudar para outra moeda global.
O potencial prático da China como parceiro comercial e de investimento parece mais substancial. Lula quer uma política comercial e industrial ativista -bem parecida com a de Joe Biden nos EUA- para reverter a tendência de esvaziamento da manufatura brasileira, que caiu para apenas 10% do PIB (Produto Interno Bruto), e fazer do Brasil uma opção de diversificação para as redes de valor globais.
Os empréstimos oficiais chineses para a América Latina caíram desde 2016, mas suas empresas ainda estão interessadas em investimentos diretos lá: o Conselho Empresarial Brasil-China estima que o Brasil foi o maior receptor de IED chinês em 2021.
Empresas automobilísticas chinesas como BYD e Great A Wall Motors têm investido fortemente na produção de veículos elétricos no Brasil. Uma relação baseada no IED da manufatura chinesa seria uma grande mudança em relação ao padrão comercial inquieto dos anos 2000 e 2010, às vezes rotulado de "colonial", onde o Brasil exportava commodities, mas prejudicava sua indústria doméstica importando produtos chineses.
Os EUA e a Europa têm sido tradicionalmente as maiores fontes de IED para o Brasil, mas a política de Biden em particular é a favor do "reshoring", ou comercializar com um pequeno número de parceiros confiáveis, em vez de produzir no exterior. Enquanto a GM tem uma grande presença no Brasil, por exemplo, a Ford encerrou toda a produção de carros no país em 2021 e está se concentrando na produção de veículos elétricos nos EUA.
A aversão dos Estados Unidos a assinar novos acordos comerciais prejudicará as tentativas do Brasil de se entrosar com redes de abastecimento voltadas para o mercado americano -certamente em comparação com um país como o México, que tem acesso privilegiado por meio do pacto comercial EUA-México-Canadá.
Enquanto isso, o acordo comercial da UE com o bloco do Mercosul, dominado pelo Brasil, acordado em princípio em 2019, ainda aguarda ratificação. O último obstáculo é Bruxelas, sob pressão de lobbies ambientais e agrícolas, insistindo que o Brasil primeiro assine uma carta de intenção enfatizando seus compromissos de reduzir o desmatamento na Amazônia.
Mesmo que essa carta seja aceita, o acesso brasileiro ao mercado da UE pode ser prejudicado por um novo regulamento de desmatamento europeu que proíbe produtos, incluindo carne bovina e soja, criados em terras recentemente desmatadas.
Os críticos da UE dizem que ela frequentemente prejudica o acesso a novos mercados ao impor barreiras técnicas. Tatiana Prazeres, secretária de comércio exterior do Brasil, disse ao Financial Times: "Você não pode ter uma situação em que reduz suas tarifas na expectativa de acesso real ao mercado e, de repente, tem novas barreiras no caminho. As conversas que estamos tendo com a UE são muito francas".
Mesmo que o acordo UE-Mercosul seja ratificado, não é necessariamente a solução que o Brasil busca. Apelidado de acordo "carros por carne bovina", as reduções nas tarifas automotivas no acordo UE-Mercosul incentivarão as montadoras europeias a exportar para o mercado brasileiro, mais do que incentivá-las a produzir lá.
O acordo também impõe restrições à capacidade do Brasil de usar as licitações públicas para favorecer a indústria nacional. Lula está pedindo à UE sua própria carta de intenção para esclarecer que margem de manobra é permitida ao Brasil.
O destronamento do dólar pode ter virado a manchete da reunião Lula-Xi, mas os rivais geopolíticos da China em Washington e Bruxelas -e Paris- deveriam estar mais preocupados com a ajuda direta que o Brasil está recebendo de empresas chinesas.
Muitos mercados emergentes estão em posições semelhantes às do Brasil, e suas lealdades serão igualmente determinadas, ou mais, por investimentos e empregos do que pelas moedas globais e pela Guerra da Ucrânia.
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