1 de setembro de 2022

Economia deve ter melhor resultado desde 2014; entenda

Estímulos do governo ajudam, mas ritmo está melhor do que o esperado e ainda requer explicações

Vinicius Torres Freire

Folha de S.Paulo

Posto de combustivel na avenida Francisco Matarazzo, em São Paulo - Rivaldo Gomes - 20.jul.2022/Folhapress

A economia brasileira deve ter neste ano o maior crescimento desde 2014, provavelmente algo perto de 2,6%. Sim, em 2021 o PIB cresceu 4,6%, mas quase tudo isso fora recuperação do tombo do primeiro ano da epidemia (quando o PIB diminuíra 3,9%): despiora. Depois da Grande Recessão, entre 2017 e 2019, o crescimento médio havia sido de 1,4%.

Bom?

Este ano tem sido de estímulos econômicos extraordinários ou artificiais, o nome que se dê. Houve a liberação do saque do FGTS, por exemplo. Neste terceiro trimestre, há o pagamento do Auxílio Brasil mais gordo, as reduções de impostos e a queda dos preços de energia (combustíveis e eletricidade).

Ainda assim, o crescimento da economia veio bem acima da média das expectativas dos economistas do setor privado. Mesmo descontando o efeito dos estímulos do governo, o crescimento seria maior do que a média ainda mais mixuruca dos anos 2017-2019. O que mais pode explicar a melhoria relativa, bem relativa?

O preço das commodities, das mercadorias que vendemos para outros países (comida, minérios, petróleo) está alto, o que aumenta renda, consumo e investimento desses setores e seus agregados. O investimento em obras públicas, construção civil, é relevante neste ano eleitoral em que estados e prefeituras estão com os caixas cheios, de resto.

Além do mais, ainda há reabertura e recuperação de setores danados pela epidemia (como o de serviços presenciais). Serviços de transportes vão bem, provavelmente por causa de commodities (comércio internacional, grãos etc.) e do comércio eletrônico, que ganhou impulso com a epidemia.

O PIB do setor de serviços continua com crescimento forte. Está 3,7% acima do nível pré-pandemia. O PIB total (a economia inteira) está 3% acima do nível do final de 2019.

A massa salarial (a soma dos rendimentos do trabalho) está crescendo mais de 6% ao ano, em termos reais (descontada a inflação), embora o salário médio ainda esteja no pior nível da década, desde 2012. O trabalhador está mais barato. Agora, nota-se alguma desaceleração no ritmo de contratações, ainda forte.

No fim dessas contas, talvez ainda sobre algum resíduo de melhoria a explicar (as "surpresas" do PIB), embora o crescimento sem "artifícios" não deva ser lá muito maior que o da média 2017-2019. Reformas" ajudaram (facilitação de investimento privado, alteração das leis trabalhistas)? Pode ser um tema de debate, embora não deva ter acontecido nada de grandioso, longe disso.

O PIB, o tamanho da economia (da renda ou da produção) deste 2022 deve ser o maior desde 2014, mas o PIB per capita (a renda ou a produção dividida pela população) ainda será mais ou menos o de 2010. Nesse indicador menos impreciso de "riqueza", estamos parados faz uma dúzia de anos, portanto. No ritmo de crescimento deste 2022, voltaríamos à renda (PIB) per capita de 2013 e 2014 (as mais altas da história) apenas em 2025 ou 2026. Assim, ficaremos permanentemente mais pobres.

Quanto ao curtíssimo prazo, o trimestre passado, os resultados foram bons. A taxa de investimento ficou em 18,7% do PIB, a maior desde 2014. Taxa de investimento: quanto da renda da economia, quanto do PIB, é destinada à ampliação da capacidade produtiva.

A demanda doméstica fez o crescimento do trimestre, ao contrário dos primeiros três meses do ano. Isto é, consumo das famílias, do governo e investimento superaram em muito o efeito negativo das importações maiores que as exportações.

Se a economia não crescer mais nada até o final do ano, o PIB deste 2022 será 2,6% maior do que o de 2021 (isto é, se a variação do PIB trimestre ante trimestre for zero, a economia ainda cresceria esse tanto no ano inteiro). Mas é possível que o PIB ainda tenha resultado positivo neste terceiro trimestre, crescimento perto de 0,3% (o crescimento do segundo trimestre foi de 1,2%; o do primeiro, 1,1%).

Bancões dizem que houve sinal de alguma desaceleração do consumo e crédito em agosto, embora julho tenha sido bom. Nota óbvia: desaceleração significa diminuição da velocidade, não que andamos para trás. A confiança de consumidores e empresários, medida pela FGV, ainda teve crescimento quase geral na medida de agosto.

O espantoso aumento da arrecadação do governo, os números ainda fortes da quantidade de empregos, os estímulos fiscais (gastos do governo e redução de impostos), o crédito ainda crescente e o baixo nível de ociosidade da indústria indicam que o ritmo da economia andava bem até julho, pelo menos.

Em algum momento, é provável que a economia esfrie _deve crescer entre nada e 0,5% em 2023, dizem os chutes informados de "o mercado". Acabam-se os estímulos do governo, o preço das commodities recua, o mundo cresce menos, as taxas de juros subiram _a taxa básica real está no maior nível desde o 2015 de recessão.

Mas se esperava que o ritmo diminuísse no segundo trimestre (mas aumentou), fosse a zero no terceiro trimestre (parece que não vai ser) e que houvesse um começo de recessãozinha no quarto _pode não vir.

Pode ser que a situação da economia internacional tire pontos de crescimento do PIB, o que é ainda mais difícil de prever. De mais certo, as previsões de crescimento que vimos desde o final do ano passado estiveram bem furadas.

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