2 de outubro de 2023

A Revolução Chinesa aos setenta

A revolução chinesa completou setenta anos esta semana. Se procurassemos uma reflexão sobre o significado dessa revolução hoje, não a encontraríamos na cobertura da grande mídia.

Dennis Kosuth

Jacobin

Uma estátua do ex-líder chinês Mao Zedong em Wuhan, China. Wang He/Getty Images

Tradução / O governo chinês realizou um evento espetacular em 1º de outubro em Pequim para marcar o septuagésimo aniversário da revolução de 1949. A mídia mainstream focou nos armamentos perigosos que foram desfilados na Avenida Chang’an, uma importante via de Pequim, e em como o Presidente Xi Jinping é um terrível ditador de um regime autocrático. Nenhuma oportunidade de incitar medo entre aqueles no “mundo livre” foi perdida.

O que não lemos, infelizmente, foi algo que realmente explicasse o que a revolução chinesa representava e sua significância histórica. A natureza da China de hoje tem suas raízes na revolução de setenta anos atrás.

Na tarde de 1º de outubro de 1949, Mao Zedong, um líder chave da revolução, ficou de pé no topo da Tiananmen, portal para a Cidade Proibida, e declarou a fundação da República Popular da China. Ele listou a si mesmo e a outros cinquenta e sete homens como tendo sido eleitos pela Conferência Consultiva Política do Povo Chinês para administrar o país e delineou suas várias responsabilidades. Ele concluiu afirmando a intenção de estabelecer relações diplomáticas com quaisquer outros governos.

Os exércitos derrotados do líder do Guomindang (GMD) Chiang Kai-shek logo fugiram para a ilha de Taiwan e fundaram a República da China, que eles afirmaram ser o verdadeiro governo representando a China em sua totalidade. Não foi até 1973, o ano seguinte à visita do presidente dos EUA Nixon, que a maioria dos governos reconheceu a autoridade da República Popular da China sobre a da República da China. Levou quase vinte e cinco anos após a revolução de 1949 antes que a maioria dos governos parasse de considerar uma ilha de 0,4% do tamanho da massa de terra da China, com uma população inferior a 2% do tamanho da China, como a potência dominante.

Considerando o que a revolução de 1949 realizou, não é de se admirar que seu novo governo não tenha sido reconhecido, pois eles puseram fim ao que era conhecido como o Século da Humilhação. Começando com a primeira Guerra do Ópio em 1839, a ocupação estrangeira e a exploração foram suas características marcantes. Os mercados britânicos, ávidos por chá, seda e porcelana chineses — e incapazes de equilibrar seu crescente déficit comercial — tiveram a ideia engenhosa de cultivar ópio em suas plantações na vizinha Índia e vender essa droga altamente viciante na China.

Quando a dinastia Qing tentou acabar com o caos que essa epidemia estava causando em seu povo proibindo a venda da droga, os britânicos responderam com o que mais tarde foi chamado de “diplomacia de canhoneira”. Como você deve imaginar, a ênfase é em “barcos com canhões”, e menos em “diplomacia”. Com a queda da dinastia Qing em 1911 em uma revolução liderada por Sun Yat-sen, a China estava altamente dividida e dominada por senhores da guerra locais, que coludiram com potências imperiais estrangeiras, especialmente ao longo da costa leste da China, para pilhar e explorar abertamente o povo chinês e seus recursos.

Em um dos filmes mais políticos do artista marcial Bruce Lee, Punho de Fúria, há uma cena particularmente comovente onde o protagonista enfrenta o racismo inerente à ocupação, que não era apenas uma questão de colonialistas brancos versus chineses. Os britânicos não tinham escrúpulos em implantar soldados punjabis e guardas sikhs para reprimir revoltas populares.

A história da ocupação japonesa de Nanquim foi particularmente brutal. As atrocidades foram demais até para John Rabe, membro do Partido Nazista, um empresário alemão na China, que usou sua filiação a uma organização fascista para atrasar um ataque japonês, permitindo que dezenas de milhares de refugiados chineses fugissem. (Antes de se empolgar demais com um nazista expatriado que cometeu um ato único e excepcional, deve-se afirmar claramente que o crédito pelo fim da ocupação japonesa pertence ao Partido Comunista da China [PCC]).

O Movimento de Quatro de Maio foi lançado em resposta ao Tratado de Versalhes de 1919, que permitiu ao Japão assumir os interesses alemães na província de Shandong, rica em petróleo. Atônitos por uma guerra na Europa terminar com a transferência de recursos chineses de um poder imperial para outro, muitos dos estudantes que lideraram essa luta mais tarde se tornaram fundadores do PCC em 1921. Inspirados pelo sucesso da revolução de 1917 na vizinha Rússia, a Internacional Comunista (Comintern) foi uma influência importante sobre os ativistas chineses.

A filiação ao PCC teve um crescimento exponencial entre sua fundação e meados dos anos 1920. Concentrados nas cidades costeiras e composta esmagadoramente por trabalhadores urbanos, o Partido atraiu esse setor da sociedade praticando uma política com a autoemancipação da classe trabalhadora em seu centro. Eles lideraram greves, confrontaram a violência das forças armadas estrangeiras e organizaram milhões de trabalhadores em sindicatos.

O PCC não era a única opção disponível, e o sentimento de libertação nacional também estava organizado no já mencionado GMD. Por causa de suas ligações com proprietários de terras e capitalistas chineses, o GMD tinha quase tanto medo dos trabalhadores e agricultores se levantando quanto se opunha à ocupação estrangeira. A Comintern, fundada em Moscou em março de 1919, tinha a tarefa principal de espalhar a revolução da classe trabalhadora pelo mundo. Aconselhou o PCC a trabalhar sob a direção do GMD maior e mais estabelecido. Mais tarde, a Comintern admitiu o GMD como um partido associado e nomeou Chiang Kai-shek como membro de seu corpo de liderança — com Leon Trotsky como o único voto contra essa decisão. Trotsky acreditava que o GMD trairia tanto os trabalhadores quanto os agricultores; a história provou que ele estava certo.

Até a década de 1920, a Comintern estava desesperada por uma vitória. Após 1917, várias revoluções na Alemanha falharam, e a revolução na Rússia estava se tornando cada vez mais isolada e literalmente faminta. Para alguns, a Comintern era vista não como uma ferramenta de propagação da revolução, mas para acelerar os interesses da política externa russa. Joseph Stalin, que havia se destacado como líder à medida que a revolução russa diminuía, queria acelerar uma revolução chinesa vitoriosa — e via uma aliança entre GMD e PCC como o meio para alcançá-la.

Durante um debate em agosto de 1927, Trotsky criticou as táticas da Comintern. O cerne de seu argumento era que a autonomia política dos revolucionários não pode ser sacrificada por conveniência política. Os socialistas devem trabalhar ao lado e formar alianças com outras forças em torno de uma luta comum, mas também devem manter a independência política e manter os olhos no objetivo de longo prazo do poder da classe trabalhadora. Essas lições foram aprendidas com a luta russa.

A subserviência do PCC ao GMD acabou resultando em um banho de sangue, uma história melhor contada por Harold Isaacs em A Tragédia da Revolução Chinesa. Começando na primavera de 1927, Chiang Kai-shek se aliou a senhores da guerra locais em Xangai para capturar organizadores do PCC e executá-los. Centenas de milhares foram mortos ao longo do ano seguinte, e o que restou do PCC fugiu para o interior da China — nunca recuperando sua influência anterior entre os trabalhadores urbanos do litoral.

Mao Zedong merece crédito por conseguir reagrupar as forças remanescentes do PCC e focar seus esforços em manter, e mais tarde construir, um exército formidável. Quando a ocupação japonesa começou em 1937, a base de Mao em Yan’an tornou-se um centro de resistência. O PCC uniu um senso de identidade nacional com a luta pela reforma agrária. A apropriação e redistribuição de propriedades de senhores de terra para agricultores usando sua força militar os tornou populares no campo. A organização entre a maioria das forças de agricultores na China deu ao PCC uma base sólida para construir — e forneceu a força militar ao lado da vontade política para expulsar primeiro a ocupação japonesa, e depois as forças de Chiang.

Embora a classe trabalhadora chinesa fosse a força dominante no PCC antes da campanha de extermínio de Chiang, após a reorganização do PCC, ela nem mesmo foi um fator secundário. Como o historiador Maurice Meisner escreveu, o PCC “entrou nas cidades em 1949 não menos como ocupantes do que como libertadores, e para os habitantes urbanos que haviam contribuído tão pouco para a vitória revolucionária, sentimentos de simpatia foram misturados com fortes sentimentos de suspeita”.

A revolução chinesa conseguiu expulsar não apenas as potências estrangeiras, mas também seus lacaios no KMT. Esta foi uma vitória importante para a libertação nacional. Foi uma luta de massas que mudou fundamentalmente a China. Mas também é importante não confundir um movimento de libertação nacional com uma mudança fundamental na forma como uma economia é administrada. Os socialistas devem apoiar os esforços das pessoas para se libertarem do domínio estrangeiro, e é possível fazer isso reconhecendo as limitações da libertação nacional — e falando sobre os muitos horrores que ocorreram sob Mao, como as grandes fomes que mataram milhões durante o Grande Salto Adiante entre 1958 e 1962, ou os excessos desenfreados da Revolução Cultural alguns anos depois.

Na China de hoje, o que agora é referido como “socialismo com características chinesas” parece muito com o velho capitalismo, no qual a grande maioria das pessoas na sociedade trabalha, e seu trabalho é explorado por uma pequena minoria que possui. Xi Jinping obteve um doutorado em ideologia marxista e, portanto, pode falar eloquentemente comemorando o ducentésimo aniversário de Marx, mas ainda assim não dizer nada substancial em relação à forma como a China é realmente administrada. A mídia ocidental ainda trata o país como o antigo bicho-papão das ditaduras comunistas, mas o oposto é verdadeiro: o país é uma ditadura capitalista.

A China relata ter tirado 750 milhões de pessoas da pobreza, e não se pode negar que os padrões de vida aumentaram significativamente desde 1949. Apesar disso, a desigualdade é maciça. Jack Ma, o bilionário fundador da Alibaba (equivalente da Amazon na China), foi um dos cem pioneiros destacados pelo Comitê Central do PCC no ano passado. Com um patrimônio líquido de mais de 38 bilhões de dólares, Jack Ma não enriqueceu revendendo maçãs que ele havia polido para algum mercado local. Como um apoiador vocal de Xi e membro do PCC, Jack Ma enriqueceu da mesma maneira que Jeff Bezos: explorando trabalhadores e fazendo amigos em altos cargos.

A questão importante a se perguntar é: de onde veio a riqueza que elevou o padrão de vida de 750 milhões de chineses e fez de Jack Ma um bilionário trinta e oito vezes? Quem deve, em última análise, controlar essa riqueza?

A China enfrenta grandes questões: um abismo crescente entre ricos e pobres, desigualdade de gênero severa, disputas com países vizinhos por território, catástrofe ambiental, uma economia em desaceleração, repressão de sua minoria muçulmana, guerra comercial com os Estados Unidos, protestos contínuos em Hong Kong. Se a história chinesa nos ensinou alguma coisa, é que pessoas comuns têm a capacidade de lutas incríveis e inspiradoras. Da rebelião anti-imperialista dos Boxers à onda de greves de 1927, da revolução de 1949 aos protestos da Praça Tiananmen em 1989, o povo da China mostrou-se capaz de se levantar e lutar contra probabilidades aparentemente intransponíveis.

Os esquerdistas devem se educar e educar os outros sobre a rica história da China. Devemos acompanhar e aprender sobre as lutas que ocorrem lá agora e estar preparados para organizar a solidariedade com esses movimentos. Nossas próprias lutas têm semelhanças com as que as pessoas comuns na China travaram e estão atualmente lutando; nosso futuro coletivo depende de nossa solidariedade internacional.

Colaborador

Dennis Kosuth é socialista e membro do Sindicato dos Professores de Chicago.

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