Philippe Lazzarini
The Guardian
Bairros inteiros estão a ser arrasados sobre as cabeças de civis num dos locais mais sobrepovoados do planeta. As Forças de Defesa Israelitas têm avisado os palestinianos em Gaza para se deslocarem para a parte sul da faixa, enquanto bombardeiam o norte; mas os ataques também continuam no sul. Não há nenhum sítio seguro em Gaza.
The Guardian
"Gaza está se tornando o cemitério de uma população presa entre a guerra, o cerco e a privação." Fotografia: Ahmad Hasaballah/Getty Images |
Tradução / Há mais de duas semanas que de Gaza nos chegam imagens insuportáveis de tragédia humana. Mulheres, crianças e idosos estão a ser mortos, hospitais e escolas foram bombardeados - ninguém é poupado. No momento em que escrevo isto, a UNRWA, a agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos, já perdeu, tragicamente, 35 dos seus funcionários, muitos deles mortos quando se encontravam nas suas casas com as suas famílias.
Bairros inteiros estão a ser arrasados sobre as cabeças de civis num dos locais mais sobrepovoados do planeta. As Forças de Defesa Israelitas têm avisado os palestinianos em Gaza para se deslocarem para a parte sul da faixa, enquanto bombardeiam o norte; mas os ataques também continuam no sul. Não há nenhum sítio seguro em Gaza.
Cerca de 600.000 pessoas estão abrigadas em 150 escolas e noutros edifícios da UNRWA, vivendo em condições insalubres, com pouca água potável, poucos alimentos e medicamentos. As mães não sabem como podem limpar os seus filhos. As mulheres grávidas rezam para não sofrerem complicações durante o parto, porque os hospitais não têm capacidade para as receber. Famílias inteiras vivem agora nos nossos edifícios porque não têm outro sítio para onde ir. Mas as nossas instalações não são seguras - 40 edifícios da UNRWA, incluindo escolas e armazéns, foram danificados pelos ataques. Muitos civis que se encontravam abrigados nesses edifícios foram tragicamente mortos.
Nos últimos 15 anos, Gaza tem sido descrita como uma grande prisão a céu aberto, com um bloqueio aéreo, marítimo e terrestre que sufoca 2,2 milhões de pessoas num espaço de 365 quilómetros quadrados. A maioria dos jovens nunca saiu de Gaza. Atualmente, esta prisão está a tornar-se o cemitério de uma população encurralada entre a guerra, o cerco e a privação.
Nos últimos dias, intensas negociações ao mais alto nível permitiram finalmente a entrada de um número muito limitado de fornecimentos humanitários na faixa. Embora o avanço seja bem-vindo, estes camiões são mais uma gota de água do que o fluxo de ajuda que uma situação humanitária desta magnitude exige. Vinte camiões de alimentos e material médico são uma gota no oceano para as necessidades de mais de 2 milhões de civis. O combustível, porém, foi firmemente negado a Gaza. Sem ele, não haverá resposta humanitária, não haverá ajuda para as pessoas necessitadas, não haverá eletricidade para os hospitais, não haverá água, não haverá pão.
Antes de 7 de outubro, Gaza recebia diariamente cerca de 500 camiões de alimentos e outros abastecimentos, incluindo 45 camiões de combustível para alimentar os automóveis, as instalações de dessalinização de água e as padarias da Faixa de Gaza. Hoje, Gaza está a ser estrangulada, e os poucos camiões que entram agora não vão apaziguar o sentimento da população civil de que foi abandonada e sacrificada pelo mundo.
No dia 7 de outubro, o Hamas cometeu massacres indescritíveis de civis israelitas que podem constituir crimes de guerra. A ONU condenou este ato horrível nos termos mais veementes. Mas que não haja qualquer sombra de dúvida - isso não justifica os crimes que continuam a ser cometidos contra a população civil de Gaza, incluindo o seu milhão de crianças.
A Carta das Nações Unidas e os nossos compromissos são um compromisso com a nossa humanidade partilhada. Os civis - onde quer que se encontrem - devem ser protegidos em pé de igualdade. Os civis de Gaza não escolheram esta guerra. As atrocidades não devem ser seguidas de mais atrocidades. A resposta aos crimes de guerra não é mais crimes de guerra. O quadro do direito internacional é muito claro e está bem estabelecido a este respeito.
Serão necessários esforços genuínos e corajosos para voltar às raízes deste impasse mortal e oferecer opções políticas que sejam viáveis e possam permitir um ambiente de paz, estabilidade e segurança. Até lá, temos de garantir que as regras do direito humanitário internacional são respeitadas e que os civis são poupados e protegidos. Deve ser decretado um cessar-fogo humanitário imediato para permitir o acesso seguro, contínuo e sem restrições a combustível, medicamentos, água e alimentos na Faixa de Gaza.
Dag Hammarskjöld, o segundo secretário-geral da ONU, disse um dia: "A ONU não foi criada para nos levar ao céu, mas para nos salvar do inferno". A realidade atual em Gaza é que já não resta muita humanidade e o inferno está a instalar-se.
As gerações vindouras saberão que assistimos ao desenrolar desta tragédia humana através das redes sociais e dos canais de notícias. Não poderemos dizer que não sabíamos. A história perguntará porque é que o mundo não teve a coragem de agir de forma decisiva e parar este inferno na Terra.
Philippe Lazzarini é comissário-geral da UNRWA, a Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras aos Refugiados da Palestina
Nos últimos 15 anos, Gaza tem sido descrita como uma grande prisão a céu aberto, com um bloqueio aéreo, marítimo e terrestre que sufoca 2,2 milhões de pessoas num espaço de 365 quilómetros quadrados. A maioria dos jovens nunca saiu de Gaza. Atualmente, esta prisão está a tornar-se o cemitério de uma população encurralada entre a guerra, o cerco e a privação.
Nos últimos dias, intensas negociações ao mais alto nível permitiram finalmente a entrada de um número muito limitado de fornecimentos humanitários na faixa. Embora o avanço seja bem-vindo, estes camiões são mais uma gota de água do que o fluxo de ajuda que uma situação humanitária desta magnitude exige. Vinte camiões de alimentos e material médico são uma gota no oceano para as necessidades de mais de 2 milhões de civis. O combustível, porém, foi firmemente negado a Gaza. Sem ele, não haverá resposta humanitária, não haverá ajuda para as pessoas necessitadas, não haverá eletricidade para os hospitais, não haverá água, não haverá pão.
Antes de 7 de outubro, Gaza recebia diariamente cerca de 500 camiões de alimentos e outros abastecimentos, incluindo 45 camiões de combustível para alimentar os automóveis, as instalações de dessalinização de água e as padarias da Faixa de Gaza. Hoje, Gaza está a ser estrangulada, e os poucos camiões que entram agora não vão apaziguar o sentimento da população civil de que foi abandonada e sacrificada pelo mundo.
No dia 7 de outubro, o Hamas cometeu massacres indescritíveis de civis israelitas que podem constituir crimes de guerra. A ONU condenou este ato horrível nos termos mais veementes. Mas que não haja qualquer sombra de dúvida - isso não justifica os crimes que continuam a ser cometidos contra a população civil de Gaza, incluindo o seu milhão de crianças.
A Carta das Nações Unidas e os nossos compromissos são um compromisso com a nossa humanidade partilhada. Os civis - onde quer que se encontrem - devem ser protegidos em pé de igualdade. Os civis de Gaza não escolheram esta guerra. As atrocidades não devem ser seguidas de mais atrocidades. A resposta aos crimes de guerra não é mais crimes de guerra. O quadro do direito internacional é muito claro e está bem estabelecido a este respeito.
Serão necessários esforços genuínos e corajosos para voltar às raízes deste impasse mortal e oferecer opções políticas que sejam viáveis e possam permitir um ambiente de paz, estabilidade e segurança. Até lá, temos de garantir que as regras do direito humanitário internacional são respeitadas e que os civis são poupados e protegidos. Deve ser decretado um cessar-fogo humanitário imediato para permitir o acesso seguro, contínuo e sem restrições a combustível, medicamentos, água e alimentos na Faixa de Gaza.
Dag Hammarskjöld, o segundo secretário-geral da ONU, disse um dia: "A ONU não foi criada para nos levar ao céu, mas para nos salvar do inferno". A realidade atual em Gaza é que já não resta muita humanidade e o inferno está a instalar-se.
As gerações vindouras saberão que assistimos ao desenrolar desta tragédia humana através das redes sociais e dos canais de notícias. Não poderemos dizer que não sabíamos. A história perguntará porque é que o mundo não teve a coragem de agir de forma decisiva e parar este inferno na Terra.
Philippe Lazzarini é comissário-geral da UNRWA, a Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras aos Refugiados da Palestina
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