Gilbert Achcar
Gilbert Achcar é professor de estudos de desenvolvimento e relações internacionais na SOAS, Universidade de Londres
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, segura um mapa do “Novo Oriente Médio” durante um discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas. (Michael M. Santiago/Getty Images) |
Tradução / Anunciada como iminente há vários dias, depois de mais de um milhão de habitantes da metade norte da Faixa de Gaza terem tido apenas 24 horas para fugir para sul, a ofensiva terrestre das forças armadas israelenses sobre Gaza ainda não começou no momento em que escrevo. Apesar das tentativas de transmitir uma impressão contrária, este atraso reflete o fato de a liderança política e o comando militar de Israel não terem um plano pronto para a invasão de Gaza à escala que têm vindo a equacionar desde o ataque lançado pelo Hamas em 7 de outubro. As forças armadas israelenses dificilmente poderiam estar prevendo uma reocupação de Gaza, que evacuaram há 18 anos. As sucessivas operações que lançaram contra a faixa em 2006, 2008-09, 2012, 2014 e 2021 - para mencionar apenas as maiores - foram todas limitadas, consistindo essencialmente em bombardeamentos, juntamente com ataques terrestres limitados em 2009 e 2014. Mas a escala extraordinária e o efeito traumatizante de 7 de outubro tornaram impossível aos dirigentes israelenses estabelecer um objetivo menor do que a erradicação total do Hamas de Gaza e a "pacificação" da faixa.
Trata-se de um desafio enorme, pois não só a invasão de um território tão densamente povoado implica uma guerra urbana de grande risco para o invasor, como também coloca de forma mais acutilante o problema de saber o que fazer no dia seguinte com o território conquistado. A questão não é apenas militar, escusado será dizer; é também, e até principalmente, política. A estreita interdependência das considerações políticas e militares é particularmente evidente na situação atual. A escala de violência que é inevitável na concretização dos objetivos proclamados por Israel provocará inevitavelmente um impacto político, que se repercutirá na condução da própria guerra.
O fator mais óbvio nesta equação é que a tolerância de Israel a perdas entre as suas tropas é muito limitada, como ilustrado de forma impressionante pela troca, em 2011, do soldado israelita Gilad Shalit, mantido em cativeiro em Gaza, por mais de 1000 prisioneiros palestinianos. Isto torna impossível ao exército israelita lançar ataques terrestres em condições que impõem um custo elevado em vidas de soldados, como os ataques que as tropas russas (regulares e/ou afiliadas ao serviço paramilitar Wagner) têm lançado na Ucrânia desde 2022 - para não mencionar casos extremos como as "ondas humanas" do Irão durante a sua guerra de 1980-88 com o Iraque. Assim, a superioridade do exército israelita é máxima em terrenos como o deserto do Sinai egípcio ou os Montes Golã sírios, onde os edifícios são escassos e o poder de fogo à distância é decisivo. Pelo contrário, quando Ariel Sharon, na altura ministro da Defesa de Israel, ordenou às suas tropas que entrassem na Beirute sitiada no início de agosto de 1982, tiveram de abandonar a tentativa no dia seguinte. Só após a evacuação negociada dos combatentes palestinianos de Beirute é que as forças israelitas conseguiram invadir a cidade em meados de setembro. Retiraram-se no final do mesmo mês, depois de um nascente movimento de resistência urbana libanesa ter começado a atacá-los.
Um corolário disto é que a única maneira de o exército israelita invadir qualquer parte de uma paisagem urbana tão densa e vasta como a Faixa de Gaza com perdas israelitas mínimas é arrasar as áreas que se esforça por ocupar através de bombardeamentos intensivos antes de lançar a ofensiva terrestre. Foi isso que começou, de facto, no rescaldo imediato do dia 7 de outubro, com um nível de danos que, tanto em extensão como em intensidade, ultrapassa em muito as anteriores campanhas de bombardeamento israelitas, desde o Líbano em 2006 até às sucessivas guerras em Gaza. O arrasar de vastas parcelas de território urbano não foi possível aos militares israelitas em nenhuma das guerras anteriores - não por falta de poder destrutivo, claro, mas por ausência das condições políticas necessárias.
Isto foi mais evidente em 1982, quando o cerco israelita a Beirute provocou um grande protesto internacional e uma crise política dentro de Israel, onde a oposição ao governo Likud de Menachem Begin e Ariel Sharon se manifestou em protestos maciços. Nas guerras anteriores contra Gaza, as forças armadas de Israel não tinham qualquer intenção de reocupar parte de Gaza. Desta vez, essa intenção está bem patente, e as ondas de choque provocadas pela morte sem precedentes de um grande número de civis e soldados israelitas são de tal magnitude que tanto a opinião pública israelita como os apoiantes internacionais tradicionais de Israel estão a aprovar explícita ou implicitamente a reocupação de Gaza na sua totalidade. O que é que a erradicação do Hamas e a analogia com o grupo do Estado Islâmico podem significar, a não ser a realização de uma operação de busca e varrimento em toda a Faixa de Gaza?
Tal como o Financial Times noticiou recentemente, com base em entrevistas com peritos militares:
O exército israelita vai implementar a chamada "doutrina da vitória", que exige que a força aérea disponha de um vasto leque de alvos pré-selecionados, destruídos rapidamente. Esta doutrina já está a ser aplicada, com os caças a bombardearem intensamente grandes áreas de Gaza, parando apenas para reabastecer, muitas vezes em pleno ar. A campanha destina-se a ultrapassar a capacidade de reagrupamento do Hamas e, de acordo com uma pessoa familiarizada com as discussões que criaram a doutrina em 2020, a "atingir o máximo de objetivos antes que a comunidade internacional exerça pressão política para abrandar".
É este o cenário militar que se está a desenhar. Agora vem a dimensão política. Se o objetivo militar é, de facto, reocupar Gaza para erradicar o Hamas, as questões que se seguem são, naturalmente, as seguintes: Por quanto tempo e para substituir o Hamas pelo quê? Há muito mais espaço para desacordo sobre estas duas questões de estratégia política do que sobre a estratégia militar, cujos parâmetros são muito mais estreitos, uma vez que dependem de considerações objetivas e da natureza dos meios militares disponíveis. Os dois pólos opostos da divergência política traduzem-se em dois cenários que poderíamos designar por cenário do Grande Israel e cenário de Oslo.
O cenário do Grande Israel é o que mais agrada a Benjamin Netanyahu e aos seus acólitos da extrema-direita israelita. O Partido Likud é herdeiro da extrema-direita sionista, conhecida como Sionismo Revisionista, cujas ramificações armadas perpetraram o massacre de Deir Yassin, o mais infame assassínio em massa de palestinianos em 1948, no meio daquilo a que os árabes chamam a Nakba (catástrofe). Nos 78% do território do Mandato Britânico da Palestina que as forças armadas sionistas conseguiram conquistar durante a guerra desse ano (os sionistas tinham recebido 55% pelo plano de partilha aprovado por uma Organização das Nações Unidas recém-criada, então dominada por países do Norte Global), 80% da população palestiniana foi desalojada. Tinham fugido da guerra, assustados com atrocidades como as de Deir Yassin, e nunca mais seriam autorizados a regressar às suas casas e terras. E, no entanto, a extrema-direita sionista nunca perdoou ao sionismo dominante, que era então liderado por David Ben-Gurion, o facto de ter concordado em parar a guerra antes de conquistar 100% da Palestina do Mandato Britânico entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão.
Durante o seu recente discurso na Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, apenas duas semanas antes de 7 de outubro, Netanyahu brandiu um mapa do Médio Oriente mostrando um Grande Israel que incluía Gaza e a Cisjordânia. Ainda mais relevante para a nova guerra de Gaza é o facto - pouco mencionado nos media globais - de Netanyahu se ter demitido do governo israelita liderado por Sharon em 2005, em protesto contra a decisão deste último de se retirar de Gaza. (Sharon sucedeu a Netanyahu na liderança do Likud em 1999, após a derrota eleitoral deste último para o Partido Trabalhista, então liderado por Ehud Barak. Sharon conseguiu então ganhar as eleições seguintes, em 2003, e ofereceu o Ministério das Finanças a Netanyahu).
Muito mais militar do que político, Sharon estava atento ao apelo dos militares para a retirada das tropas da turbulenta Gaza, preferindo controlar a faixa a partir do exterior. Não via qualquer perspetiva de anexação de Gaza, à semelhança do que se passa na Cisjordânia desde a sua ocupação em 1967. Considerou, por isso, que seria mais sensato deixar a Autoridade Palestiniana, criada pelos Acordos de Oslo de 1993, tomar conta de Gaza, enquanto se concentrava na Cisjordânia - um objetivo sionista muito mais apreciado e consensual.
Oslo exigia a retirada das tropas israelitas apenas das zonas da Cisjordânia densamente povoadas por palestinianos, permitindo simultaneamente que Israel mantivesse o controlo da maior parte do território. Para mostrar o seu desprezo pela Autoridade Palestiniana, Sharon optou por uma "retirada" unilateral de Gaza em 2005 - sem a preparar com a Autoridade Palestiniana. Dois anos depois, o Hamas tomou o poder na faixa.
Netanyahu protestou contra a retirada de Sharon. Liderou a oposição a Sharon no seio do Likud e reuniu força suficiente para o levar a abandonar o partido e a fundar um novo no mesmo ano, 2005. Netanyahu tem liderado o Likud desde então. Conseguiu chegar ao cargo de primeiro-ministro em 2009, jogando com a fragmentação da paisagem política israelita - uma arte em que, como oportunista consumado, é exímio - e manteve-se no cargo até junho de 2021. No final de 2022, estava de volta ao leme, chefiando o governo mais de extrema-direita da história de Israel - um país onde vários governos sucessivos, desde a primeira vitória do Likud em 1977, foram rotulados como os "mais de direita da história", numa deriva interminável para a direita. Netanyahu acenou com a cabeça ao "plano de paz" de Donald Trump (e Jared Kushner) em 2020 apenas porque sabia perfeitamente que os palestinianos não o poderiam aceitar. É provável que tenha visto esta rejeição inevitável como um bom pretexto para uma anexação unilateral da maior parte da Cisjordânia num momento posterior.
A perspetiva de reconquista de Gaza exigia uma grande convulsão que não estava no horizonte. Ninguém poderia esperar que ela fosse criada, de repente, pela operação "Tempestade Al-Aqsa" do Hamas. Foi, efetivamente, o equivalente israelita do 11 de setembro. O dia 7 de outubro foi, de facto, 20 vezes mais mortífero do que o 11 de setembro em relação à população de cada país, como Netanyahu referiu a Joe Biden durante a visita deste último a Israel, em 18 de outubro. Tal como o 11 de setembro criou as condições políticas que permitiram à administração Bush concretizar o seu projeto de estimação de invadir o Iraque, o 7 de outubro de Israel criou as condições políticas para a reconquista de Gaza, algo que Netanyahu há muito desejava, mas que era demasiado ousado e fora dos limites para ser discutido abertamente até então. Resta saber se este objetivo é exequível, claro, mas é o que a direita dura sionista ambiciona.
Os repetidos apelos das autoridades políticas e militares israelitas aos habitantes de Gaza para que fujam para sul, em direção à fronteira com o Egipto, e a sua ânsia de convencer o Cairo a abrir a porta da Península do Sinai e a acolher o grosso da população de Gaza (2,3 milhões de pessoas), são assim corretamente entendidos pelos egípcios como um convite a deixar os habitantes de Gaza instalarem-se no Sinai por tempo indeterminado - tal como os palestinianos deslocados das suas terras em 1948 e 1967 foram transformados em refugiados permanentes nos países árabes vizinhos. Em 18 de outubro, o Presidente egípcio, Abdel Fattah el-Sisi, esfriou esta ideia, aconselhando Israel a dar refúgio aos habitantes de Gaza no deserto do Negev, dentro do seu próprio território de 1948, se realmente pretende conceder-lhes apenas um abrigo temporário.
A Grande Israel não é, no entanto, uma ambição unânime dos dirigentes israelitas - nem mesmo depois de 7 de outubro. Tem algum apoio nos Estados Unidos, da extrema-direita do Partido Republicano e entre os sionistas cristãos. Mas não é certamente apoiada pela maior parte do establishment da política externa dos EUA, os Democratas em particular. A administração Biden - bem conhecida por ter pouca simpatia por Netanyahu, que em 2012 apoiou abertamente Mitt Romney para presidente contra Barack Obama (e Biden, o seu vice-presidente) - mantém a perspetiva, criada pelos Acordos de Oslo, de um Estado mínimo palestiniano, fornecendo um álibi para marginalizar a causa palestiniana e abrir caminho para o desenvolvimento de ligações e colaboração entre Israel e os Estados árabes.
Foi por isso que Biden disse à CBS, a 15 de outubro, que "seria um grande erro" Israel ocupar Gaza. O presidente dos EUA não quis dizer que a invasão de toda a faixa para erradicar o Hamas seria um erro. Pelo contrário, afirmou claramente que "entrar mas eliminar os extremistas (...) é um requisito necessário". Perguntado então: "Acredita que o Hamas deve ser totalmente eliminado?" Biden respondeu:
Durante o seu recente discurso na Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, apenas duas semanas antes de 7 de outubro, Netanyahu brandiu um mapa do Médio Oriente mostrando um Grande Israel que incluía Gaza e a Cisjordânia. Ainda mais relevante para a nova guerra de Gaza é o facto - pouco mencionado nos media globais - de Netanyahu se ter demitido do governo israelita liderado por Sharon em 2005, em protesto contra a decisão deste último de se retirar de Gaza. (Sharon sucedeu a Netanyahu na liderança do Likud em 1999, após a derrota eleitoral deste último para o Partido Trabalhista, então liderado por Ehud Barak. Sharon conseguiu então ganhar as eleições seguintes, em 2003, e ofereceu o Ministério das Finanças a Netanyahu).
Muito mais militar do que político, Sharon estava atento ao apelo dos militares para a retirada das tropas da turbulenta Gaza, preferindo controlar a faixa a partir do exterior. Não via qualquer perspetiva de anexação de Gaza, à semelhança do que se passa na Cisjordânia desde a sua ocupação em 1967. Considerou, por isso, que seria mais sensato deixar a Autoridade Palestiniana, criada pelos Acordos de Oslo de 1993, tomar conta de Gaza, enquanto se concentrava na Cisjordânia - um objetivo sionista muito mais apreciado e consensual.
Oslo exigia a retirada das tropas israelitas apenas das zonas da Cisjordânia densamente povoadas por palestinianos, permitindo simultaneamente que Israel mantivesse o controlo da maior parte do território. Para mostrar o seu desprezo pela Autoridade Palestiniana, Sharon optou por uma "retirada" unilateral de Gaza em 2005 - sem a preparar com a Autoridade Palestiniana. Dois anos depois, o Hamas tomou o poder na faixa.
Netanyahu protestou contra a retirada de Sharon. Liderou a oposição a Sharon no seio do Likud e reuniu força suficiente para o levar a abandonar o partido e a fundar um novo no mesmo ano, 2005. Netanyahu tem liderado o Likud desde então. Conseguiu chegar ao cargo de primeiro-ministro em 2009, jogando com a fragmentação da paisagem política israelita - uma arte em que, como oportunista consumado, é exímio - e manteve-se no cargo até junho de 2021. No final de 2022, estava de volta ao leme, chefiando o governo mais de extrema-direita da história de Israel - um país onde vários governos sucessivos, desde a primeira vitória do Likud em 1977, foram rotulados como os "mais de direita da história", numa deriva interminável para a direita. Netanyahu acenou com a cabeça ao "plano de paz" de Donald Trump (e Jared Kushner) em 2020 apenas porque sabia perfeitamente que os palestinianos não o poderiam aceitar. É provável que tenha visto esta rejeição inevitável como um bom pretexto para uma anexação unilateral da maior parte da Cisjordânia num momento posterior.
A perspetiva de reconquista de Gaza exigia uma grande convulsão que não estava no horizonte. Ninguém poderia esperar que ela fosse criada, de repente, pela operação "Tempestade Al-Aqsa" do Hamas. Foi, efetivamente, o equivalente israelita do 11 de setembro. O dia 7 de outubro foi, de facto, 20 vezes mais mortífero do que o 11 de setembro em relação à população de cada país, como Netanyahu referiu a Joe Biden durante a visita deste último a Israel, em 18 de outubro. Tal como o 11 de setembro criou as condições políticas que permitiram à administração Bush concretizar o seu projeto de estimação de invadir o Iraque, o 7 de outubro de Israel criou as condições políticas para a reconquista de Gaza, algo que Netanyahu há muito desejava, mas que era demasiado ousado e fora dos limites para ser discutido abertamente até então. Resta saber se este objetivo é exequível, claro, mas é o que a direita dura sionista ambiciona.
Os repetidos apelos das autoridades políticas e militares israelitas aos habitantes de Gaza para que fujam para sul, em direção à fronteira com o Egipto, e a sua ânsia de convencer o Cairo a abrir a porta da Península do Sinai e a acolher o grosso da população de Gaza (2,3 milhões de pessoas), são assim corretamente entendidos pelos egípcios como um convite a deixar os habitantes de Gaza instalarem-se no Sinai por tempo indeterminado - tal como os palestinianos deslocados das suas terras em 1948 e 1967 foram transformados em refugiados permanentes nos países árabes vizinhos. Em 18 de outubro, o Presidente egípcio, Abdel Fattah el-Sisi, esfriou esta ideia, aconselhando Israel a dar refúgio aos habitantes de Gaza no deserto do Negev, dentro do seu próprio território de 1948, se realmente pretende conceder-lhes apenas um abrigo temporário.
A Grande Israel não é, no entanto, uma ambição unânime dos dirigentes israelitas - nem mesmo depois de 7 de outubro. Tem algum apoio nos Estados Unidos, da extrema-direita do Partido Republicano e entre os sionistas cristãos. Mas não é certamente apoiada pela maior parte do establishment da política externa dos EUA, os Democratas em particular. A administração Biden - bem conhecida por ter pouca simpatia por Netanyahu, que em 2012 apoiou abertamente Mitt Romney para presidente contra Barack Obama (e Biden, o seu vice-presidente) - mantém a perspetiva, criada pelos Acordos de Oslo, de um Estado mínimo palestiniano, fornecendo um álibi para marginalizar a causa palestiniana e abrir caminho para o desenvolvimento de ligações e colaboração entre Israel e os Estados árabes.
Foi por isso que Biden disse à CBS, a 15 de outubro, que "seria um grande erro" Israel ocupar Gaza. O presidente dos EUA não quis dizer que a invasão de toda a faixa para erradicar o Hamas seria um erro. Pelo contrário, afirmou claramente que "entrar mas eliminar os extremistas (...) é um requisito necessário". Perguntado então: "Acredita que o Hamas deve ser totalmente eliminado?" Biden respondeu:
Sim, acredito. Mas tem de haver uma autoridade palestiniana. Tem de haver um caminho para um Estado palestiniano. Esse caminho, chamado "a solução de dois Estados", tem sido a política dos EUA há décadas. Criaria uma nação independente ao lado de Israel para 5 milhões de palestinianos que vivem em Gaza e na Margem Ocidental do Rio Jordão.
O objetivo da visita de um dia de Biden a Israel não era apenas melhorar o seu perfil político para as eleições presidenciais de 2024, assegurando que Trump, os republicanos de direita e os sionistas cristãos evangélicos não o possam ultrapassar no seu apoio militar a Israel. (Note-se que, ao fazê-lo, Biden está a ir contra as opiniões da maioria dos cidadãos dos EUA, e especialmente da maioria dos democratas, que favorecem uma abordagem mais equilibrada do conflito israelo-palestiniano). O objetivo de Biden também não era apenas negociar um gesto humanitário simbólico para fingir que a sua administração está a fazer tudo o que pode para aliviar o desastre que se está a desenrolar. O seu objetivo era também, e talvez principalmente, convencer a política israelita - com ou sem Netanyahu - da necessidade de manter a perspetiva de Oslo. Pretendia impulsionar este esforço reunindo-se com Mahmoud Abbas, o chefe da Autoridade Palestiniana, e com o rei da Jordânia. Mas a destruição do Hospital Árabe Al-Ahli, na véspera da sua visita, frustrou o seu plano.
A indicação mais clara de que parte do establishment político-militar israelita está de acordo com a administração Biden foi dada por Ehud Barak, antigo chefe do Estado-Maior das forças armadas israelitas e antigo primeiro-ministro. Ele afinou o cenário de Oslo numa entrevista ao The Economist:
Barak acredita que o melhor resultado, assim que as capacidades militares do Hamas estiverem suficientemente degradadas, é o restabelecimento da Autoridade Palestiniana em Gaza. No entanto, adverte que Mahmoud Abbas, o presidente palestiniano, "não pode ser visto a regressar com baionetas israelitas". Será, portanto, necessário um período de transição durante o qual "Israel capitulará perante a pressão internacional e entregará Gaza a uma força de paz árabe, que poderá incluir membros como o Egito, Marrocos e os Emirados Árabes Unidos. Estas forças protegeriam a zona até que a Autoridade Palestiniana pudesse assumir o controlo".
O facto de o processo de Oslo ter estagnado pouco depois de ter sido lançado com grande pompa e circunstância em 1993 - o que levou à eclosão da Segunda Intifada em 2000, seguida da reocupação temporária por Israel das partes da Cisjordânia que tinha evacuado a favor da Autoridade Palestiniana - não parece dissuadir Washington e os seus aliados de o considerarem como o único acordo viável. Provavelmente acreditam que algum tipo de troca territorial, como a que foi prevista no "plano de paz" Trump-Kushner, poderá eventualmente fazer a quadratura do círculo, conciliando a anexação das áreas da Cisjordânia onde os colonatos têm proliferado com a concessão aos palestinianos de um "Estado independente" fragmentado em 22% das suas terras ancestrais a oeste do rio Jordão.
Em última análise, os dois cenários - Grande Israel e Oslo - baseiam-se na capacidade de Israel para destruir o Hamas a um grau suficiente para o impedir de controlar Gaza. Isto implica a conquista da maior parte da faixa de Gaza, se não de toda ela, pelas forças armadas de Israel - um objetivo que só poderiam alcançar destruindo a maior parte de Gaza, o que teria um enorme custo humano.
O Washington Post citou recentemente Bruce Hoffman, especialista em contraterrorismo e professor na Universidade de Georgetown, que apontou a erradicação dos Tigres Tamil na parte norte do Sri Lanka como o único tipo de sucesso que pode ser alcançado em tais iniciativas. Os Tigres foram eliminados em 2009 após uma ofensiva militar das forças armadas do Sri Lanka que envolveu a morte de cerca de 40.000 civis, de acordo com estimativas da ONU. "Deus nos livre desse tipo de carnificina hoje", disse Hoffman ao Post. "Mas, se se estiver determinado a destruir uma organização terrorista, é possível. Há uma crueldade que vem com isso."
Só que a atenção do mundo está incomparavelmente mais concentrada no que acontece no Médio Oriente do que no que aconteceu no Sri Lanka. A questão é, portanto, saber o que o exército israelita pode fazer antes que uma combinação de perdas de pessoal e de pressão internacional o obrigue a parar, para não falar da possibilidade de uma conflagração regional envolvendo o Hezbollah do Líbano, com o apoio do Irão. Assim, não é de modo algum certo que qualquer um dos dois cenários se concretize. Os militares israelitas elaboraram cautelosamente um plano mínimo que consiste em criar uma nova zona tampão alargada dentro de Gaza, ao longo de toda a sua fronteira, agravando ainda mais a condição da faixa enquanto "prisão a céu aberto".
A única coisa certa é que a nova investida de Israel em Gaza é já mais mortífera e destrutiva do que todos os episódios anteriores nos trágicos 75 anos de história do conflito israelo-palestiniano. É também certo que a situação se vai agravar exponencialmente, o que só contribuirá para a desestabilização daquela que é já a região mais instável do mundo e que desempenha um papel importante na desestabilização do próprio Norte Global - com vagas de refugiados e o alastramento da violência. Mais uma vez, a miopia e a duplicidade de critérios dos Estados Unidos e dos seus aliados europeus vão rebentar-lhes na cara - desta vez com consequências ainda mais trágicas.
Em última análise, os dois cenários - Grande Israel e Oslo - baseiam-se na capacidade de Israel para destruir o Hamas a um grau suficiente para o impedir de controlar Gaza. Isto implica a conquista da maior parte da faixa de Gaza, se não de toda ela, pelas forças armadas de Israel - um objetivo que só poderiam alcançar destruindo a maior parte de Gaza, o que teria um enorme custo humano.
O Washington Post citou recentemente Bruce Hoffman, especialista em contraterrorismo e professor na Universidade de Georgetown, que apontou a erradicação dos Tigres Tamil na parte norte do Sri Lanka como o único tipo de sucesso que pode ser alcançado em tais iniciativas. Os Tigres foram eliminados em 2009 após uma ofensiva militar das forças armadas do Sri Lanka que envolveu a morte de cerca de 40.000 civis, de acordo com estimativas da ONU. "Deus nos livre desse tipo de carnificina hoje", disse Hoffman ao Post. "Mas, se se estiver determinado a destruir uma organização terrorista, é possível. Há uma crueldade que vem com isso."
Só que a atenção do mundo está incomparavelmente mais concentrada no que acontece no Médio Oriente do que no que aconteceu no Sri Lanka. A questão é, portanto, saber o que o exército israelita pode fazer antes que uma combinação de perdas de pessoal e de pressão internacional o obrigue a parar, para não falar da possibilidade de uma conflagração regional envolvendo o Hezbollah do Líbano, com o apoio do Irão. Assim, não é de modo algum certo que qualquer um dos dois cenários se concretize. Os militares israelitas elaboraram cautelosamente um plano mínimo que consiste em criar uma nova zona tampão alargada dentro de Gaza, ao longo de toda a sua fronteira, agravando ainda mais a condição da faixa enquanto "prisão a céu aberto".
A única coisa certa é que a nova investida de Israel em Gaza é já mais mortífera e destrutiva do que todos os episódios anteriores nos trágicos 75 anos de história do conflito israelo-palestiniano. É também certo que a situação se vai agravar exponencialmente, o que só contribuirá para a desestabilização daquela que é já a região mais instável do mundo e que desempenha um papel importante na desestabilização do próprio Norte Global - com vagas de refugiados e o alastramento da violência. Mais uma vez, a miopia e a duplicidade de critérios dos Estados Unidos e dos seus aliados europeus vão rebentar-lhes na cara - desta vez com consequências ainda mais trágicas.
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