5 de outubro de 2023

Em busca do verdadeiro Brasil

O escritor Mário de Andrade defendeu uma adoção vigorosa dos elementos indígenas da cultura brasileira.

Larry Rohter

Mário de Andrade; ilustração de Andrea Ventura

Resenhados:

Macunaíma: The Hero with No Character
por Mário de Andrade, traduzido do português por Katrina Dodson
New Directions, 264 pp., $17.95 (impresso)

The Apprentice Tourist: Travels Along the Amazon to Peru, Along the Madeira to Bolivia, and Around Marajó Before Saying Enough Already
por Mário de Andrade, traduzido do português e com uma introdução e notas de Flora Thomson-DeVeaux
Penguin, 175 pp., $17.00 (impresso)

Amar, Verbo Intransitivo/ To Love, Intransitive Verb
por Mário de Andrade, traduzido do português por Ana Lessa-Schmidt
New London Librarium, edição bilingue, 359 pp., $30.00; Edição somente em inglês, 256 pp., $16.95 (impresso)

O enigma central na luta do Brasil para construir uma identidade cultural própria permaneceu notavelmente constante desde que os primeiros exploradores portugueses chegaram em 1500 e encontraram povos de língua tupi: até que ponto os componentes europeus da herança do país deveriam ser favorecidos, em oposição a suas vertentes indígenas e africanas? Ou como um grupo de intelectuais paulistas expressou de forma memorável em um manifesto publicado há quase um século: "Tupi or not Tupi; that is the question." Uma nação mestiça não deveria lutar por uma cultura mestiça? Isso exigiria abandonar todas as influências europeias? E se uma cultura miscigenada é a ideal, quais as proporções adequadas na mistura dos ingredientes?

O membro mais talentoso do vanguardista Grupo dos Cinco que, a partir do início da década de 1920, buscou respostas para essas questões foi o romancista, poeta, musicólogo, crítico literário, historiador de arte e fotógrafo Mário de Andrade. Ao lado das pintoras Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, do poeta, pintor e político Paulo Menotti Del Picchia e do poeta, dramaturgo e ensaísta Oswald de Andrade (que não tinha parentesco), defendeu a ruptura com as tradições decorosas da cultura lusitana e um abraço vigoroso de tudo o que considerava verdadeiramente brasileiro. Ao colocar esses ideais em prática, ele se tornou indiscutivelmente a figura intelectual mais importante do Brasil do século XX, com uma influência que se estende até nossos dias.

Em apenas seis sílabas, "Tupi or not Tupi" destilou as ideias principais do Manifesto Antropófago de maio de 1928, inspirado em uma pintura de Amaral, redigida por Oswald de Andrade e refinada na sala de Mário de Andrade. Os primeiros livros que os europeus escreveram sobre os Tupi os retratavam como praticantes de canibalismo ritual, e o Grupo dos Cinco reaproveitou metaforicamente essa noção. O Brasil, argumentavam eles, deveria consumir e digerir influências culturais estrangeiras e depois cuspi-las em uma forma indígena alterada; somente através da “absorção do inimigo sagrado” os inovadores culturais do Brasil poderiam ter esperança de superar a hegemonia europeia que sufocou a sua energia criativa. “Abaixo a verdade dos povos missionários”, proclamava o manifesto. “Aqueles que vieram aqui não eram cruzados. Eram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos.”

Dois meses depois, Mário de Andrade, que aos trinta e quatro anos já contava com quatro volumes de poesia, uma coletânea de contos, ensaios diversos e um polêmico primeiro romance em seu nome, publicou por conta própria Macunaíma: O herói sem nenhum caráter. Os críticos conservadores odiaram o livro, considerando-o tolo e vulgar, mas de todos os projetos que Andrade empreendeu nos muitos campos de investigação e expressão que o cativaram, nenhum teve um efeito mais duradouro. Leitura obrigatória nas escolas brasileiras, onde goza do status exaltado que As Aventuras de Huckleberry Finn tem nos Estados Unidos, também foi tema de inúmeras teses de doutorado, foi transformado em filme premiado em 1969 e foi encenado inúmeras vezes como peça de teatro e até balé. Mas o seu maior impacto foi sobre outros escritores brasileiros, cujas gerações consideraram a sua audácia libertadora.


Macunaíma começa com uma declaração que eletrizou os contemporâneos de Andrade e continua sendo uma das frases mais conhecidas da literatura brasileira: “Nas profundezas da mata virgem nasceu Macunaíma, herói do nosso povo”. Dois parágrafos depois, surge pela primeira vez um dos vários bordões que se repetem ao longo do romance e passaram para a linguagem popular: “Ai! que preguiça!”, que Katrina Dodson, em sua nova e competente tradução, traduz como "Ah! just so lazy". Mas essa primeira página também inclui referências que confundiriam os leitores brasileiros: diz-se que Macunaíma nasceu numa maloca, uma típica habitação indígena, mas o mesmo parágrafo descreve então a sua família como vivendo num mocambo, palavra aplicada a assentamentos de escravos africanos fugitivos. O que exatamente Andrade está tramando aqui? “Uma coisa é certa”, escreveu ele a um amigo na véspera da publicação do livro. “Não é a bufonaria que parece ser.”

Revelando inadvertidamente o quanto estava familiarizado com a cultura erudita europeia que desejava expurgar, Andrade escreveu mais tarde que ao se deparar com a figura de Macunaíma ao ler o livro Vom Roroima zum Orinoco, do etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg, publicado em cinco volumes entre 1917 e 1923, o estimulou a escrever o primeiro rascunho de seu romance em seis dias febris. O Makunaíma original desempenha um papel de spoiler no mito de criação do povo Pemon que vive nos dois lados da fronteira Brasil-Venezuela: quando ele maliciosamente corta a árvore gigante que abriga todas as frutas e vegetais do mundo e ela se despedaça no solo, o dilúvio resultante cria os rios Amazonas e Orinoco. Macunaíma é, em outras palavras, o tipo de personagem trapaceiro comum a muitas culturas, inclusive a nossa, pois há ecos dele em Paul Bunyan, Br'er Rabbit, the Coyote of Native American lore, Pecos Bill, John the Conqueroo, Fama de Jack of Beanstalk e até mesmo os desenhos animados da Warner Bros. Road Runner.

Mário de Andrade estava, então, escrevendo sua própria versão distorcida de um romance picaresco - um gênero de origem ibérica e, portanto, parte do patrimônio do Brasil. Macunaíma é um malandro travesso, egocêntrico e totalmente sem escrúpulos, que “remou até a foz do Rio Negro para poder sair da consciência... no topo de um cacto mandacaru de nove metros de altura”. Louco por sexo e promíscuo, ele seduz as esposas de seus dois irmãos e engana a deusa Ci, “Mãe da Floresta”, para que o apoie enquanto ele passa os dias em uma rede “sorvendo vinho de pajuari”, dedilhando seu violão, e “adormecendo as cobras os carrapatos os mosquitos as formigas e os deuses ruins.” Embora ele seja a personificação da indolência, sua habilidade sexual é tal que Ci o recompensa com um poderoso talismã de jade, que ele logo perde; eventualmente, um passarinho informa que foi recuperado pelo malvado gigante devorador de homens Piaimã.

Em busca do amuleto perdido, Macunaíma e seus irmãos seguem para São Paulo, onde a sátira se intensifica um pouco. Os visitantes estranham muito os costumes da cidade grande e, em carta aos moradores de casa, tornam-se antropólogos indígenas comentando a vida dos “filhos e filhas da mandioca”, termo que designa os brancos. Andrade atua aqui em vários níveis: as destinatárias da carta são as mulheres guerreiras da tribo Icamiaba, também conhecidas como as amazonas que deram nome ao rio, e o estilo que ele adota imita o do primeiro e fundamental texto da história e da literatura brasileira , carta de Pêro Vaz de Caminha de maio de 1500, na qual relata ao rei D. Manuel I de Portugal todas as maravilhas encontradas pela expedição que “descobriu” o Brasil.

“It shall be of surpassing interest to you, most assuredly, to discover that the warriors from here do not seek out warlike damsels in epithalamic union,” Macunaíma writes. “Rather they do prefer those who are docile and easily won in exchange for volatile little pieces of paper that would in vulgar parlance be called money.” Furthermore,

this great city hath been elevated to these heights of progress and shining civilization, by dint of its elders, also known as politicians. This appellation designates a most refined race of learned gentlemen, so unfamiliar to you, that ye would deem them monsters.

Through trickery, Macunaíma recovers the talisman and returns to the Amazon to reign as Emperor of the Virgin-Forest, taking along “what thrilled him most from the Paulista civilization…a Smith & Wesson revolver a Patek Philippe watch and a pair of leghorn chickens.” But his lust and indolence once more get him in trouble, and he loses the amulet again, this time to a Siren-like river monster who rips his body into pieces he can only partially reassemble. Defeated and discouraged, he plants a magic seed that grows into a tree that allows him to ascend to heaven, where he is transformed into the constellation Ursa Major. “And that’s all,” the parrot who turns out to have been the novel’s narrator says in parting.


Andrade’s enthusiastic embrace of all these indigenous elements represented a radical break. “It is certain that Brazilian civilization is not connected to the Indian element, and has not received any influence from it,” Brazil’s greatest novelist, Joaquim Maria Machado de Assis, renowned for his elegant prose and high regard for the Portuguese language, averred in an essay in 1873. “This should suffice for us not to go looking for the titles of our literary personality among defeated tribes.” He was likely referring to the work of the novelist José de Alencar, who in books like O Guarani (1857) and Iracema (1865) — the former of which the composer Antônio Carlos Gomes turned into a popular opera — looked upon Brazil’s indigenous heritage in a highly romantic way. Andrade, in contrast, is irreverent about both the language that Machado de Assis cherishes and Alencar’s idealized vision of Indian life.

In Macunaíma, Andrade’s daring leads him to create a splendid mishmash in which every strain of Brazilian culture is jumbled together, without respect for geography, ethnicity, or history. Macunaíma is born into an indigenous society but initially has black skin, then becomes white after bathing in a magic spring. He zooms around Brazil’s vast territory, hopping from the northeast to the far south and then to the Amazon in a matter of minutes. Cacti grow in the jungle, and deities from Afro-Brazilian religions mingle with those of indigenous tribes. “The country appears to be deregionalized in its climate its flora its fauna its people, its legends, its historical tradition,” Andrade explained in an introduction he ended up discarding, adding that his intent was to present Brazil “as a homogeneous entity” that, in contrast to the reality of his turbulent time, was “permanent and unified.”

And as one would expect of a writer whose first love was always music, Andrade often delights in the mere sound of words, the more exotic their melody the better. Throughout the novel he sprinkles lists of flora and fauna with their original, mellifluous Tupi names, as when Macunaíma goes fishing in São Paulo. “He couldn’t catch a thing,” Andrade writes,

not with arrows or poisonous plants, not timbó not jotica not cunambi not tingui, not in macerá or pari traps, not with line or harpoon or juquiaí or sararaca or bobber or sinker or caçuá or itapuá or jiqui or trotline or jererê, guê...

And so on. To Brazilians, these lists were a reminder that, no matter what Machado de Assis may have thought, “the Indian element” was central to their culture.

Macunaíma can only be a bear to translate, and the first English-language version, which appeared in 1984, was rather stodgy, with much of the book’s distinctive character sacrificed. But Dodson, the winner of a PEN translation prize for The Complete Stories of Clarice Lispector, acquits herself commendably here, managing to capture the playfulness, whimsicality, and sheer derangement of the novel. As she acknowledges, “Andrade’s rhapsody revels in a confusion of tongues and deliberately emphasizes the instability and error that plague any attempt to codify systems of knowledge.” Given the chaos he induces, her endnotes provide a welcome anchor, particularly in their explanation of terms and legends from Tupi language and folklore.


Na época em que Andrade concluiu seu primeiro rascunho de Macunaíma, ele ainda não havia viajado pela selva amazônica. Ele tentou preencher essa lacuna em 1927, quando embarcou em uma viagem de três meses de navio a vapor subindo e descendo os rios Amazonas e Madeira. Pedaços das anotações que ele fez acabaram chegando a Macunaíma, incluindo um divertido grito que imortaliza o alfaiate que Andrade, um cabideiro de roupas, contratou para fazer para ele ternos de linho branco durante uma escala em Belém, na foz do Amazonas. Mas o que há de mais interessante em The Apprentice Tourist, livro que resultou de sua viagem, agora publicado pela primeira vez em inglês numa animada tradução de Flora Thomson-DeVeaux, é a forma como Andrade explicita e rumina ideias que estão implícitas em Macunaíma.

“I have this truly irresistible half notion that instead of using the Africa and India that it had within itself,” he writes from Belém, “Brazil has put them to waste, only using them to dress up its appearances, its skins, sambas, maracatus, outfits, colors, vocabularies, delicacies,” while “on the inside, it let itself remain that which, by virtue of climate, race, cooking, everything, it will never be able to be, will only ever be able to ape: Europe.”

To his credit, Andrade does not spare himself from this criticism, ruefully noting “the neat gray European I still have in me.” At another point, he even expresses envy of Europeans, who he argues are “backed by a multimillennial tradition that allows them to act ‘painlessly,’” as opposed to the “moral dithering” and indecisiveness that lead to “the permanent pain, the perennial misfortune” that immobilizes Brazilians: “You have no idea how this niggling little pain, the inability of the moral being to really do anything, awes me and lays me low.” Hence a “hero with no character” and “Ah! just so lazy!” and Andrade’s determination to remedy those deficiencies.

Yet it is precisely this mixture, which makes him so uncomfortable when he looks into himself, that contributes to the breadth of his cultural memory and wit and allows him to mix and match allusions throughout his travelogue, as in this waspish aside: “It’s an indisputable fact that Dante and the Amazon are equally monotonous.” Or when he buys a native hammock because it is “a Braque in its color combination” or describes the early morning sky over the Madeira as being “the color of Our Lady’s robes.” The same goes for his puns, even the bad ones: “‘The ship’s rhode it through,’ says the first mate, ‘Hellenistically’” after navigating a difficult patch.

The Apprentice Tourist was published posthumously in 1976, and I remember reading it two years later, in preparation for my first trip into the Amazon. To my surprise, what I found there was not that much different from what Andrade had encountered fifty years earlier: the pace of life was just as languorous, nature just as exuberant, and the sense of separation from the rest of the world just as complete. But the past forty-five years have brought enormous changes to the region, and Andrade’s diary now reads as the record of a vanished world: the “wooding stations” where steamships stopped to load up on firewood, the jungle “so close it often scrapes the ship,” the “flocks of frenzied butterflies” today much diminished, and the innocence of “children from the near-always invisible riverside homes [who] paddle out in their little boats—each of them has one—to catch the steamer’s wake and have the chance to ride some lively waters.”

Andrade’s journals from the trip also include jottings that he seemed to want to develop into novels or stories, and some of these had the potential to be significant, even groundbreaking, works. He envisioned, for example, “a satire of scientific and social expeditions and ethnographies” about a tribe called the Do-Mi-So, who do not speak but only sing, with the notes and keys conveying meaning and mood. Writing nearly a half-century before Buñuel’s The Phantom of Liberty, he also imagined that for the Pacaás Novos, a real tribe known today as the Wari’, “the sound and the gift of speech are terribly immoral and formidably sensuous.” While comfortable defecating or having sex in public, “they consider the nose and ears to be the most shameful parts of the body, not to be shown to anyone, not even one’s parents.” Thus “speaking, for them, is the ultimate sexual act.”




This fascination with sound was in Andrade from the very beginning. He was born in 1893 in São Paulo, the same city where he died of a heart attack in 1945, into a comfortably upper-middle-class home: his mother came from a traditional political family, and his father, of more modest origins, began his career as a bookkeeper, then became a journalist, and prospered as the owner first of a stationery store and eventually the city’s best-known theater. With Brazil’s emergence in the last decades of the nineteenth century as the world’s leading exporter of coffee, the city’s economy boomed and its population exploded, shooting from 65,000 in 1890 to 600,000 in 1920. Plantations and factories needed workers, and the city swelled with immigrants from Italy and Japan and Lebanon as well as Portugal and Spain. This resulted in a cacophony on the streets that left a strong impression on the future writer and helped shape his ideas about the plasticity of the vernacular. “The two languages of the land,” he later wrote in Macunaíma, were “spoken Brazilian and written Portuguese.”

At a young age, Andrade showed great musical aptitude and was admitted to the local conservatory, where he studied piano and music theory. A life as a concert pianist seemed assured, but in 1913 his younger brother Renato died of an injury suffered while playing soccer; this triggered an emotional crisis that resulted in Andrade dropping out of school and retiring to the family’s country home to mourn. When he returned to the city three months later, he discovered that he could no longer play the piano without his hands trembling uncontrollably. He abandoned his hopes of a performing career and resigned himself to teaching piano, voice, and music theory, a profession he would exercise, on and off, for the remainder of his life.

From a deeply Catholic family—he was later called “the pope of Brazilian Modernism,” a label he detested—Andrade at this point toyed with the idea of becoming a priest but instead enrolled as a Carmelite lay brother; he eventually broke altogether with the church and turned into a fierce critic of it. At this moment of deep personal crisis, Andrade also began consuming literature with greater attention and seriousness. We have an idea of what he was reading, because he actually wrote to church authorities asking for permission to read works on the Index Librorum Prohibitorum: Flaubert’s novels Madame Bovary and Salammbô, the plays of Maurice Maeterlinck, and poetry by Heinrich Heine, Gabriele D’Annunzio, and Ada Negri. Before long he found his way to Walt Whitman and the French Symbolists, and decided that his true vocation was as a poet.

Andrade first made his mark as a writer in 1922, with the publication of Pauliceia Desvairada (Hallucinatory City), a volume of poetry that introduced European modernism to Brazilian literature through its use of free verse and mythification of his native city. That same year he was one of the organizers of Modern Art Week, a series of concerts, exhibits, readings, and lectures conceived of as an attack on “pastism.” Andrade gave two talks without incident, but when he read from Pauliceia Desvairada, the audience booed him repeatedly, and critics included him on a list of “cretinous and moronic” futurists.

His first novel, To Love, Intransitive Verb, followed in 1927; it was awkwardly translated into English in 1933 as Fräulein, but has now reappeared in an attractive bilingual edition, with an English version by Ana Lessa-Schmidt much truer to Andrade’s style and voice. Though quite different in setting and tone, it sets the stage for Macunaíma. Taking place in São Paulo during World War I, it is an unsparing portrait of the Sousa Costas, a nouveau riche family with a German governess, a Japanese butler, and a black teenage maid. The book caused a scandal when first published because of its surface subject: though the governess, named Elza but respectfully referred to as Fräulein throughout the story, has ostensibly been hired to tutor the family’s four children in languages and music, she also has a second, secret mission. The paterfamilias wants her to initiate his teenage son sexually, so that the boy will not lose his virginity in a bordello and possibly contract syphilis.

Yet Andrade seems just as concerned with issues of race, ethnicity, and nationality, all of which are interwoven with a plot that readers of the time found lurid. If the indigenous element dominates Macunaíma, here his focus is on Brazil’s reluctance to accept the African component of its identity. Reflecting a Brazilian sensitivity to cabelo ruim—“bad hair”—as a marker of race, strategically placed references suggest that the family may not be as white as it presents itself. Of the matriarch it is said that “in times of a heat wave, suspicious curling appeared in Dona Laura’s black hair,” while a daughter has “kinky American hair curled up over the black-blue thicket.” And the Fräulein, who goes on to make a cameo in Macunaíma, keeps to herself her low opinion of the society around her. “The blood must be pure,” and those who are “of superior race, like her, Fräulein,” she muses, are by nature healthier and wiser. “Blacks are of inferior race. The Indians also. The Portuguese also.”

Como sempre, há a experimentação da linguagem que foi o cartão de visita de Andrade. No prefácio à tradução do romance feita por Lessa-Schmidt, Viviane Carvalho da Anunciação, especialista em literatura comparada que leciona na Universidade de Cambridge, compara o impacto de Andrade ao de um contemporâneo do outro lado do Atlântico: “Da mesma forma que James Joyce reproduziu os neologismos e a gramática irlandesa, Mário de Andrade seguiu a sintaxe e a semântica paulista para escrever suas obras.” Esta parece uma comparação adequada e que pode até ser ampliada. Se Amar, Verbo Intransitivo pode ser considerado o Ulisses de Andrade, então Macunaíma é o seu Finnegans Wake.


Inevitavelmente, dado o conteúdo da sua obra, surgem especulações sobre a sexualidade de Andrade. Isso se tornou uma espécie de indústria artesanal no Brasil nos últimos anos, e tanto a introdução de John Keene quanto o posfácio de Dodson a Macunaíma refletem isso. “Nos termos de hoje, Andrade seria um escritor negro queer”, escreve ela, “mas tanto a sua raça como a sua sexualidade têm sido fontes de contenção e supressão”. Assim como Machado de Assis, Andrade tinha ascendência negra sobre a qual parecia ambivalente, como era comum na época. Mas ele era ainda mais reticente em relação à sua sexualidade e, como não vivia numa época em que os “termos de hoje” se aplicassem, sem dúvida ficaria chocado ao ver-se descrito como um escritor queer. Quando, em 1929, Oswald de Andrade escreveu que Mário, alto, desengonçado, careca e dito afeminado, era “nossa senhorita São Paulo”, houve um rompimento imediato e permanente entre os dois.

Dodson e Keene parecem estar pisando em areia movediça com sua avaliação, que pode funcionar como um dispositivo de marketing em um mundo de língua inglesa não familiarizado com Andrade, mas que é estranho às concepções raciais tradicionais do Brasil. Lá, onde existem cerca de trezentas palavras para descrever a cor da pele, Andrade nunca foi classificado como negro, mas é simplesmente considerado mestiço - termo que ele mesmo usou. Na verdade, qualquer classificação estritamente binária parece demasiado restritiva para Andrade, que, ecoando Whitman, declarou num dos seus poemas mais conhecidos: “Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta”. Ele era claramente birracial, com uma árvore genealógica que incluía tanto escravizadores quanto escravizados, e aparentemente era, pelo menos segundo Jason Tércio, autor de uma biografia recente baseada em parte no acesso à correspondência privada de Andrade, também bissexual.

Assim, enquanto Andrade foi capaz de escrever um conto francamente homoerótico como “Federico Paciência”, publicado apenas após sua morte, O Turista Aprendiz, escrito como um diário privado, está repleto de expressões de desejo por corpos femininos. Sabe-se também que ele se apaixonou profundamente por sua tutora de língua alemã, Kaethe Meichen-Blosen, com uma paixão que não foi correspondida e pode ter sido sublimada na personagem Fräulein Elza em Amar, Verbo Intransitivo. “As cartas revelam que Mário… era bissexual, se envolvia com homens e mulheres e encontrava saídas para seus desejos”, disse Tércio em entrevista em 2019. “Ele era trezentos e cinquenta e querem reduzi-lo a um.”

É impossível saber o que se passava na mente ou no coração de Andrade, claro, mas depois de uma década extraordinariamente produtiva, ele viveu outro episódio de depressão ao completar quarenta anos e voltou à música: não haveria mais romances. Ele já havia escrito um libreto para a ópera cômica Pedro Malazarte, de seu ex-aluno Mozart Camargo Guarnieri, mas agora voltou a escrever regularmente sobre música popular brasileira, organizou um simpósio sobre dança folclórica e, em 1935, tornou-se secretário municipal de cultura de São Paulo. Nessa função, organizou uma Missão de Pesquisa Folclórica que no início de 1938 partiu para o sertão nordestino para gravar o maior número possível de canções antes que a influência do rádio e do cinema destruísse a cultura musical distinta da região; essas gravações foram lançadas apenas em 2006, como um conjunto de seis CDs acompanhados de fotografias. Foi também nesse período que concluiu os livros Breve História da Música, Aspectos do Folclore Brasileiro e uma versão ampliada do Ensaio sobre Música Popular Brasileira, ambos publicados de forma definitiva apenas anos após sua morte.

Sua influência diminuiu um pouco na década de 1950, mas voltou com força total uma década depois, quando o movimento emergente da Tropicália buscou inspiração nos dois Andrades e Macunaíma. Os poetas concretistas Augusto e Haroldo de Campos e o artista Hélio Oiticica foram os primeiros adeptos dessa segunda onda de antropofagia, e há a versão cinematográfica de Macunaíma, que foi a peça central de uma série de filmes, “Brazilian Modernism at 100”, que Dodson com curadoria da Brooklyn Academy of Music no ano passado e que teve outra exibição lá em maio de 2023. Mas o impacto de Andrade foi talvez mais fortemente sentido por jovens músicos que tentavam encontrar uma maneira de fundir a bossa nova e gêneros brasileiros menos sofisticados com o rock and roll anglo-americano, chanson francesa e serialismo europeu. Um deles, Gilberto Gil, futuro ministro da Cultura, chegou a gravar uma música chamada “Geléia Geral”, na qual exaltava o sincretismo cultural que Andrade praticava.

A cada quinze anos, mais ou menos, parece que um grande escritor brasileiro chega tardiamente à atenção do mundo de língua inglesa. Aconteceu primeiro com Machado de Assis, depois com Lispector, e a maioria dos leitores brasileiros concordaria que o polímata Mário de Andrade merece igualmente um reconhecimento mais amplo. Apesar da rejeição que sofreu desde cedo, seu lugar de honra no panteão brasileiro está assegurado: Oswald de Andrade se afastou por várias décadas quando disse que “Mário escreveu nossa Odisséia e, com um balanço de seu clube de guerra nativo, criou nosso clássico herói e o idioma poético nacional pelos próximos cinquenta anos.” Um século depois, num mundo cada vez mais mestiço, em que os mash-ups e os híbridos são agora comuns, deve certamente haver um lugar para ele num cenário internacional mais amplo. “E isso é tudo”, como diria o papagaio de Macunaíma.

A ilustração de Andrea Ventura numa versão anterior deste artigo baseou-se numa fotografia de referência incorretamente identificada em fontes jornalísticas como Mário de Andrade; é Belini Ferraz, uma funcionária pública cuja imagem tem sido persistentemente erroneamente identificada como Mário de Andrade desde que suas fotografias foram misturadas em uma exposição fotográfica ao ar livre em São Paulo, em 2007, celebrando notáveis negros brasileiros.

Larry Rohter foi correspondente no Brasil da Newsweek de 1977 a 1982 e do The New York Times de 1998 a 2008. Into the Amazon, sua biografia do explorador, cientista, estadista e conservacionista brasileiro Cândido Rondon, foi publicada em maio. (outubro de 2023)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...