31 de janeiro de 2023

Lira e governo atuam para estancar rebelião de PV e União Brasil na véspera da eleição

Disputas paralelas poderiam comprometer a eleição do nome do presidente da Câmara para a vaga de ministro do TCU

Julia Chaib

Danielle Brant

Folha de S.Paulo

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atuaram nesta terça-feira (31) para estancar um princípio de rebelião que poderia ameaçar acordos firmados pelo deputado para assegurar sua recondução ao comando da Casa, além de ampliar rachas na base do petista no Congresso.

As disputas paralelas também poderiam comprometer a eleição do nome de Lira para a vaga de ministro do TCU (Tribunal de Contas da União), o deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR).

Em busca da reeleição, Lira fechou acordo com uma ampla gama de partidos que vão do PL de Jair Bolsonaro ao PT de Lula, passando por legendas do centrão, como Republicanos, e de centro-direita, como União Brasil.

Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tenta desarticular candidaturas avulsas para eleição da mesa - Adriano Machado/Reuters

Enquanto a recondução de Lira deve ocorrer com votação expressiva, a eleição de dois outros cargos na mesa teve nós que o presidente da Câmara e o governo precisaram desatar na véspera da eleição.

Um deles, na União Brasil, seguia sem desfecho até a noite desta terça. Pelas negociações, o partido ficaria com a primeira secretaria e indicaria o nome do presidente da legenda, Luciano Bivar (PE), para o posto.

A União Brasil, no entanto, enfrenta um racha desde a vitória de Lula ante Bolsonaro. Bivar articulou para que a legenda se aproximasse do governo, apesar de parte da bancada expressar oposição ao petista.

Apesar das resistências internas, a União Brasil emplacou três ministros na Esplanada: Juscelino Filho (MA), nas Comunicações, e Waldez Góes (licenciado do PDT), na Integração —que são apontados como indicação do senador Davi Alcolumbre (AP)—, e Daniela do Waguinho (RJ), no Turismo.

Bivar também tentou boicotar a recondução de Elmar Nascimento (BA) na liderança do partido na Câmara ao apoiar o deputado Pedro Lucas Fernandes (MA), mas não teve sucesso.

Por causa dessas ações, ala da legenda articulou o lançamento do deputado Mendonça Filho (PE) para concorrer com Bivar pela vaga na primeira secretaria. Parlamentares de partidos de centro indicaram que, se isso ocorresse, havia chances de Mendonça Filho ganhar.

O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, porém entrou em campo nesta terça para dissuadir Mendonça da ideia de se candidatar. Na avaliação de integrantes da União Brasil, Lira quer evitar desarranjos no dia da sua eleição. Além disso, Mendonça é de uma ala da legenda distante do governo e sua eleição poderia representar entraves para aliados de Lula na Câmara.

Após o apelo de Lira, Mendonça tendia a retirar a candidatura, mas a decisão estava pendente, até a noite de terça, da opinião do grupo do qual o deputado faz parte.

Outra fonte de descontentamento era o PV, que, com o PC do B, integra a federação do PT. Sem cargos no primeiro escalão do governo, o partido ameaçava lançar um nome —Aliel Machado (PR) ou Jadyel da Jupi (PI)— para disputar a segunda secretaria com a petista Maria do Rosário. No entanto, o governo agiu para para contemplar o partido em reuniões realizadas nesta terça.

Primeiro, líderes do PV encontraram-se com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). No encontro, ficou acertado que eles terão um titular na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), a segunda escolha de comissão que vai caber à federação e emplacarão um vice-líder no governo, o deputado Bacelar (PV-BA).

Em seguida, o PV também se reuniu com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. O partido tem o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional) e quer também algum órgão ligado ao Meio Ambiente, como ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Diante da possibilidade de acordos serem rompidos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tenta evitar qualquer mudança que possa comprometer seu arco de aliança. Nesta terça (31), Lira disse que estava fazendo as últimas conversas sobre espaço e proporcionalidade de partidos na mesa diretora.

"Tem algumas demandas de possibilidade de candidaturas avulsas que nós estamos conversando para que não existam e que a gente chegue com a unidade partidária e do bloco mantida do começo ao final", afirmou.

A operação de Lira e do governo tinha duas motivações principais, uma para o deputado e outra para os aliados de Lula. No caso do presidente da Câmara, um revés para o PT na mesa diretora poderia comprometer a já difícil eleição de Jhonatan de Jesus para o TCU. Isso porque parlamentares petistas indicaram que poderiam deixar de dar votos do partido para o deputado do Republicanos caso não fossem contemplados com a segunda secretaria.

Paraguai a caminho das eleições de 2023

Tudo o que você sempre quis saber e nunca ousou perguntar sobre o Paraguai.

Ignacio González Bozzolasco


Horacio Cartes, Pedro Alliana, Mario Abdo e Hugo Velázquez na cerimônia de aniversário do Partido Colorado, em setembro de 2020. (Foto: ABC Color)

Entrevista por
Leonardo Frieiro

No dia 18 de dezembro aconteceram as eleições internas que definiram as candidaturas que disputarão a presidência do Paraguai em 30 de abril de 2023.

Para boa parte de nós na América Latina, o Paraguai é uma incógnita. A longa hegemonia da direita dominada pelo Partido Colorado e o distanciamento do país de certas experiências regionais do progressismo latino-americano geraram certo estranhamento que, com o tempo, se transformou em incompreensão.

Para começar a esclarecer algumas dúvidas, dado o complexo panorama eleitoral de abril, desde a Jacobin conversamos com Ignacio González Bozzolasco, sociólogo, doutor em ciências sociais, pesquisador do CONACYT e professor da Universidade Nacional de Assunção. Conversamos sobre o que aconteceu nessas eleições internas que colocaram frente a frente diferentes facções da direita colorada, sobre o estado da esquerda paraguaia e as perspectivas políticas para este ano.

Leonardo Frieiro

O longo período de hegemonia do Partido Colorado após a transição democrática do Paraguai e a curta duração do governo progressista de Fernando Lugo transformaram aquele país em uma espécie de objeto estrangeiro para grande parte dos latino-americanos. Já que 2023 será um ano eleitoral, como apresentar o caso paraguaio a quem não o conhece?

Ignacio González Bozzolasco

O Paraguai deve ser um dos países mais desconhecidos da região, apesar de ter algumas características muito particulares. Em primeiro lugar, quando falamos do Paraguai, falamos da democracia mais jovem da América Latina. O Paraguai não tinha uma democracia competitiva como outros países antes das ditaduras militares dos anos 1960 e 1970. Após a Guerra contra a Tríplice Aliança (1864-1870) e o processo de reconstrução do Estado, os dois partidos mais importantes do país até hoje: a Associação Nacional Republicana, mais conhecida como Partido Colorado (ANC/PC) e o Partido Liberal —hoje denominado Partido Liberal Autêntico (PRLA)—.

Isso significa que o Estado paraguaio, reconstruído das cinzas, está de mãos dadas com a construção desses dois partidos, e talvez isso seja útil para entender por que ambas as organizações continuam tendo a preponderância que têm até hoje. Estamos falando do sistema bipartidário mais antigo da América Latina...

Estes dois partidos conseguiram estabelecer desde muito cedo uma forte tradição de filiação partidária que se mantém até aos dias de hoje. De um rol eleitoral de quase cinco milhões de pessoas, o Partido Colorado tem mais de dois milhões e meio de membros, e o Partido Liberal, mais de um milhão e meio (e que está fora do poder desde os anos 1940). Isso significa que os liberais representam cerca de 32% do total do rol eleitoral e os colorados cerca de 54%, o que equivale a dizer que quase 9 em cada 10 eleitores são filiados a um desses dois partidos. Assim, ambos os partidos possuem enormes máquinas eleitorais em todo o território paraguaio, o que significa que, de alguma forma, os partidos tradicionais têm um exercício eleitoral que, embora com viés, impureza e irregularidades, ao menos parece competitivo.

Nesse esquema político, as eleições internas de ambos os partidos tiveram uma centralidade crescente até se tornarem um aspecto fundamental dentro do sistema político paraguaio. Tanto tem sido assim que os próprios partidos acabaram por unificar as seus internas e coordenar para que se realizem no mesmo dia (embora com metodologias eleitorais diferentes que, em grande parte, vão sendo exploradas à medida que avançamos).

A Constituição de 1992, que estabeleceu o atual quadro institucional do Paraguai após a queda da ditadura de Stroessner em 1989, introduziu a figura da aliança, que permitia a união de diferentes partidos políticos para fins eleitorais, e que era a figura com aquela que Fernando Lugo conseguiu vencer as eleições em 2008. Mas, além disso, pouco antes do triunfo de Lugo, os legisladores conseguiram introduzir a figura da concertação, cuja principal inovação é permitir não só a união eleitoral dos partidos, mas também a convergência das eleições internas sob o mesmo signo eleitoral de todos os partidos que compõem a convergência, incluindo a unificação de seus cadastros. Já na figura da aliança, as listas são decididas por meio de um acordo entre as partes que a compõem.

Em 2007, Lugo deveria concorrer com uma concertação, mas perante a possibilidade de a justiça eleitoral contestar a figura e acabar por boicotar a sua candidatura, decidiu-se não arriscar e concorrer às eleições através de uma aliança. A figura da concertação acabou por ser utilizada nas eleições autárquicas de 2010 e, como não houve contestações, foi posteriormente implementada a nível regional e agora a nível nacional.

O que acabou de acontecer nessas eleições internas? A oposição ao coloradismo competirá a partir da Concertação Nacional, onde convergem o Partido Liberal, alguns setores da esquerda e também alguns partidos conservadores que se opõem aos colorados. Na sua participação interna teve uma participação em termos numéricos ligeiramente superior à habitual participação interna do Partido Liberal, embora em termos absolutos a participação tenha sido muito baixa, uma vez que a Concertación optou por abrir a sua participação interna ao padrão eleitoraltotal. A Concertación alcançou quase 600.000 votos (quase 100.000 a mais que o Partido Liberal em suas eleições internas em 2018), embora o dado central tenha sido a força do Partido Colorado, que alcançou quase 1.200.000 votos, com a participação de 45% do seu próprio padrão eleitoral.

Para se ter uma ideia, os colorados conquistaram um milhão e duzentos mil votos nas eleições de 2018, e agora alcançaram esse número apenas em sua eleição interna. Da Concertação Nacional diz-se que podem triplicar os votos nas gerais e que os colorados não podem somar muito mais do que conseguiram nas internas. Apesar disso, as internas mostram a solidez do aparato colorado. É assim que as coisas nas vésperas das eleições de abril.

Leonardo Frieiro

Da mesma forma, parece que a principal disputa política ocorreu nas eleições internas do Partido Colorado, com notável nível de violência retórica entre as facções coloradas, que disputavam tanto a candidatura à presidência quanto a presidência do próprio partido.

Ignacio González Bozzolasco

A dinâmica interna do Partido Colorado é de luta fratricida. Desde a queda do stronismo, a grande disputa eleitoral não ocorre nas eleições gerais, mas sim na interna colorada. A peculiaridade do que acaba de acontecer é que terminada a guerra entre as facções coloradas, os partidos fazem um pacto de não agressão e se concentram em colocar em funcionamento sua fantástica maquinaria eleitoral para esmagar todos os seus rivais. Uma vez alcançado o objetivo nas eleições gerais, o ciclo recomeça e as disputas internas voltam até a próxima eleição interna. Hoje não é certo que isso aconteça, embora também não seja improvável.

Em 2018, os presos colocaram o atual presidente Mario Abdo Benítez —na época senador— contra o candidato do então presidente Horacio Cartes, que tentou apresentar seu ministro da Economia como seu sucessor. A vitória de Abdo sobre o que conhecemos no Paraguai como cartismo fazia parte de uma tradição histórica em que nenhum presidente cessante consegue colocar seu sucessor, tradição que foi reafirmada novamente nestas eleições internas. Isso afasta o Paraguai de boa parte da lógica política da região, onde é comum que os presidentes cessantes detenham um poder significativo. Mesmo na dinâmica de partidos hegemônicos algo semelhantes ao Partido Colorado, como foi o caso do PRI no México.

Mas, de alguma forma, estamos agora em um ponto de ruptura, pois quem derrota Abdo é outro ex-presidente, o próprio Cartes, que agora também foi eleito presidente do Partido Colorado. Cartes conseguiu prevalecer como figura preponderante ao deixar a presidência e embarcou em uma das mais virulentas eleições internas, algo marcante após 2007, quando o confronto interno do Partido Colorado atingiu tal ponto alto que não conseguiu rearticular sua reconciliação face à face às eleições gerais, um dos aspectos centrais que permitiram a vitória de Lugo.

Essas eleições internas entre as facções de Abdo e Cartes tiveram um nível de violência enorme. Lembremos que, além disso, a interna do Partido Colorado esteve ao alcance do intervencionismo tanto dos Estados Unidos quanto do Brasil, tornando o panorama da disputa eleitoral muito mais complexo. Horacio Cartes foi declarado uma pessoa significativamente corrupta pelos Estados Unidos, e também foi duramente criticado por Bolsonaro, que tinha um excelente relacionamento pessoal com Abdo. O que chama a atenção no caso é que depois que os americanos atacaram Cartes, eles também visaram o candidato original de Abdo, Hugo Velázquez, que também foi incluído na lista de pessoas significativamente corruptas, pelas quais foi forçado a renunciar tanto à sua candidatura quanto à vice-presidência do país.

Assim, o substituto escolhido por Abdo foi Arnoldo Wiens, ministro das Obras Públicas e pastor evangélico, que dirige um canal de televisão de propaganda religiosa com grande repercussão na imprensa; Considerando tudo, ele acabou sendo um bom candidato. A eleição foi bastante acirrada: o cartismo conseguiu vencer a disputa pela presidência, mas a Fuerza Republicana conseguiu vencer as eleições internas em 10 das 17 províncias e também se equiparou para a montagem das listas de legisladores. De qualquer forma, pode-se dizer que essa foi uma boa notícia para o cartismo e até para Santiago Peña, candidato colorado à presidência.

O equilíbrio de poder entre as facções do coloradismo força uma reconciliação, mesmo que apenas até o dia seguinte às eleições, que no Paraguai é conhecido como o "abraço republicano". Se uma facção tivesse esmagado a outra, o cenário seria outro... Já que não foi assim, agora o coloradismo é obrigado a se rearticular.

Leonardo Frieiro

Sobre este último, a disputa entre o Cartismo e Mario Abdo dá a impressão de ser um confronto entre duas formas de direita presentes dentro do próprio Partido Colorado: uma, representada por Horacio Cartes, que podemos identificar como a mais próxima dos setores da elite empresarial (muito mais interessada em garantir a plena inserção do Paraguai nas cadeias internacionais de valor e nos processos globais de comercialização de produtos e matérias-primas) e outra que se apresenta como barreira de resistência ao "globalismo", defensora da tradição, com raízes ultraconservadoras e até muito camufladas com as ideias de extrema direita presentes na região, que podemos vincular a Mario Abdo. O senhor acha possível avaliar a disputa pelo Partido Colorado nesses termos, como um dilema ideológico entre diferentes setores da direita?

Ignacio González Bozzolasc

Acredito que essa abordagem seja muito apropriada em termos de fotografia, mas também acredito que ambas as narrativas, efetivamente apoiadas por esses tipos de direita, poderiam ser facilmente intercambiáveis ​​no caso do Paraguai. Acredito que a verdadeira disputa entre Abdo e Cartes não é tanto ideológica quanto a forma como se exerce o poder, como se exerce a própria política. Aqui me parece interessante analisar o fenômeno dos políticos-empresários e seu embate com as formas tradicionais de liderança dos partidos políticos.

No caso do Paraguai, é claro que Cartes estabeleceu uma espécie de "ceocracia", na qual colocou os gerentes de suas empresas em cargos hierárquicos -lembre-se que Cartes tem a maior fortuna do país-, algo que posteriormente foi complementado com o fenômeno das "portas giratórias": por exemplo, a pessoa que Cartes colocou à frente da cimenteira estatal foi posteriormente nomeada diretora da cimenteira privada de que Cartes é dono, que ele vai colocar em concorrência com a estatal. Algo parecido com o que Mauricio Macri fez na Argentina, para dar um exemplo.

Mas, novamente, isso não significa uma divergência ideológica pronunciada. Na direita paraguaia há muita demagogia. O cartismo também se manifestou contra o “globalismo”, quando foi o próprio Cartes quem assinou a Agenda 2030 proposta pelas Nações Unidas. Duvido muito que Santiago Peña, uma pessoa que se formou nos Estados Unidos e foi funcionário de organizações internacionais, esteja convencido de muitas das coisas pelas quais Cartes está fazendo campanha. Mas, da mesma forma, Peña foi derrotado nas eleições internas anteriores por ter cometido vários deslizes diante de seu próprio eleitorado. Em entrevista, por exemplo, ele disse não ter problemas com a homossexualidade, pelo que foi tachado de homossexual por toda a imprensa e por grande parte do eleitorado colorado. Agora Peña está muito mais refinado, em linha com as narrativas hegemônicas de direita dentro do coloradismo. Com isso quero dizer que não vejo como improvável que, passadas as eleições e em eventual triunfo de Santiago Peña, os setores do coloradismo acabem se alinhando, adotando a mesma postura direitista, tradicionalista, antiglobalista e antifeminista.

Agora, acredito que algo interessante pode acontecer em um novo governo cartista liderado por Peña: Cartes construiu sua fortuna por meio de um modelo de negócios que ia da produção em larga escala de cigarros ao agronegócio, soja, pecuária, produção de hidrocarbonetos e cadeias de combustíveis, a mídia e o setor de serviços. Cada vez que o grupo de Cartes se diversifica, entra em disputa com outros grupos econômicos tradicionais e com os grandes players tradicionais da burguesia paraguaia.

Cartes teve um cunho modernizador de estilo conservador durante seu governo: optou por uma modernização do Estado, montou uma plataforma de competências para o ingresso no serviço público e tentou profissionalizar o ingresso no aparelho de Estado. Parecia que um empresário que virou político precisava, por um lado, que algumas coisas dentro do Estado funcionassem um pouco melhor e, por outro, limitar o peso da estrutura tradicional de um partido que ainda lhe era estranho. Se juntarmos estes dois aspectos, o seu confronto com os grupos econômicos tradicionais fruto da expansão dos seus negócios e a sua marca modernizadora que colidiu com várias das estruturas de segurança mais tradicionais do coloradismo, podemos explicar a derrota do Cartismo em 2018. Todos isso retrocedeu durante a presidência de Abdo.

Leonardo Frieiro

Quando Abdo venceu as eleições internas de 2017, você escreveu que talvez isso significasse o retorno da política tradicional das mãos de um dos sobrenomes mais tradicionais do stronismo à direção do coloradismo. O que sua derrota significa hoje? É um golpe para os setores tradicionalistas do coloradismo? Um processo de substituição das elites políticas?

Ignacio González Bozzolasc

Em primeiro lugar, acho que Abdo nunca deixou muito claro para onde queria ir como presidente. Uma vez no poder, sua principal política foi o anticartismo. Isso o fragilizou bastante, tendo em vista que foi o presidente colorado que venceu com a menor margem de diferença, algo que já o havia deixado em uma posição não muito confortável. Por outro lado, Abdo teve que enfrentar um fato inédito na política paraguaia, que é a presença de Cartes: a vigência política do ex-presidente apoiada por um grupo econômico poderoso o suficiente para sustentar sua figura após deixar a presidência.

Segundo, indo à pergunta: não tem resposta fácil. É difícil adivinhar o que Cartes aprendeu depois da presidência ou que tipo de pactos pretende construir. Hoje não temos indícios para profetizar sobre uma segunda onda de modernização conservadora, nem mesmo sobre o que Cartes planeja fazer contra seus inimigos políticos dentro do coloradismo ou com seus rivais dentro da elite econômica. Sabemos que Cartes aposta numa reconsolidação da sua posição internacional, esperando a reconstrução da direita trumpista nos Estados Unidos e com a devolução da direita ao governo de Israel, país com o qual Cartes tem uma importante carteira de negócios e com quem pretende estabelecer uma sólida relação comercial. Além disso, em termos práticos, a estratégia é uma incógnita.

Hoje, os esforços de Cartes e do cartismo se concentram em conseguir um "abraço republicano" com o setor de Abdo, uma trégua antes das eleições. O discurso que emerge é que o coloradismo não pode perder as eleições, protegido pelo fato de que Efraín Alegre estava a noventa mil votos de vencer as eleições de 2018, e que nada é pior do que o Partido Colorado estar fora do governo. O cartismo leva isso a sério porque na verdade o confronto entre Cartes e Efraín é tudo ou nada: um governo de Efraín vai ser um governo onde todo o aparato estatal vai ir contra Cartes, desde o anticoloradismo até os setores do coloradismo anticartistas. Se Peña for bem-sucedido, é provável que o setor cartista consiga consolidar sua posição de uma forma excepcional para a história recente do Paraguai.

Leonardo Frieiro

Embora pareça que no Paraguai a hegemonia do Partido Colorado na direita está consolidada, desde a eleição anterior vimos como algumas tentativas de contestar o coloradismo surgiram da extrema direita. Nestas eleições provavelmente haverá duas candidaturas presidenciais que tentarão esta epopéia: uma encabeçada pelo ex-goleiro José Luís Chilavert e outra pelo ex-senador paraguaio "Payo" Cubas. Você acha que algum deles poderia ser bem sucedido?

Ignacio González Bozzolasc

No caso de Chilavert, tudo indica que suas aspirações não têm fundamento real. Em primeiro lugar, porque a grande maioria de suas posições são totalmente vergonhosas. Sua aposta é se tornar uma espécie de “Milei Paraguaio”, e tenta construir uma agenda política ligada ao libertarianismo. Na verdade, foi Chilavert quem se encarregou de financiar e trazer Milei para o Paraguai. Embora seja verdade que Milei tenha algum tipo de chegada em alguns setores da extrema-direita, ele não está diretamente associado a Chilavert, o que pulveriza suas possibilidades. Não creio que alguém com um discurso puramente libertário se encaixe na realidade atual do Paraguai.

Por outro lado, o fenômeno de Payo Cubas merece atenção. Como personagem, destaca-se pela sua vocação disruptiva, aspecto pelo qual ninguém consegue compreender totalmente a sua estratégia política. Além disso, ele não parece ter um plano de como obter uma base sólida no sistema político. Cubas foi expulso do Senado por cometer repetidos desrespeitos contra outros legisladores. A sua expulsão não foi capitalizada politicamente, mas foi o início de outros reveses, incluindo um estranho conflito interno que terminou com a denúncia do roubo de dinheiro do subsídio estatal. No momento, parece que a provocação é sua única estratégia, e não parece ter dado muito certo. No entanto, segundo algumas pesquisas, chegaria a 10% dos votos, algo que seria uma surpresa e que o tornaria um ator político relevante.

A questão é se esses 10% têm fundamento real ou não. No Paraguai, como dissemos, as estruturas pesam, e Payo Cubas não tem nenhuma. Isso pode fazer com que 10% de intenção de voto acabem em menos de 2% dos votos no dia da eleição. Nestas eleições haverá duas disputas a serem observadas. Cubas assume posições diretamente antidemocráticas, acredito, como parte de sua estratégia de disrupção. Ele diz publicamente que quer ser ditador e que quer estabelecer uma ditadura como a de Franco no Paraguai. Ao contrário do caso de Chilavert, o tipo de discurso radicalmente antifeminista, excludente e ultraconservador de Cubas pode acabar tendo um pouco mais de sucesso em certa direita recalcitrante.

Leonardo Frieiro

Deixe-me levá-lo para a situação à esquerda. Em 2017, a Frente Guasú tornou-se a terceira força nacional e despertou muitas expectativas em boa parte da região. Hoje parece mergulhada em uma crise bastante profunda, e é provável que sua base eleitoral esteja dividida entre a candidatura da Concertación Nacional e a de Euclides Acevedo. Qual é o estado atual da Frente Guasú e do que podemos chamar de esquerda paraguaia?

Ignacio González Bozzolasc

Acredito que a Frente Guasú na história da transição e talvez em toda a história do Paraguai é claramente a força política mais importante que a esquerda paraguaia já conquistou. Hoje tem oito senadores (seis da frente e dois que ingressaram depois das eleições). Embora seja verdade que, em termos gerais, se somarmos tudo o que a esquerda conquistou em seu período de divisão, anterior à formação da frente, vemos que ela não aumentou muito de volume, conseguiu apenas concentrar o voto da esquerda. E concentrar é tão importante quanto somar, ou pelo menos é assim no Paraguai.

Então, é verdade que desde sua formação a Frente Guasú se encontrava em uma encruzilhada, na qual a centralidade da liderança de Fernando Lugo antentou com o aprofundamento do orgânico. Embora Lugo tenha mantido uma retórica de mente aberta, na prática acabou consolidando um modelo em que seu poder de decisão continuava sendo fundamental. Daí vem a debilidade da Frente, num momento marcado pela delicada situação de saúde que Lugo atravessa, que o afastou do cenário político e levanta sérias dúvidas sobre sua possibilidade de retorno.

Assim, sem dúvida, a Frente Guasú conseguiu se consolidar como ator dentro da esquerda. A questão central é se essa consolidação será suficiente em um cenário em que não terá mais a liderança do Lugo. A isto deve-se acrescentar que hoje nos encontramos num clima tremendamente adverso, em que as narrativas da direita são preponderantes e em que até a esquerda cai em discursos antifeministas ou que rejeitam as reivindicações das diversidades sexuais e de gênero.

Eu arriscaria dizer que vamos sofrer uma queda na representatividade progressista, tanto pela queda da Frente Guasú, quanto por outras listas menores que se reconhecem como social-democratas, que têm um ou dois parlamentares, e que provavelmente vão sofrer uma queda pior que a da Frente Guasú. Não é descabido pensar que, nessa situação, a Frente Guasú poderia perder metade de sua atual representação parlamentar.

Por outro lado, também é importante observar o equilíbrio de forças dentro da Frente. Observemos, por exemplo, o Partido Convergencia Popular Socialista ou o Partido País Solario, que têm apenas um senador. Se perderem essa representatividade, o que esses partidos ganham estando na Frente Guasú? Uma má eleição da Frente pode permitir que alguns dos partidos e movimentos que a compõem comecem a questionar a utilidade de permanecer nela. Essa é uma questão muito problemática, e acho que a saída para a esquerda é começar a pensar que outros tipos de estratégias são possíveis para o que virá depois das eleições deste ano. Ou seja: ou apostar na consolidação da Frente Guasú como um espaço mais unificado, ou apostar em apresentá-la como uma plataforma um tanto mais frouxa de convergências de diferentes forças progressistas e de esquerda.

Leonardo Frieiro

Em uma de suas publicações, você propôs um passeio pelas diferentes experiências da esquerda paraguaia desde os anos 1980 e mencionou que a Frente Guasú conseguiu superar o período de balcanização da esquerda no Paraguai, mas que ainda está longe de se consolidar como uma plataforma política unificada e ideologicamente consistente. Você acha que houve retrocesso neste objetivo?

Ignacio González Bozzolasc

Sim. Hoje a Frente Guasú vai para as eleições de 2023 com duas opções. Uma parte com a Concertação Nacional, onde o liberal Efraín Alegre será candidato a presidente, e outra apoiando a candidatura de Euclides Acevedo. A questão é que, uma vez aceito o fato de que Lugo não poderia ter nenhum tipo de participação nas eleições, diferentes setores da Frente começaram a disputar o apoio de Lugo em suas decisões de continuar dentro da Concertação Nacional ou de apostar por um caminho alternativo.

Vale dizer que todos esperavam ouvir a opinião de Lugo, que deveria ser dada após uma de suas viagens ao exterior. Naqueles dias, antes de tornar pública sua posição sobre as eleições, sofreu um derrame e desde então está internado em Buenos Aires. Isso gerou uma confusão enorme, e cada um tentou fazer Lugo dizer o que lhe convinha. Até as visitas a Lugo de diferentes referentes são criticadas por outros setores da Frente Guasú, que interpretam essas viagens a Buenos Aires como uma forma de campanha injusta.

Em todo o caso, devemos ser claros: o grupo que hoje se reúne com Lugo é o que optou por abandonar a Concertação Nacional. De fato, Jorge Key, ex-vice-presidente e médico pessoal de Lugo, e outros como Sixto Pereira, que esteve com Lugo desde a primeira hora, deixaram a Concertación e concorrem às eleições junto com Euclides. Qual é o movimento político? A Frente Guasú entende que não teve muito espaço no quadro político de Efraín, que era claramente o candidato mais bem posicionado para conquistar a indicação presidencial uma vez descartada a possibilidade de retorno de Fernando Later. Claramente, a aposta atual da Frente não é ganhar as eleições, mas melhorar sua posição política e negociar nas vésperas das eleições, quando a disputa eleitoral está no voto a voto e o apoio torna-se politicamente mais caro.

Leonardo Frieiro

Gostaria de fazer uma última pergunta: o sociólogo José Carlos Rodríguez escreveu que a transição democrática no Paraguai consistiu em uma mutação das formas políticas, da ditadura à democracia, mas sem mutação dos atores políticos, nem do modelo econômico nem da ordem social. Trinta e três anos após sua queda, você acha que o stronismo ainda está vivo?

Ignacio González Bozzolasc

Acredito que o stronismo vive como uma reivindicação stronista. Ou seja, subsiste como uma narrativa de direita que está presente e que molda a construção do passado que, para a direita, sempre foi melhor. No entanto, como modelo —como um processo de modernização conservadora, como diz a pesquisadora Lorena Soler— creio que se esgotou historicamente. E, nesse sentido, talvez o cartismo seja o projeto político que está tentando reembaralhar as cartas na cena política.

O stronismo, em seus mais de trinta anos de vigência, transformou a fisionomia da sociedade paraguaia e foram os próprios atores surgidos à sua sombra que promoveram sua queda. Por exemplo, todos os grandes players do agronegócio foram centrais para a queda do stronismo, pois entenderam que certas políticas econômicas lhes eram desfavoráveis. Lembremos que naquela época a soja pagava impostos no Paraguai. O que eu quero dizer é que houve um modelo de desenvolvimento que gerou certos atores e lançou as bases para o modelo econômico baseado no agronegócio, mas que em algum momento ele se tornou sua própria negação, e o estrônismo caiu nessa lógica social.

Por isso entendo que o estronismo está presente, de alguma forma, tanto no folclore da direita paraguaia, na história, como uma localização coordenada em um passado histórico, mas que não tem mais possibilidade de se repetir. No entanto, existem possibilidades de bloqueio do campo político e, nesse sentido, acredito que a direita internacional nos mostra que é possível refazer os caminhos da abertura democrática. A popularização de discursos antidemocráticos é um fenômeno que ocorre do Brasil à Suécia. E como acontece em outros lugares, também pode acontecer no Paraguai. E se for preciso, não importa se ele é stronista ou não.

Colaborador

Sociólogo, doutor em ciências sociais, pesquisador do CONACYT e professor da Universidade Nacional de Assunção (Paraguai).

Um think tank de direita acaba de nomear AMLO como "Tirano do Ano". Isso é um absurdo.

O Index on Censorship, uma organização sem fins lucrativos de direita liderada por um cruel oponente de Jeremy Corbyn que recebe financiamento do governo dos Estados Unidos, nomeou o presidente mexicano AMLO como o "Tirano do Ano". Vamos e convenhamos.

Kurt Hackbarth


O presidente mexicano Andres Manuel Lopez Obrador fala durante a Cúpula de Líderes da América do Norte na Cidade do México, México, em 10 de janeiro de 2023. (Alejandro Cegarra/Bloomberg via Getty Images)

Em 13 de janeiro de 2023, a organização Index on Censorship, com sede em Londres, nomeou o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador (AMLO) seu tirano do ano para 2022. “Embora a competição tenha sido dura, um líder surgiu à frente, por uma milha na verdade,” insiste o texto que acompanha, que segue citando uma série de justificativas para a designação, incluindo violência contra jornalistas e defensores do meio ambiente, bajulação de Donald Trump e “atacando mulheres, ONGs e o New York Times”. Ele conclui a lista de ofensas citando a revista de negócios Forbes no sentido de que AMLO é um “desastre para os direitos humanos”.

O texto é, para ser caridoso, estranho. Escrito com uma espécie de vocabulário e estrutura de frases do ensino médio, afirma, por exemplo, que o número de sequestros, agressões e prisões sob a supervisão de AMLO “foi enorme” e que o Índice cobriu “muito” o México no anos sob seu antecessor. Mais abaixo, ele pretende falar por toda a nação, insistindo que “as pessoas eram cínicas” sobre as promessas de AMLO na época de sua eleição – apesar de sua vitória histórica – e “é uma pena ver que o cinismo deles estava correto”.

Apesar disso, vários veículos corporativos no México e na América Latina obedientemente repetiram a notícia, com artigos sobre sua nomeação e subsequente designação aparecendo no El Financiero, Infobae e El Universal. Colunistas conservadores e fãs do Twitter esfregaram as mãos de alegria pelo fato de o presidente mexicano ter sido incluído em uma “galeria de bandidos”, incluindo Kim Jong-Un da Coreia do Norte, Ali Khamenei do Irã, Mohammed bin Salman da Arábia Saudita e Teodoro Obiang Nguema Mbasogo da Guiné Equatorial. Pelo amor de Deus, AMLO derrotou até Vladimir Putin!

Prenda o rabo no tirano

Havia apenas um problema com essa acusação contundente. Bem, alguns problemas.

O primeiro foi o método de votação. Na página em que alguém é solicitado a escolher o déspota de sua escolha, não há proteção contra votação múltipla ou qualquer salvaguarda aparente. Só para experimentar, votei duas vezes. A cada vez, o Index me pedia para assinar seu boletim informativo (é claro), mas assim que recusei e apertei “enviar”, fui enviado para uma tela de “Obrigado por votar”. Com certeza, o número total de votos aumentou a cada vez. Não havia nada, então, que impedisse um indivíduo persistente ou um punhado de pessoas de aumentar o placar e garantir que AMLO “subisse à frente por uma milha”. Mas com tudo isso, o número total de votos para todos os doze bandidos foi insignificante: apenas doze mil (só a população do México é de 130 milhões).

Isso sem falar no fato óbvio de que, em um país como o México, o acesso à internet se volta fortemente para as classes média e alta, aquelas que provavelmente ficarão entusiasmadas em votar — quantas vezes forem necessárias — para garantir que AMLO “ganhe” uma votação que reforça todos os seus preconceitos. (No resto do país, o índice de aprovação do presidente tem oscilado consistentemente na casa dos sessenta.)

O segundo problema era a informação apresentada para orientar os eleitores na tomada de decisão. Em qualquer votação ou referendo remotamente objetivo, os participantes devem receber informações que sejam equilibradas e forneçam o contexto necessário. Nada disso é apresentado aqui. De fato, o caso contra AMLO, tal como é, é baseado em uma série de confusões que são tão nítidas quanto insidiosas.

A primeira delas é a sugestão de que, como os jornalistas estão sendo mortos no México – devido aos estragos herdados de uma “guerra às drogas” de uma década e meia que o governo tem lutado para controlar – o governo de AMLO está causando, mesmo perpetrando, os assassinatos. De que outra forma essa violência poderia ser compreendida no quadro dessas nomeações? A segunda confusão é simplesmente uma extensão da primeira: mesmo que AMLO não esteja apontando a arma diretamente, ele o está fazendo com suas palavras. Porque ele critica alguns jornalistas – incluindo uma casta de celebridades sem escrúpulos que fizeram fortunas com seu conluio com governos anteriores – todos os jornalistas estão sendo colocados em perigo.

Isso não apenas reforça a narrativa de AMLO como provocadora de violência, mas também protege convenientemente uma camarilha da mídia corporativa pertencente aos mais ricos do país de qualquer crítica. Em vez de qualquer tentativa de fornecer explicações diferenciadas para leitores estrangeiros não familiarizados com a cultura e a história política do México, o Index simplesmente bota pra fora um estereótipo quase implícito – que todos os líderes progressistas na América Latina são ditador barato – para alimentar seu joguinho sinistro de “ prenda o rabo no tirano.”

Um amigo rápido
 
A executiva-chefe do Index on Censorship é Ruth Smeeth, agora Baronesa Anderson. Smeeth dificilmente requer uma apresentação aos leitores do Reino Unido: um dos mais virulentos membros anti-Corbyn do parlamentar Partido Trabalhista até perder sua cadeira em 2019, Smeeth foi responsável pela denúncia - posteriormente retirada - que levou à expulsão do ativista dos direitos civis Marc Wadsworth do Trabalho (um processo descrito em detalhes na Parte Dois dos The Labour Files da Al Jazeera).

Mas uma década antes de tudo isso, Smeeth tinha outro papel: como um amigo rápido do governo dos Estados Unidos. Em um telegrama confidencial do Wikileaks de 2009, elaborado por Richard LeBaron, vice-chefe de missão da embaixada dos EUA em Londres, Smeeth - marcado como "estritamente protegido" - foi relatado como desanimado com o abandono de Gordon Brown dos planos de convocar uma eleição geral antecipada. devido ao declínio dos números das pesquisas. Não desanimada o suficiente, aparentemente, para evitar fornecer informações privilegiadas aos americanos sobre o líder do partido pelo qual ela era candidata parlamentar: como LeBaron apontou, a notícia da eleição de Brown "não foi divulgada na imprensa".

Assim como os americanos encontraram um informante voluntário em Smeeth, eles encontraram uma organização voluntária no Index on Censorship, mesmo antes de Smeeth assumir o comando em 2020. De acordo com uma investigação realizada por Matt Kennard e Mark Curtis no Declassified UK, o Index recebeu £ 603.257 em doações entre 2016 e 2021 do National Endowment for Democracy (NED), uma organização do governo dos EUA fundada nos anos 80 de Reagan como um complemento de “poder brando” da CIA, cuja imagem foi manchada devido às suas operações secretas. O apoio dado ao Índice faz parte de um esforço maior do NED para entrar na esfera do Reino Unido, financiando organizações como Bellingcat, Finance Uncovered, openDemocracy e Article 19.

Por sua vez, a conexão americana do Index não termina aí: seus financiadores também incluem a Fundação Charles Koch, fundada pelos irmãos ultraconservadores Charles e David Koch, além do Facebook, Google e Twitter. Já no México, uma reportagem investigativa da Revista Contralínea descobriu que o NED também financia a organização Mexicanos contra la corrupción y la impunidad, fundada por ninguém menos que Claudio X. González. González é filho do presidente da Kimberly Clark México e líder da aliança de partidos de direita conhecida como Va por México, que inclui o conservador Partido da Ação Nacional Católica (PAN) e o desacreditado Partido Revolucionário Institucional (PRI), o outrora -partido hegemônico do estado que governou o México por setenta e um anos ininterruptos no século XX.

Salvando o México de si mesmo

Assim como o texto que acompanha o anúncio no site do Índice, a ideia de que “AMLO é um tirano” simplesmente não é uma tomada séria, apesar de quaisquer críticas legítimas que possam existir sobre seus quatro anos no poder. Mas a ideia aqui não é ser sério; é executar um golpe político, usando informações unilaterais e uma “pesquisa” facilmente manipulada para fabricar uma história que, usando o prestígio de uma organização de primeiro mundo como alavanca, pode ser replicada pela mídia flexível no país-alvo.

A ideia é rotular AMLO formalmente como um “perseguidor da imprensa” e, assim, criar uma posição inatacável para afixar seu rótulo. Assim como contestar o suposto antissemitismo de Jeremy Corbyn pode levar alguém a ser acusado de antissemitismo, por sua vez, contestar a “tirania” de AMLO transformará alguém em um amante de tiranos e um terrível, além do pálido, oponente de uma imprensa livre – o tipo de réprobo que o Index, em toda a sua glória imperial, nasceu para salvar países atrasados como o México.

Mas a grande maioria do público mexicano, após anos de ataque após ataque histérico da imprensa estrangeira (com veículos britânicos como o Guardian e o Economist liderando o caminho), há muito se acostumou com o ruído de fundo. De sua parte, como veterano de três campanhas presidenciais e uma vida inteira de barragens de mídia bem financiadas, AMLO demonstrou que está bem ciente do que está em jogo. Em sua entrevista coletiva matinal em 18 de janeiro, AMLO discutiu o financiamento do NED tanto para o Índice quanto para figuras da oposição no México, bem como a campanha contra Corbyn: “acusando-o de ser contra a comunidade judaica... isso foi muito eficaz em prejudicar sua imagem política”. Além de quaisquer ações legais que possam tomar, ele continuou, "o mais importante é conscientizar as pessoas sobre como tudo isso funciona e quantas dessas associações são geridas do exterior para fins políticos."

Enquanto isso, em Nova York, decorre o julgamento do ex-ministro da Segurança Pública Genaro García Luna. Espera-se que o julgamento do homem conhecido como “superpolicial” durante o governo de Felipe Calderón revele uma feia teia de cumplicidade entre o governo e o Cartel de Sinaloa, juntamente com uma rede de relacionamentos com jornalistas, alguns ameaçados de morte, enquanto outros tornaram-se beneficiários de enormes subornos em troca da anulação da cobertura negativa. Algo, em suma, que soa notavelmente como uma “tirania”. Talvez o Index devesse enviar alguém para cobri-lo.

Colaborador

Kurt Hackbarth é escritor, dramaturgo, jornalista freelancer e cofundador do projeto de mídia independente “MexElects”. Atualmente, ele é coautor de um livro sobre as eleições mexicanas de 2018.

30 de janeiro de 2023

A obra de Amartya Sen nos mostra o custo humano do desenvolvimento capitalista

O economista indiano Amartya Sen colocou um desafio devastador para a compreensão capitalista dominante do desenvolvimento. Mas a própria estrutura analítica de Sen não vai longe o suficiente para expor a lógica inerentemente exploradora do capitalismo.

Por Benjamin Selwyn

Jacobin

Amartya Sen falando em São Paulo, Brasil, em 2012. (Fronteiras do Pensamento / Wikimedia Commons)

Amartya Sen é um dos pensadores mais influentes sobre o desenvolvimento no mundo contemporâneo. Desde a década de 1970, ele publicou amplamente nas disciplinas de economia e filosofia. Ele recebeu o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1998. Em 2010, a revista Time classificou Sen como uma das cem pessoas mais influentes do mundo.

Há uma noção predominante de desenvolvimento alardeada por instituições internacionais, muitos acadêmicos e jornalistas e políticos de todos os matizes. Ela sustenta que o crescimento econômico fornece a base para o desenvolvimento humano. Dado que, sob o capitalismo, o crescimento econômico é, em sua maior parte, enraizado na acumulação de capital, as noções de desenvolvimento de “crescimento primeiro” são essencialmente noções de capital primeiro.

Essa forma de pensar coloca as firmas capitalistas, os gestores e os Estados que os apóiam no comando do projeto de desenvolvimento humano. Desculpa convenientemente as maneiras pelas quais esse crescimento gera, e muitas vezes é baseado em novas formas de pobreza e opressão para os trabalhadores. Os escritos de Sen representam um grande desafio para a ideia de crescimento primeiro/capital primeiro.

Uma visão contraditória

No entanto, seu trabalho é bilateral (ou contraditório). Por um lado, Sen abre grandes lacunas nas explicações convencionais para as manifestações de pobreza e privação que são causadas, muitas vezes diretamente, pelo desenvolvimento capitalista. Ele também fornece uma abordagem para o desenvolvimento que, na superfície, contraria a ênfase no crescimento e na acumulação de capital.

Por outro lado, Sen apresenta uma visão de desenvolvimento que promove a expansão dos mercados capitalistas. Essa dualidade decorre do fato de que Sen pode identificar problemas com o desenvolvimento capitalista, mas é incapaz de penetrar no véu do próprio capitalismo.

Sua compreensão do capitalismo é superficial e enraizada na ideologia liberal que o apresenta como um sistema baseado na troca de mercado entre agentes livres, ao invés de um enraizado em relações produtivas exploradoras, como sugeriria uma estrutura marxista.

Há muito no trabalho de Sen que podemos utilizar para desenvolver uma crítica do capitalismo. Mas isso deve envolver a vinculação de seus insights a uma versão alternativa e centrada no trabalho da economia política.

A crise alimentar mundial

No contexto do colapso climático, colapso ambiental global e fome em massa, a incapacidade do sistema alimentar mundial de alimentar uma população em expansão é um assunto de preocupação sempre presente. Em 2022, mais de 820 milhões de pessoas em todo o mundo passaram fome.

O livro de Sen, Poverty and Famines, de 1981, foi uma intervenção essencial na economia política da fome e na análise e alívio da fome. Nascido em 1933, o economista cresceu na Índia controlada pelos britânicos e experimentou em primeira mão a fome de 1943 em Bengala, na qual pelo menos três milhões de pessoas morreram.

As explicações dominantes da fome de Bengala, bem como de outras fomes e episódios de fome generalizada, recorrem a argumentos de declínio da disponibilidade de alimentos (FAD). Simplificando, eles argumentam que havia muitas bocas para alimentar.

Em contraste, Sen mostrou como em uma série de casos, desde Bengala na década de 1940 até a fome de Bangladesh em 1974, havia comida disponível na época – muitas vezes em quantidades maiores do que em períodos sem fome. Crucialmente, não era o volume absoluto de alimentos que determinava se as pessoas morriam ou viviam, mas o mecanismo capitalista de preços.

Sen demonstrou que a fome em Bengala foi causada pela rápida inflação dos preços, e não pela quebra da safra. Os investimentos militares e de construção civil britânicos, incluindo pistas de pouso, quartéis, munições e roupas para soldados e civis, alimentaram essa inflação. Elevou os preços dos alimentos em relação aos salários agrícolas, deixando os trabalhadores agrícolas sem condições de comprar comida.

Como não houve perda geral de safra, os camponeses com acesso à terra ficaram relativamente inalterados pela inflação de preços. Por outro lado, os trabalhadores assalariados não militares ou da construção civil, principalmente no setor rural, eram particularmente vulneráveis. Essas seções da força de trabalho assalariada suportaram o peso da catástrofe.

Keynes e a Fome de Bengala

Os argumentos de Sen em Poverty and Famines foram um contra-argumento necessário para a apologética mainstream da fome em massa. Tais argumentos muitas vezes terminavam por culpar os próprios pobres por serem numerosos demais, obscurecendo convenientemente como a economia capitalista reproduz continuamente a pobreza.

No entanto, estudos mais recentes mostraram que, apesar de sua perspicácia, até o próprio Sen subestimou as causas deliberadamente fabricadas da fome em Bengala. Sua análise é, portanto, incompleta como explicação para a persistência da fome global.

O estudo do acadêmico indiano Utsa Patnaik sobre a fome em Bengala demonstra como a inflação de preços em Bengala representou uma política britânica deliberada. Essa política foi recomendada por ninguém menos que o famoso economista político liberal John Maynard Keynes.

No contexto da crise do Reino Unido durante a guerra, Keynes defendeu a “inflação do lucro” para alcançar uma “transferência forçada de poder de compra” da massa da população para o tesouro britânico. Os investimentos militares em Bengala deveriam ser pagos com a impressão de dinheiro, independentemente de seu impacto sobre os pobres da região.

O aumento da oferta monetária elevou os preços, beneficiando os capitalistas da região que, por sua vez, eram tributados pelo estado colonial. O estado usou esses fundos para aumentar seus investimentos militares na própria Índia, enquanto desviava fundos excedentes para o Tesouro do Reino Unido para financiar seu esforço de guerra europeu.


Sem uma política estatal deliberada de reduzir o consumo em massa, mais de £ 1.600 milhões em recursos extras não poderiam ter sido extraídos dos indianos durante a guerra, com a maior parte desse enorme fardo recaindo sobre a população de Bengala, uma vez que as forças aliadas estavam localizadas e operavam a partir daquela província. A política do estado era induzir uma inflação de lucro muito rápida que redistribuía a renda da população trabalhadora para os capitalistas e empresas, que eram então tributados.

A ênfase de Sen na capacidade do mecanismo de preços capitalista de gerar ameaças mortais a milhões de pessoas é indispensável para qualquer análise da atual crise mundial de alimentos. Mas também precisamos identificar políticas estatais deliberadas destinadas a enfraquecer ainda mais os pobres e acelerar a mercantilização.

Mudando o sistema alimentar

Em resposta à persistência da fome e da desnutrição no mundo contemporâneo, as instituições tradicionais ainda recorrem a argumentos sobre a disponibilidade de alimentos. Um exemplo vem da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação:

Em 2050, a população mundial chegará a 9,1 bilhões, 34% a mais do que hoje. Quase todo esse aumento populacional ocorrerá nos países em desenvolvimento... Para alimentar essa população maior, mais urbana e mais rica, a produção de alimentos (líquida de alimentos usados para biocombustíveis) deve aumentar em 70%.

A realidade é bem diferente. Atualmente, o mundo já produz 1,5 vez a quantidade necessária para alimentar todos no planeta – na verdade, produz o suficiente para alimentar até mesmo uma população de dez bilhões em 2050.

O problema da fome mundial agora, como nos casos analisados por Sen, não é a insuficiência alimentar, mas sim a pobreza e as relações de poder desiguais que são intrínsecas ao capitalismo. Os pobres do mundo simplesmente não têm dinheiro para pagar pela comida de que precisam para viver uma vida saudável.

Além disso, o argumento de que o mundo precisa aumentar a produção de alimentos para evitar a fome em massa no futuro obscurece deliberadamente como o sistema alimentar contemporâneo é em si um grande gerador de fome. A concentração de terras para o agronegócio acarreta desapropriação em massa das populações rurais, muitas vezes facilitada pelos estados que as governam.

A motivação do lucro capitalista leva as empresas a produzir safras mais lucrativas – como soja para ração animal ou milho para biocombustíveis de etanol – em vez de alimentos para humanos. Os salários na agricultura costumam ser baixos demais para que os trabalhadores se alimentem adequadamente.

Resistência coletiva

A fome de Bengala ocorreu sob o domínio colonial britânico antidemocrático. Em Poverty and Famines, Sen pediu maior democracia como um contrapeso à capacidade dos estados não democráticos de ignorar as necessidades dos pobres. No entanto, embora a Índia pós-colonial não tenha experimentado fomes como a de Bengala, ela ainda sofre de fome e privação generalizadas.

Desde 1997, por exemplo, mais de três milhões de pequenos agricultores cometeram suicídio em resposta à queda de renda como consequência da crescente mercantilização da agricultura indiana. A existência de uma democracia eleitoral não é suficiente por si só para resolver problemas profundos de desigualdade e exploração. 

Poverty and Famines ignorara amplamente a ação coletiva dos trabalhadores para obter melhorias em suas condições sociais. Isso refletia um individualismo metodológico latente na concepção de mudança social de Sen, que veio à tona em seu trabalho posterior. Como me disse o professor Pritam Singh, isso significa ignorar formas importantes de resistência popular durante a fome de 1943:

A classe trabalhadora mais bem organizada em Calcutá forçou o então governo britânico na Índia a providenciar comida para eles e, portanto, foi significativamente menos afetada do que a população rural dispersa, analfabeta e desorganizada.

Singh observa que o governo britânico demoliu campos de refugiados para vítimas da fome, o que piorou suas condições. Mais uma vez, foram as massas rurais, e não o que Singh chama de “população urbana mais consciente e mais organizada”, os principais alvos do estado colonial.

A verdadeira democracia não significa apenas o direito de voto e a existência de uma imprensa livre. Para combater a fome no mundo, nosso objetivo não deve ser aumentar a produção de alimentos, mas estabelecer a distribuição democrática de poder e recursos. Em particular, isso significaria uma reforma agrária sob o controle democrático dos trabalhadores rurais e urbanos.

O problema com o desenvolvimento

O desenvolvimento capitalista é brutal. Requer a formação de grandes classes trabalhadoras que carecem de propriedade e muitas vezes estão sujeitas à brutalidade política, cujos membros estarão então disponíveis para exploração pelas firmas capitalistas. Desde o surgimento do capitalismo agrário e a primeira revolução industrial no Reino Unido, até o desenvolvimento das chamadas economias dos Tigres do Leste Asiático e sua gigante vizinha China, esse sistema econômico sempre priorizou a acumulação de capital sobre o florescimento humano real.

Quando o desenvolvimento capitalista não produz os resultados prometidos para a maioria das pessoas, o que nunca acontece, seus defensores costumam argumentar que essas deficiências surgem apenas porque tal desenvolvimento não ocorreu em uma escala suficientemente ampla. Ao fazer isso, eles desviam a atenção dos problemas que o próprio crescimento capitalista causa, desde desapropriação e salários miseráveis até maior dependência do trabalho doméstico não remunerado para sustentar as longas horas de trabalho dos membros da família. Tais argumentos levam ao apelo por mais crescimento como solução para esses problemas.

O trabalho de 1999 de Sen, Development as Freedom, foi sua segunda intervenção profunda no campo do desenvolvimento. Na época em que foi publicado, Sen já havia se tornado um dos principais pensadores mundiais sobre o assunto. Inicialmente, ele apresentou os principais argumentos do livro durante seis palestras no Banco Mundial, refletindo sua grande presença na comunidade de desenvolvimento.

Em Development as Freedom, ele observou que muito do desenvolvimento baseado no crescimento teve o efeito de suprimir a liberdade. Ele argumentou que o desenvolvimento humano poderia e deveria ser entendido, em vez disso, “como um processo de expansão das liberdades reais de que as pessoas desfrutam”.

Sen adotou uma concepção individualista de “pessoas”, ao invés de coletiva. Isso constituiu uma grande fonte de tensão enquanto ele elaborava sua visão. Para Sen, o desenvolvimento como liberdade significava expandir as habilidades dos indivíduos e, portanto, as escolhas disponíveis para eles, em vez de simplesmente aumentar sua renda.

Development as Freedom pedia a expansão das “liberdades instrumentais” que Sen considerava essenciais para o desenvolvimento. Isso incluía ser capaz de viver uma vida livre de fome, desnutrição e mortalidade prematura. Outras dessas liberdades surgiram da posse de alfabetização, numeramento e o direito de se envolver em discurso sem censura e participação política.

Essas liberdades instrumentais podem não ter sido tão radicais quanto os direitos associados às visões clássicas do socialismo, como a propriedade democrática coletiva dos meios de produção e a igualdade social substantiva. No entanto, muito do que se desenrolou na história do desenvolvimento capitalista simplesmente não teria sido possível se as liberdades instrumentais de Sen tivessem tido prioridade sobre o imperativo do crescimento capitalista. Na verdade, o próprio capitalismo estaria em risco se priorizássemos essas liberdades em detrimento do crescimento econômico.

Idealizando mercados

O problema com a visão de Sen não era necessariamente ser insuficientemente radical. Embora tenha identificado alguns dos elementos necessários para produzir um desenvolvimento humano real, ele não considera a mudança nas relações de classe – em particular as lutas de massas de baixo para cima – por meio das quais eles poderiam ser alcançados.

Em Development as Freedom, Sen finalmente colocou sua fé nos mercados capitalistas. Suas críticas ao desenvolvimento capitalista deram lugar a uma celebração contraditória desses mercados e da lógica pró-capitalista que governa o pensamento dominante sobre o desenvolvimento.

Por exemplo, ele argumentou que “a liberdade de troca e transação é parte integrante das liberdades básicas que as pessoas têm motivos para valorizar”. Em palavras que seriam música para os ouvidos de pensadores pró-capitalistas, ele também falou sobre “a persistência de privações entre segmentos da comunidade que permanecem excluídos dos benefícios da sociedade de mercado” (grifo meu), como se tal “exclusão” fosse apenas um mau funcionamento do sistema.

Em Poverty and Famines, como vimos, Sen mostrou que era o mecanismo capitalista de preços, e não a disponibilidade de alimentos per se, que funcionava como o principal determinante para saber se os pobres viviam ou morriam. No entanto, em Development as Freedom, ele retratou os mercados capitalistas como esferas que promovem liberdades e pediu a expansão desses mercados como um remédio para a pobreza e a desigualdade que eles geram.

A fraqueza analítica de Sen derivava de sua compreensão dos mercados capitalistas como esferas de liberdade. Ele os conceituou como sistemas de troca entre indivíduos nos quais todas as partes entravam livremente, ignorando a realidade das relações produtivas baseadas na exploração de classes sociais subordinadas. Apesar de seu impulso crítico, Development as Freedom, portanto, desviou-se para uma celebração relativamente acrítica do poder dos mercados para proporcionar desenvolvimento.

Desenvolvimento como libertação

Ainda podemos abraçar a defesa de Sen da verdadeira liberdade humana sobre o crescimento econômico. Mas isso exige que concebamos a liberdade como libertação do domínio capitalista. Em vez de “desenvolvimento como liberdade”, seria melhor pensar em termos de “desenvolvimento como libertação”.

A Índia nos deu um vislumbre recente de como podem ser os movimentos pelo desenvolvimento como libertação. Em 2020-21, centenas de milhões de trabalhadores entraram em greve para apoiar um movimento de agricultores em massa que se opõe à tentativa de Narendra Modi de forçar a mercantilização da agricultura indiana. Por mais de um ano, diante da repressão brutal do Estado, o movimento dos agricultores se envolveu em greves nacionais, protestos e o bloqueio da capital da Índia, Delhi.

Esse movimento de massas gerou solidariedade de classe entre os trabalhadores e alianças entre classes entre trabalhadores e pequenos agricultores. Parou, talvez temporariamente, a comercialização contínua da agricultura indiana e ilustrou o potencial dos movimentos de massa de baixo para moldar a política do estado.

No entanto, o grande desafio permanece como ir além dessas lutas defensivas, por mais importantes que sejam, e transformar os meios de produção privados em uma comunidade, no verdadeiro sentido do termo. Isso faz parte da luta pelo desenvolvimento como libertação.

Colaborador

Benjamin Selwyn é professor de relações internacionais e desenvolvimento internacional na Universidade de Sussex. Ele é o autor de The Struggle for Development (2017), The Global Development Crisis (2014), e Workers, State and Development in Brazil (2012).

O estilo literário de Karl Marx é uma parte essencial de sua genialidade

Karl Marx não foi apenas um grande pensador, mas também um glorioso estilista de prosa. Seu brilhantismo como escritor era inseparável de sua grandeza como pensador.

Daniel Hartley

Jacobin

Litografía de Karl Marx, 1866. (Hulton Archive / Getty Images)

Resenha de Marx's Literary Style de Ludovico Silva, tradução de Paco Brito Núñez (Verso, 2023)

Karl Marx foi um dos maiores intelectuais do século XIX. Ele também foi um de seus maiores escritores. Como Charles Dickens, Honoré de Balzac e as irmãs Brontë, Marx se destaca entre os picos da prosa do século XIX.

O recém-traduzido Marx's Literary Style de Ludovico Silva, originalmente publicado como El estilo literario de Marx em 1971, mostra indiscutivelmente que os dois aspectos estão relacionados. Marx foi um dos maiores intelectuais porque foi um dos maiores escritores.

Um polímata venezuelano

Traduzido com entusiasmo por Paco Brito Núñez, a cuja iniciativa os leitores anglófonos têm uma dívida de gratidão, Marx's Literary Style é um daqueles livrinhos curtos (apenas 104 páginas) que tem um impacto muito maior do que seu tamanho diminuto. Ele deveria estar ao lado de Writing Degree Zero, de Roland Barthes, Jane Austen de D. A. Miller,, or The Secret of Style, de D. A. Miller, e A Grammar of the Multitude, de Paolo Virno, como um clássico do gênero.

Educado em um colégio jesuíta particular em Caracas, depois em Madri, Paris e Freiburg, Ludovico Silva (1937-1988) foi um polímata venezuelano: poeta, ensaísta, editor e professor de filosofia. Ele desempenhou um papel ativo na frente cultural latino-americana, fundando e editando uma série de jornais de vanguarda.

Silva mantinha distância das organizações oficiais da esquerda revolucionária, embora, como nos informa Alberto Toscano em sua excelente introdução, fosse simpático ao Movimiento de Izquierda Revolucionaria. Na década de 1970, ele se referiu positivamente às experiências iugoslavas de autogestão e à experiência do poder popular em Matanzas, Cuba.

Sua morte prematura, aos cinquenta e um anos, foi causada por cirrose hepática, levando a um ataque cardíaco. "Existência atormentada? Sim!" relembrou seu irmão mais velho, Héctor, em 2009: "Juntos, viajamos para o reino claro-escuro do álcool". Baudelaire pairava como um padroeiro doente sobre sua vida e obra.

Marxismo e estilo

O estilo literário provou ser um conceito curiosamente produtivo para os críticos marxistas. Para Fredric Jameson, estilo é sinônimo de modernismo: a invenção ex nihilo de tantas linguagens particulares que são o DNA literário de seus criadores — de Marcel Proust e Gertrude Stein a Martin Heidegger e Ernest Hemingway.

Tal é a imbricação do estilo com o modernismo que, para Jameson, torna-se uma categoria de periodização. Ele equipara a era do capitalismo de mercado com o impulso narrativo do realismo e afirma que, quando o capitalismo monopolista se tornou dominante, restringiu o poder da narrativa, liberando as minúcias afetivas capturadas nos elaborados idiomas privados do estilo modernista. Este último, por sua vez, acabou cedendo sob o capitalismo tardio para a falta de estilo do pós-modernismo, no qual apenas o afeto vazio do pastiche sobreviveu.

Para Terry Eagleton, entretanto, o estilo é ao mesmo tempo político e teológico. Ele vê a polêmica como um pré-requisito estilístico para qualquer revolucionário, transpondo a insurgência incipiente do proletariado para o domínio do discurso. Ao mesmo tempo, o estilo é uma forma de sensualidade lingüística: ele deve figurar o mundo, mas nunca esquecer sua própria materialidade, trilhando uma linha tênue entre a objetividade autonegada e o formalismo autocentrado.

Estilo fino, para Eagleton, é sempre um compromisso entre o imediatismo corporal e a abstração conceitual. Em seus primeiros trabalhos (aos quais voltou recentemente), ele viu isso como uma prefiguração católica e sacramental da superação da alienação. O estilo literário provou ser um conceito curiosamente produtivo para os críticos marxistas.

Finalmente, para Raymond Williams, que era muito mais cético em relação à categoria do que Eagleton ou Jameson, o estilo era um modo linguístico de relação social. Ele via as lutas estilísticas de escritores como Thomas Hardy, que procuravam combinar as expressões realistas de homens e mulheres comuns da classe trabalhadora com os modos mais avançados de articulação burguesa, como uma internalização literária da natureza dividida em classes de linguagem na sociedade capitalista em geral. Williams via a batalha pela boa prosa como coextensiva à luta por relações sociais justas, a partir das quais o estilo não poderia ser julgado isoladamente.

O próprio Marx tinha plena consciência da importância do estilo. Em um de seus primeiros artigos jornalísticos, publicado em 1842, ele criticou um decreto de censura prussiano promulgado por Friedrich Wilhelm IV que supostamente “não impediria uma investigação séria e modesta da verdade”. Ao dizer isso, no entanto, o decreto limitou o próprio estilo em que os jornalistas eram legalmente autorizados a escrever.

Marx foi desdenhoso:

A lei permite-me escrever, mas devo escrever num estilo que não é o meu! Posso mostrar meu semblante espiritual, mas primeiro devo colocá-lo nas dobras prescritas! Que homem de honra não corará com essa presunção...?

Marx equipara o estilo de um escritor com sua fisionomia única ou ser espiritual interior. A lei de censura do estado efetivamente exigia que os escritores enroscassem seus rostos literários em um rictus decretado pelo estado, impondo-lhes uma identidade estranha que sufocava seus próprios modos únicos de expressão.

A resposta de Marx informou sua crítica inicial mais geral do estado moderno. Ele via esta última como premissa de uma divisão entre sociedade civil e política: entre “o homem em sua existência sensível e imediata” (burguês) e “o homem como uma pessoa alegórica e moral” (cidadão). Essa divisão, argumentou ele, era a forma política da alienação capitalista.

Dos poemas de amor aos sistemas

Ludovico Silva é um importante colaborador dessa rica veia de estilística materialista. É impossível ler o Estilo Literário de Marx e não emergir com uma compreensão do literário muito diferente daquela com a qual se começou.

Estilo tem sido visto historicamente como “a vestimenta do pensamento” – um suplemento estético ou “acabamento” superficial adicionado ao significado primário comunicado. Como Silva se esforça para mostrar, no entanto, essa visão de estilo de senso comum é inadequada para uma verdadeira compreensão da obra de Marx. O estilo de Marx é um aspecto constitutivo de seu projeto geral de crítica. É também o meio pelo qual ele torna o conceitualmente abstrato perceptível sensivelmente e, nesse sentido, tem uma função pedagógica.

No capítulo 1, Silva localiza as origens do estilo literário maduro de Marx em quatro áreas: suas primeiras (fracassadas) composições poéticas; seu intenso estudo estético e linguístico dos clássicos (latim e grego); sua paixão juvenil pela idealização metafórica; e sua crítica implacável inicial de suas próprias tentativas formativas de escrita literária. Marx percebeu muito rapidamente a inadequação do sentimentalismo romântico abstrato que caracterizou os primeiros poemas de amor que escreveu para Jenny von Westphalen, com quem se casou mais tarde. Conforme ele expressou em uma notável carta a seu pai em 1837: “Tudo o que é real tornou-se nebuloso e o que é nebuloso não tem contorno definido.”

A carta testemunha a conversão ofegante de Marx da poesia para a filosofia hegeliana, mas a trajetória além de Hegel já está prefigurada: Marx percebeu a necessidade de um estilo que adere estreitamente ao real e ao atual, que é concentrado e comprimido, e animadO pela densidade objetiva. Esse é o estilo que caracterizaria o trabalho publicado subsequentemente de Marx e está encapsulado na frase paradoxal de Silva “espírito concreto”.

O capítulo 2 é o mais longo do livro e expõe as características fundamentais do estilo de Marx. Silva argumenta que a obra de Marx deve ser entendida como uma única “arquitetônica”, termo que toma emprestado de Immanuel Kant, que a define como “a arte dos sistemas” [die Kunst der Systeme]. A arquitetônica é comum à ciência e à arte: a ciência tem como premissa o conhecimento sistemático e, para que a expressão se transforme em arte, ela deve, na leitura de Silva, ser regida pela arte dos sistemas.

Silva insiste ao longo do livro em uma divisão nítida na obra de Marx entre aquelas obras que ele preparou cuidadosamente para publicação e aqueles intermináveis manuscritos ou cadernos inacabados que ele nunca publicou. Embora todos esses escritos façam parte da arquitetônica da ciência (um único projeto de crítica da economia política), apenas as obras que Marx retrabalhou para publicação – a mais famosa, o volume 1 de O capital – exemplificam a arte do sistema ao sobrepor a estrutura esquelética. da ciência com a carne vital da expressão metafórica.

A invocação casual de Silva da arquitetônica kantiana levanta uma questão espinhosa: até que ponto podemos dizer que o materialismo histórico de Marx herda noções preexistentes de ciência e sistematicidade do idealismo alemão? Silva passa o assunto em silêncio.

Dialética da expressão e da metáfora

A segunda característica do estilo de Marx é o que Silva chama de “a expressão da dialética” ou “a dialética da expressão”. Ele está se referindo aqui ao uso constante de Marx de quiasmos ou inversões sintáticas nas quais os termos da primeira metade de uma frase são invertidos na segunda: “A vida não é determinada pela consciência, mas a consciência pela vida” (A Ideologia Alemã), ou “ A hipoteca que o camponês tem sobre as posses celestiais garante a hipoteca que o burguês tem sobre as posses camponesas” (The Class Struggles in France, 1850).

É uma figura que encarna o movimento dialético da própria realidade: "O segredo literário por trás de quão 'arredondadas' e impressionantes são tantas frases de Marx", escreve Silva, “é também o segredo por trás de sua concepção dialética da história como luta de classes ou uma luta de opostos”. O estilo de Marx é uma reprodução ou performance mimética dos movimentos reais da história: “A linguagem de Marx é o teatro de sua dialética”.

A terceira e mais importante característica do estilo de Marx é o uso da metáfora. O livro enfoca três dos mais influentes: a (in)famosa metáfora base-superestrutura, a noção de “reflexão” e a religião como uma figura de alienação. Como Aristóteles antes dele, Silva enfatiza a importância cognitiva de tais metáforas, mas também – crucialmente – insiste na distinção necessária que deve ser feita entre metáforas e conhecimento científico teórico.

Em uma série de análises de bravura, ele revela a total inadequação da base-superestrutura e das metáforas de reflexão como base para a teoria científica, mas ainda mantém seu potencial pedagógico. Percebe-se aqui o desprezo de Silva pelas travessuras dogmáticas da obra de Marx nos manuais oficiais do Partido Comunista da época. Seu argumento se aproxima estranhamente do trabalho de Williams, Marxismo e Literatura, publicado apenas seis anos depois, que também desafiou as metáforas base-superestrutura e reflexão.

Williams e Silva concordam que, se seguidas até sua conclusão estritamente lógica, essas metáforas convidam à divisão entre uma base econômica e um reino celestial de ideias precisamente onde Marx procurou expor sua total inter-relação. Não surpreende, portanto, que Silva tenha escolhido como uma de suas epígrafes a frase “linguagem é consciência prática” (de A Ideologia Alemã), que também formou a base da teoria madura de Williams sobre linguagem, literatura e forma.

Ironias da história

O resto do livro revela a conexão sutil entre polêmica, zombaria, ironia e alienação que se repete em toda a escrita de Marx. Wilhelm Liebknecht escreveu certa vez sobre o estilo de Marx que o lembrava das raízes etimológicas da própria palavra: esfaqueamento.”

Marx sabia escrever sujo; ele era o mestre da lâmina de perto. No entanto, Silva também insiste, com razão, que a indignação ardente de Marx andava de mãos dadas com a ironia: “Quantos tentaram imitar o estilo de Marx, apenas para copiar a indignação, esquecendo a ironia!” Assim como a “dialética da expressão” era uma estilização do movimento dialético da realidade, a ironia é o modo estilístico da concepção geral da história de Marx. Segundo Silva:

Se Marx é materialista, é porque sempre procurou descobrir, indo além ou abaixo da aparência ideológica dos acontecimentos históricos (estado, direito, religião, moral, metafísica), suas estruturas materiais subjacentes. É por isso que suas ironias estilísticas sempre desempenham um papel fundamental: o da denúncia, da iluminação da realidade.

Mais uma vez, um atributo do estilo de Marx é lido como uma formalização literária de um processo histórico.

O livro termina levando essa linha de argumentação à sua conclusão lógica: a alienação é uma grande metáfora. Assim como a metáfora requer a transferência de um significado para outro, na sociedade capitalista “encontramos uma transferência estranha e abrangente do significado real da vida humana para um significado distorcido”. Ao invés de ser uma simples figura retórica que pode ser extraída da realidade que ela “meramente” representa, Silva insiste que a própria alienação capitalista tem uma estrutura metafórica.

Talvez o mesmo possa ser dito dos indivíduos, que são tratados em O capital vol. 1, nas famosas palavras de Marx, “apenas na medida em que são a personificação de categorias econômicas, os portadores [Träger] de relações e interesses de classe particulares”. Quando Marx se referiu aos capitalistas individuais como “o capital personificado”, ele não estava sugerindo que os capitalistas agem como se fossem personificações (alegóricas), mas que são personificações vivas do capital, derrubando assim qualquer distinção nítida entre figura literária e conteúdo histórico.

Quando o estilo se torna uma questão do movimento fundamental da própria história, não pode mais ser descartado como mera afetação literária. Silva apresenta o ponto graciosamente, com não pouca força e concisão admirável.

Colaborador

Daniel Hartley é professor assistente de literatura mundial na Durham University (Reino Unido). É autor de The Politics of Style: Towards a Marxist Poetics (Brill, 2017).

Lula articula 2 blocos governistas no Senado, mas PT teme perda de espaço

Alianças envolveriam PT, PSD e PSB num bloco; e MDB, União Brasil e PDT no outro

Thaísa Oliveira


O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) articula a formação de dois blocos no Senado, com cerca de 50 dos 81 senadores. Um dos blocos reuniria PT, PSD e PSB —com 28 senadores— e o outro, MDB, União Brasil e PDT —com 22.

Segundo o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), as conversas ainda estão em andamento.

Na semana passada, PL, PP e Republicanos anunciaram a formação de um bloco partidário para impulsionar a candidatura do ex-ministro do governo Jair Bolsonaro (PL) e senador eleito Rogério Marinho (PL-RN), que disputa a presidência contra Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Juntos, esses partidos têm 23 senadores.

Lula e Jaques Wagner, líder do governo no Senado - Pedro Ladeira-29.dez.22/Folhapress

Apesar da construção dos blocos governistas, a bancada do PT no Senado tem brigado para conseguir mais espaço nas comissões. Pelo arranjo negociado por Pacheco com os partidos que o apoiam, o PT pode ficar sem as três comissões consideradas mais importantes da Casa.

O ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) deve continuar na presidência da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) —por onde passam todas as matérias em discussão. Já o PSD quer se manter na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos).

A CRE (Comissão de Relações Exteriores) pode ficar com outro ex-presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL). Reservadamente, petistas afirmam que a bancada quer a CRE, a CAE e a CAS (Comissão de Assuntos Sociais).

Parte da bancada do PT também reivindica a vice-presidência do Senado para Humberto Costa (PT-PE). Pacheco quer manter no cargo o emedebista Veneziano Vital do Rêgo (PB). Caberia ao PT a indicação da primeira secretaria da mesa diretora, com Rogério Carvalho (PT-SE).

Após reunião da bancada do PT, nesta segunda-feira (30), Jaques Wagner afirmou a jornalistas que o governo Lula não teme a vitória de Rogério Marinho. O petista criticou a estratégia adotada pelo senador eleito, e disse que ele se coloca como líder da oposição.

"Eu acho que ele tende a perder voto e não a ganhar voto. Ele não está se propondo a ser presidente do Senado, ele está se propondo a ser líder do bloco de oposição", afirmou, completando que não gostaria que Pacheco pedisse votos prometendo aprovar todas as matérias de interesse do governo.

Na chegada ao jantar promovido pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, Marinho afirmou que teria condições de vencer Pacheco se a eleição fosse hoje. O candidato disse que tem boa relação com muitos senadores com quem conviveu quando era deputado federal e ministro.

"Temos tido uma vantagem. Eu acredito que mais de 30 senadores foram deputados federais conosco nos últimos 12 anos. E o fato de eu ter sido ministro também me deu uma convivência muito grande dentro do parlamento. Isso tem facilitado a nossa conversa", disse.

Marinho afirmou ainda que ele e o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que também é candidato à presidência do Senado, estarão juntos em um eventual segundo turno. Para vencer a disputa, é preciso obter 41 votos em primeiro ou segundo turno.

Cotado para assumir a liderança da oposição, o ex-líder do governo Bolsonaro no Senado Carlos Portinho (PL-RJ) afirmou que a votação será secreta. Parte dos bolsonaristas tem se movimentado para declarar voto em Marinho nas redes sociais e repetir o movimento na quarta (1º).

"Eu votarei em Rogério Marinho para presidente do Senado. Trata-se de um homem de bem, que honra seus compromissos e defende a Constituição. Vai representar nossos valores e ideais, assim como o resgate do verdadeiro papel do Senado", disse o ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS), senador eleito.

O líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF), também declarou voto em Marinho nesta segunda. Com a ida de Mara Gabrilli (PSDB-SP) para o PSD, antecipada pela Folha, o partido deve começar a legislatura com apenas três senadores.

Os outros dois tucanos não se posicionaram publicamente. A assessoria do Alessandro Vieira (PSDB-SE) afirmou que ele ainda está conversando com os candidatos. Pessoas próximas ao senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmam que ele deve votar em Girão.

29 de janeiro de 2023

Rui Costa acumula poder, centraliza decisões e se torna porta-voz de Lula

Chefe da Casa Civil desautorizou outros ministros e intermediou diálogo com Forças Armadas

Marianna Holanda
Matheus Teixeira
Renato Machado


O ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), consolidou-se no primeiro mês do mandato como o principal nome da gestão no Executivo federal. Escolhido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para chefiar a pasta que coordena os trabalhos de toda a Esplanada, ele acumulou poder e se tornou porta-voz do presidente.

Petistas e integrantes do primeiro escalão dizem que as principais ações têm de passar pelo aval do chefe da Casa Civil e chegam a compará-lo com o então todo-poderoso José Dirceu no início do governo Lula 1 (2003-2006).

Ponderam, no entanto, que a pasta não tem tantas atribuições como no primeiro mandato de Lula e lembram que Rui não tem a mesma influência interna no partido que Dirceu tinha.

Rui Costa vem sendo apontado como "homem forte" de Lula nesse início de governo - Pedro Ladeira/Folhapress

Desde o início do novo governo, o ministro ampliou seus poderes sobre as nomeações e assinou uma norma para determinar que todas as indicações nos ministérios até o nível de diretor precisam passar pela Casa Civil. Antes, a Casa Civil avalizava as escolhas para o segundo escalão, mas postos inferiores ficavam sob autonomia dos respectivos ministros.

As exonerações de todos os postos, até os mais baixos, também passam pelo ministério. Há uma avaliação de petistas de que a máquina teria sido aparelhada por bolsonaristas e de que é preciso fazer um pente-fino.

Por isso, se outrora cabia à Casa Civil fazer um filtro de viés mais jurídico sobre cargos do segundo e terceiro escalões, agora o ministério também faz a análise política e dá a palavra final sobre essas nomeações.

Foi Rui quem deu uma das declarações de maior impacto no mundo político desde a volta do PT ao poder. Apesar de Lula ter indicado publicamente que não pretende disputar a reeleição, o ministro afirmou, na primeira semana de governo, que o petista pode disputar um novo mandato.

Além do controle sobre nomeações e demissões, coube a ele falar em nome de Lula em situações sensíveis. Foi Rui quem desautorizou publicamente o ministro da Previdência, Carlos Lupi, que sugeriu revogar as mudanças nas regras de aposentadoria aprovadas em 2017.

Na mesma semana, ele foi o único liberado a falar após a primeira reunião ministerial conduzida por Lula. Concedeu uma entrevista coletiva para relatar o teor do encontro, e todos os demais ministros foram orientados a deixar o palácio sem conversar com a imprensa.

Também foi ele que se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para preparar a reunião dos militares com Lula, em meio à tensão desencadeada após os atos de vandalismo nas sedes dos Três Poderes.

Logo após a vitória petista, Lula nomeou seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), para ser o coordenador-geral do governo de transição; a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para a coordenação política; e Aloizio Mercadante para ser coordenador técnico.

A partir dali, a especulação era a de que um dos três nomes poderia dar sequência ao poder dado a eles na transição para ser também o responsável por tocar a gestão do governo na Casa Civil. A impressão era reforçada pelo papel central que eles tiveram durante a campanha.

Nos bastidores, nunca saiu do cenário o peso que o grupo político do PT da Bahia teria no Executivo. Por isso, o líder do grupo e homem de confiança de Lula de longa data, senador Jaques Wagner (PT-BA), era apontado como um nome para a Casa Civil.

O parlamentar, de perfil negociador, ficou com a liderança do governo no Senado. E seu sucessor como governador da Bahia, Rui Costa, foi para a Casa Civil. O atual chefe da Casa Civil ficou oito anos no cargo e, em 2022, elegeu para o posto o aliado Jerônimo Rodrigues, que nunca havia disputado uma eleição.

Apesar do seu poder no governo, Rui não pode seguir o caminho de outros ex-governadores petistas do nordeste, como Camilo Santana (CE) e Wellington Dias (PI), que terminaram seus oito anos de mandato e se elegeram para o Senado.

A construção da chapa aliada na Bahia previa o apoio à reeleição do senador Otto Alencar (PSD-BA), deixando o atual ministro sem cargo eletivo. O sacrifício foi elogiado pela cúpula petista.

Integrantes do governo também creditam a Rui boa parte da expressiva votação de Lula na Bahia: 72%. Isso reafirmou a força política do grupo no entorno do chefe do Executivo.

O capital que Rui acumula também tem relação com o novo desenho da Casa Civil, hoje mais robusta do que sob o governo do antecessor Jair Bolsonaro (PL). Além disso, seu braço direito é Miriam Belchior, ex-ministra de gestões petistas, que também exerce poder sobre o Executivo e, em especial, sobre programas de infraestrutura.

Miriam e o PT ganharam uma queda de braço com a ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), que saiu fortalecida das eleições presidenciais por seu apoio a Lula no segundo turno.

O partido aliado fazia questão que o Planejamento tivesse em seu guarda-chuva os bancos públicos e o PPI (Programa de Parcerias de Investimento). Rui, Miriam e o PT insistiram e ficaram com a coordenação do programa.

Comanda o PPI no Planalto hoje Marcus Cavalcanti, que foi secretário da Infraestrutura da Bahia. Outros nomes do estado também foram com Rui para o Planalto e ocupam postos de relevância.

A Secretaria de Administração, que ficava sob a Secretaria-Geral, está agora na Casa Civil, com Norberto Queiroz, auditor fiscal aposentado da Bahia.

Já a SAJ (Subchefia de Assuntos Jurídicos), responsável pela palavra final do ponto de vista jurídico em atos normativos do governo, está com o jurista Wellington César Lima, que foi procurador-geral de justiça do Ministério Público da Bahia.

A Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento, que coordena projetos da Esplanada, está sob o comando do administrador Maurício Muniz, que era assessor Chefe da Casa Civil do Governo da Bahia.

Como titular da Casa Civil, Rui faz questão de demonstrar o poder sobre os outros ministérios. Ele tem feito um périplo na sede das outras pastas para discutir prioridades da gestão de cada órgão e passar missões.

É a equipe de Rui e Miriam que definirá as prioridades dos ministérios nos 100 dias de governo.

Além da estrutura, a Casa Civil carrega um forte simbolismo de comando nos governos petistas. Após a saída de Dirceu, quem assumiu foi Dilma Rousseff, que se tornou a substituta de Lula na Presidência —apesar da resistência interna que enfrentava.

Na Bahia, Rui ficou conhecido como um político que evita embates ideológicos e prioriza a condução do cotidiano da máquina pública. No governo federal, assumiu papel similar. As declarações mais fortes contra Bolsonaro, por exemplo, são feitas por Lula ou por outros ministros

Conversações entre a Rússia e a Ucrânia salvariam vidas, argumenta Christopher Chivvis

O especialista em política externa escreve como parte de uma série de debates sobre a sabedoria das negociações de paz

Christopher S. Chivvis



Em 24 de fevereiro, a guerra na Ucrânia passará sua marca de um ano sem fim à vista. Os custos estão aumentando, a Europa enfrenta uma crise épica de refugiados, dezenas de milhares de pessoas morreram e o total de vítimas agora chega a centenas de milhares. Planos para fornecer à Ucrânia tanques ocidentais, anunciados nos últimos dias, indicam que Estados Unidos, Alemanha e outros estão se preparando para uma guerra muito mais longa. Mas em um conflito prolongado, muito mais perecerão. Os líderes ocidentais estariam cometendo um grande erro ao não pressionar por negociações para encerrar os combates, mesmo continuando a apoiar a Ucrânia.

Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, disse que é a favor de negociações de paz – mas somente depois que a Ucrânia reconquistar um território importante. Ele quer recuperar não apenas o que a Ucrânia perdeu em 2022, mas também o que perdeu em 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia e ocupou partes da região de Donbass.

Eu simpatizo com o desejo da Ucrânia de lutar até expulsar as forças russas de todo o território ucraniano. Tenho certeza de que os líderes ucranianos temem que as negociações de paz desmoralizem suas tropas, que lutam com tanta bravura. A causa deles é justa. Mas seus objetivos de guerra são irrealistas. Os tanques ocidentais são um símbolo de compromisso e acabarão por aumentar as chances da Ucrânia de perfurar as fortificações russas. Mas eles não são uma virada de jogo.

Com sorte, os tanques podem encorajar Vladimir Putin a considerar seriamente as negociações. Mas ele ainda não pode se dar ao luxo de recuar sem nada para mostrar para sua guerra, por mais deplorável que seja. Dado o quanto ele apostou nessa operação, seu fracasso – muito menos uma perda maior que inclui a Crimeia ou outro território que a Rússia ocupou em 2014 – arriscaria uma revolta dentro das elites russas que desestabilizaria seu regime. Esta também é uma cruzada profundamente pessoal para Putin, que provavelmente a vê como o desfecho de seu longo reinado.

Os objetivos de guerra da Ucrânia também parecem irrealistas porque Putin não está prestes a ficar sem dinheiro. A China o apóia politicamente e compra petróleo e gás russos. E as sanções não prejudicaram a economia russa como se esperava inicialmente. Suas tropas ainda estão sendo pagas e o exército russo está entrincheirado. Suas trincheiras podem ser vistas em fotos de satélite, entrelaçando-se como fios ao longo das linhas de frente no leste e no sul. Putin também convocou um grande exército de reserva e descobriu novas maneiras de reabastecer o arsenal da Rússia. (O Kremlin descobriu como produzir mísseis de cruzeiro kh-101 internamente, apesar das sanções, e comprou armas do Irã e da Coreia do Norte.)

A Ucrânia não pode atingir seus maiores objetivos sem um aumento ainda maior do apoio do Ocidente. É por isso que pediu não apenas tanques, mas também caças F-16, drones Grey Eagle, mísseis ATAC de longo alcance e munições cluster. Talvez um conflito duradouro veria a Ucrânia retomar a região de Donbass; mas também pode ver novos ataques a Kyiv. O Ocidente, no entanto, carece do interesse vital que justificaria os riscos de escalada, os custos militares, políticos e humanos decorrentes do apoio aos maiores objetivos da Ucrânia.

Nos Estados Unidos, o Congresso já votou mais de US$ 100 bilhões em apoio militar, financeiro e outros à Ucrânia. Mas o apoio público a tais medidas está diminuindo. Uma pesquisa publicada em dezembro pelo conselho de Chicago, um think-tank americano, descobriu que a parcela de americanos que acredita que Washington deveria apoiar a Ucrânia "pelo tempo que for necessário" caiu para 48%, ante 58% em julho. E as diferenças entre os aliados da Otan sobre até onde prosseguir na guerra permanecerão.

Para todos, o risco de uma escalada para uma guerra mais ampla e destrutiva também persistirá enquanto durarem os combates. Um longo conflito certamente consumirá os escassos recursos europeus, impedirá que milhões de refugiados voltem para casa e enfraquecerá o clima econômico. O barulho de sabre nuclear de Putin é condenável e egoísta, mas uma abordagem responsável da guerra significa levar a sério a possibilidade de que ele use armas nucleares. Há muito a perder. É por isso que uma via diplomática muito mais robusta é necessária, mesmo enquanto mantemos a pressão sobre a Rússia globalmente.

Aqueles que defendem a continuação da guerra talvez acreditem que existe uma alternativa militar à negociação que resolva o conflito subjacente entre a Rússia e a Ucrânia. Não há. Sim, seria bom se a Ucrânia recuperasse mais algum território. Mas a que custo e para qual ganho estratégico? Mesmo no caso improvável de o Ocidente apoiar a Ucrânia ao máximo por muitos anos e acabar forçando a Rússia a sair de todo o território ucraniano, a Rússia provavelmente reiniciaria a guerra em algum momento para recuperar seus ganhos perdidos e sua reputação. Uma operação de mudança de regime em Moscou poderia impedir isso, mas seria extremamente arriscado.

Fazer a diplomacia funcionar exigirá conversas duras para persuadir a Ucrânia a adotar uma abordagem mais realista para seus objetivos de guerra. Os tanques ocidentais para a Ucrânia tornarão isso mais difícil, mas também fortalecerão a capacidade do Ocidente – e seu direito – de fazê-lo. Afinal, os Estados Unidos já limitam o uso de suas armas pela Ucrânia de várias maneiras, por exemplo, proibindo ataques à Rússia. Enquanto isso, uma maior abertura pública às negociações entre os líderes ocidentais pode ajudar Zelensky a defender seus próprios cidadãos e serviços de segurança. E o apoio militar ocidental deve continuar ao lado – dissuasão e détente podem ser complementares.

O Sr. Putin é um autocrata com um machado para moer sobre a OTAN. Se ele entraria ou não em negociações com alguma seriedade, não se sabe. Mas a decisão de enviar tanques pode encorajá-lo a fazê-lo. A preocupação de que um acordo negociado “recompense” Putin, e talvez encoraje a agressão chinesa em Taiwan, é exagerada. Se as negociações congelassem as linhas de batalha onde estão agora, Putin teria pago um preço muito alto por ganhos muito limitados. Suas forças armadas mostraram sua incompetência para o mundo inteiro. A Rússia agora é um estado pária e sua relação com a Europa – durante séculos a mais importante – está destruída. As sanções retardarão o crescimento econômico da Rússia nos próximos anos, mesmo que sejam eventualmente moderadas em troca de concessões do Kremlin.

Muitos críticos das negociações se opõem à ideia de diplomacia com um homem como Putin por princípio, mas as potências ocidentais deveriam e negociam regularmente com adversários, incluindo os desprezíveis, quando isso serve aos interesses nacionais e evita a violência e o sofrimento humano.

A princípio, as negociações não buscariam resolver o conflito de uma vez por todas, muito menos resolver a ladainha de queixas da Rússia sobre a Otan. Os diplomatas teriam que mirar baixo no início, começando com cessar-fogo limitado e medidas de transparência. O acordo negociado em julho para permitir as exportações de grãos ucranianos indica que as negociações sobre problemas específicos podem funcionar. Se um cessar-fogo fosse mantido, negociações mais amplas sobre diferenças mais profundas poderiam ocorrer mais tarde. Mesmo um fim temporário para o conflito ofereceria uma chance para as emoções esfriarem, vidas serem salvas e recursos poupados.

As negociações também prometem uma reconstrução pós-conflito. E é aí que estará a verdadeira vitória da Ucrânia sobre a Rússia: em se tornar uma democracia vibrante e bem integrada à Europa. Esse processo, que provavelmente durará até a década de 2030, pode se estender por muitos anos se a guerra continuar, a julgar pelos precedentes históricos nos Bálcãs, Iraque e Afeganistão.

As negociações podem falhar completamente, mas as partes que estariam envolvidas nelas não podem realmente saber até que tentem. As negociações também podem ter sucesso inicialmente, mas produzir uma paz que entrará em colapso em alguns anos – como os acordos de Minsk que encerraram a guerra de 2014. Embora imperfeito, mesmo esse resultado seria melhor do que vários anos de luta. Outro conflito congelado é preferível a uma guerra sem fim que coloca a Europa, a Ucrânia e, finalmente, o mundo em risco nos próximos anos.■
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Christopher S. Chivvis é diretor do American Statecraft Program no Carnegie Endowment, um órgão de pesquisa americano. Ele foi o oficial de inteligência nacional dos EUA para a Europa entre 2018 e 2021.

Este artigo faz parte de uma série de debates sobre os méritos das negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia. Para um argumento contrário, consulte o artigo de Ben Hodges.

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