22 de dezembro de 2024

O capitalismo está tirando a vitalidade de nossa indústria cultural

A indústria cultural é dominada por algumas grandes corporações que preferem continuar vendendo histórias antigas em vez de arriscar algo novo. Trabalhadores criativos ainda podem produzir ideias novas, mas elas estão sendo sufocadas antes de terem a chance de vir à tona por capitalistas que são "avesso ao risco".

Dean Van Nguyen

Jacobin

Desde 2006 a Disney adquiriu a Lucasfilm, a Pixar e a Marvel — não eram exatamente entidades familiares na época da compra. (Jaque Silva / NurPhoto via Getty Images)

Resenha do livro Derivative Media: How Wall Street Devours Culture [Mídia derivativa: como Wall Street devora a cultura], de Andrew deWaard (University of California Press, 2024)

Tradução / O argumento central do esclarecedor livro de Andrew deWaard, Derivative Media: How Wall Street Devours Culture, é: há um pequeno número de empresas gigantescas hegemonizando a indústria do entretenimento. Elas são semelhantes ao aglomerado de empresas que dominam a tecnologia e, assim como as Big Techs, a maioria de seus escritórios fica amontoada na Santa Monica Boulevard. É uma região de bilionários povoada não por artistas ou trabalhadores criativos, mas por analistas de fundos de hedge, gestores de ativos e vários outros tipos de ternos, de todos os tamanhos.

Com um preâmbulo de críticas marxistas à economia política, o livro conta a história, como colocado por deWaard, de como “a força vital cultural de um país foi derramada nessas ruas por um bando de vilões financeiros”, agindo com a ajuda de várias armas: “instrumentos e estratégias financeiras como dividendos, recompras de ações, portfólios diversificados, taxas de administração, fundos indexados, brechas fiscais e contratos futuros”.

Abutres da cultura

DeWaard apresenta um quadro sombrio do comportamento capitalista predatório que sustenta — alguns podem dizer que impulsiona — a cultura popular hoje. Ele se concentra principalmente em música, cinema e televisão, evitando a mídia de notícias, videogames ou atividades culturais mais sofisticadas, como dança, teatro e ópera. Os parágrafos estão cheios de números e porcentagens, muitos dos quais são apoiados por tabelas e gráficos — este é, majoritariamente, um trabalho acadêmico. Mas o autor se esforça para manter as coisas leves e acessíveis, comparando os barões da mídia a Charles Foster Kane e citando o fracassado chefe de Succession, Kendall Roy, para explicar o capital privado.

O livro guia os leitores pelas várias aquisições realizadas por essas corporações gigantescas que lhes permitiram crescer e crescer, como as cobras devoradoras de esferas pixeladas no antigo jogo de celular da Nokia. A Disney, por exemplo, adquiriu a Lucasfilm, a Pixar e a Marvel desde 2006 — não exatamente entidades familiares na época de sua compra. DeWaard acusa a empresa, associada à infância e à inocência, de comportamento “de cartel”, como exigir que os cinemas entreguem uma fatia maior das vendas de ingressos de sua franquia Star Wars. Que escolha os cinemas têm? A popularidade desses filmes significa que eles devem se curvar.

Voltando sua atenção para a financeirização da música, há uma análise útil dos pagamentos que os artistas recebem de plataformas de streaming e a prática menos conhecida de empresas de investimento de “gestão de músicas” que absorvem sucessos populares para fins de licenciamento ou revenda. DeWaard cita a Hipgnosis, sediada em Londres, como a mais agressiva dessas empresas, com 64.000 músicas sob seu controle, das quais mil foram número um nas paradas de sucesso. O parceiro da empresa e lenda do funk Nile Rodgers apresentou isso aos investidores como uma oportunidade de “estabelecer músicas como uma classe de ativos não correlacionada com retornos atraentes ajustados ao risco” — algo como um salto, é justo dizer, em relação ao seu passado adolescente como membro do abertamente marxista Partido dos Panteras Negras.

Nenhuma esfera cultural viu seus modelos de negócios usurpados tão regularmente nas últimas décadas quanto a música. Ao condenar a lacuna entre músicos superstars e atos independentes, deWaard corretamente aponta que “a proporção de sucessos globais para os raramente vistos ou ouvidos está maior do que nunca”, embora possamos explicar isso parcialmente em termos de grandes gravadoras perdendo o controle que antes exerciam sobre os meios de lançar novos materiais.

Gravações caseiras, plataformas de lançamento online e mídias sociais diminuíram a importância do caminho tradicional de assinar um contrato de gravação; até mesmo artistas superstars como Chance the Rapper optaram por permanecer o mais desvinculados possível das grandes corporações. Com essa democratização, veio uma explosão de material. Os hábitos de audição também mudaram, mudando os parâmetros em termos do que pode ou não ser considerado um “hit global”. A maioria das músicas pop simplesmente não ressoa da maneira que costumavam. Por todas as coisas que Taylor Swift acumulou, nem ela pode se gabar de uma coleção de singles onipresentes com os quais o cidadão médio está familiarizado.

Curiosamente, deWaard acusa a indústria musical de usar o susto da pirataria do Napster no início dos anos 2000 para mercantilizar ainda mais os catálogos e consolidar seu poder sob o pretexto de proteger os artistas. Ele cita pesquisas que afirmam que a pirataria não afeta negativamente as vendas de álbuns.

Embora muitos se irritem com qualquer defesa da pirataria — artistas, estejam eles em conluio com grandes empresas ou não, precisam ser pagos por seu trabalho — sempre houve um argumento socialista para isso. O produtor musical independente Steve Albini, conhecido durante sua vida por recusar royalties sobre as músicas de seus clientes, afirmou uma vez:

A melhor coisa que aconteceu na minha vida na música, depois do punk rock, é poder compartilhar música, globalmente, de graça. Nunca mais haverá uma indústria fonográfica de mercado de massa, e isso é bom para mim porque essa indústria não operou em benefício dos músicos ou do público, as únicas classes de pessoas com as quais me importo.

A vista de Annapurna

Dito isso, muitos daqueles que são, em princípio, contra essa extração de lucro tentarão, no entanto, fechar suas mentes para isso enquanto passam pela Netflix. Tudo bem — as pessoas nem sempre querem ver como a salsicha é feita. Mas Derivative Media oferece uma análise crucial não apenas para esquerdistas que se opõem ao comportamento corporativo por razões éticas, mas também para consumidores que simplesmente querem se divertir, enquanto deWaard examina como a cultura financeirizada afeta negativamente a própria mídia.

Neste ponto, vale a pena fazer uma pausa para dizer que determinar a qualidade do entretenimento é, claro, extremamente subjetivo. Pessoalmente, acho que a máquina Marvel tem sido um desastre para Hollywood, pois monopoliza talentos e recursos, mas outros acreditam que seu escopo e realização técnica a colocam entre os maiores desenvolvimentos da indústria. Independentemente disso, deWaard é rigoroso em sua busca pelas pressões capitalistas que ele insiste que estão afetando negativamente a cultura popular, e muitos de seus argumentos são convincentes.

DeWaard afirma que uma classe de financiadores ricos está até mesmo tendo um impacto prejudicial na cena do cinema independente, apontando para o exemplo da produtora de cinema Megan Ellison, filha do bilionário Larry Ellison, que fundou a altamente bem-sucedida — em termos de aprovação da crítica, pelo menos — Annapurna Pictures. Conforme declarado no Hollywood Reporter: “Não há executivo agora que tenha uma paixão maior pelo cinema — e não apenas pelo meio, mas por um tipo específico de produção cinematográfica que está se tornando uma espécie em extinção: o lançamento especial, o drama reflexivo e baseado em tipos personagens para quem as grandes empresas há muito tempo deram as costas.”

No entanto, de acordo com deWaard, o orçamento excessivo de Ellison em seus projetos afasta investidores e aumenta os custos de outros filmes independentes:

Mesmo que Ellison tivesse as melhores intenções ao iniciar esta empresa, o resultado a longo prazo foi o enfraquecimento da infraestrutura geral do cinema independente, à medida que ele se torna cada vez mais ligado aos caprichos dos ricos e das finanças.

Isso pode ser verdade, embora deWaard forneça seu próprio contraponto ao listar os filmes clássicos que Ellison financiou, incluindo Trama Fantasma e Trapaça. É difícil argumentar contra os mecanismos que permitiram que tal trabalho surgisse. Filmes são caros, afinal, e os diretores sem dúvida consideram os milhões de Ellison uma dádiva de Deus. Em comparação, métodos alternativos de financiamento coletivo como o Kickstarter provaram ser pouco confiáveis.

Mas talvez haja uma lição nas escolhas editoriais recentes do Washington Post. Com as vendas de jornais despencando, alguns analistas viram o modelo de propriedade de homem rico, com um bilionário pagando a conta no final do mês, como uma das poucas maneiras pelas quais uma instituição de grande porte como o Post ainda poderia operar. Mas profundas suspeitas de que Jeff Bezos teve uma mão na decisão do jornal de não endossar um candidato presidencial este ano mostram o perigo de qualquer modelo que esteja à mercê dos caprichos de uma pessoa. Da mesma forma, uma indústria cinematográfica independente mais saudável pode ser aquela que é construída para ser autossustentável.

Um dos estudos de caso mais incisivos examinados em Derivative Media é o programa de TV 30 Rock, que deWaard descreve como um novelo de lã de interesses corporativos, posicionamento de produto, integração de marca e marketing para sua rede NBC e que se apresenta como sátira. Nunca assisti a 30 Rock, mas a análise de deWaard me fez lembrar de uma cena na versão americana de The Office.

Durante uma viagem a Nova York, o personagem principal, Michael Scott, erroneamente acredita ter visto a criadora/estrela de 30 Rock, Tina Fey, enquanto falha em reconhecer o verdadeiro Conan O’Brien. Como The Office e Late Night with Conan O’Brien eram produções da NBC, presumi que alguém simplesmente bateu na porta do camarim de O’Brien e perguntou se ele faria uma rápida aparição. Mas ele foi cuidadosamente colocado como uma forma de promover outro programa da NBC? Eu deveria ter sido mais cínico?

Uma porcaria de futuro

Enquanto eu lia Derivative Media, pensava mais e mais em Jogador Nº 1, o filme de Steven Spielberg que faz referência à cultura pop e é mencionado apenas brevemente no livro. O filme se passa em 2045, em uma época em que as pessoas escapam para uma realidade virtual com iconografia pop predominantemente do século XX. Ocorreu-me, enquanto assistia, que o filme pressupõe que nenhuma nova cultura pop será criada entre agora e o ano em que a história se passa.

Parecia uma escolha narrativa conveniente. Mas talvez Jogador Nº 1 seja, na verdade, uma imagem precisa do futuro para o qual rumamos rapidamente. Quase não há um filme de sucesso lançado hoje em dia que não seja baseado em um filme, personagem, livro ou outra forma de propriedade intelectual preexistente. A inovação é suprimida na busca por algo certo, por dinheiro rápido. Claro, essas indústrias sempre buscaram lucrar, mas na névoa de sequências, reboots e remakes, alguns bons e outros ruins, essa palavra “derivada” parece mais adequada do que nunca.

Em defesa de deWaard, ele nunca instrui os leitores a desligar, parar de ouvir ou assistir, nem se volta contra a grande maioria de talentos. A mídia pode ser cada vez mais derivada, mas ainda pode ser agradável, até mesmo nutritiva. Todos os anos, artistas, operando dentro do sistema ou de maneira independente, superam o atoleiro de interesses corporativos e pressões econômicas e fazem um ótimo trabalho. Então, talvez a real mensagem do livro não seja dita: mesmo em meio à crise capitalista, o impulso humano de criar perdura.

Colaborador

Dean Van Nguyen é um escritor freelance baseado em Dublin que publica no The Guardian e no Pitchfork.

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