19 de abril de 2023

Caso do general do GSI mostra outro lado do 8/1 para Lula

Relação com revoltosos marca carreira de Gonçalves Dias, raro militar próximo do presidente

Igor Gielow


O espasmo golpista bolsonarista do 8 de janeiro foi um dos bálsamos inesperados para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no começo de seu terceiro mandato.

Diferentemente das suas duas eleições bem-sucedidas anteriores, o petista assumiu um país com eleitorado dividido e pressão de uma oposição que se prometia aguerrida, ainda sem uma organização institucional clara: nunca combinou com Valdemar Costa Neto o papel de líder de vanguardas revolucionárias, por assim dizer.

Lula abraça Gonçalves Dias durante a apresentação dos membros de seu novo governo - Sergio Lima - 1.jan.2023/AFP

A orgia de destruição de vidros e obras de arte resultou em uma coesão das forças constituídas em torno de Lula, dada a natureza algo imperial do presidencialismo brasileiro.

Isso dito, esse crédito esvaiu-se com o passar do tempo, enquanto o Congresso se reorganizava em novos blocos e uma dinâmica ainda incerta para os planos de Lula. Aos poucos, a relação com os militares foi distensionada, após o petista asseverar autoridade demitindo o comandante do Exército por, entre outros motivos, leniência com o bolsonarismo nas Forças.

Não deixa assim de ser irônico que a primeira queda de ministro do governo Lula-3 seja a de um dos raros fardados próximos do presidente, e logo depois de o petista ouvir um discurso com exaltação a valores democráticos do novo comandante do Exército.

O vídeo em que o agora ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general da reserva Marcos Gonçalves Dias, aparece no Planalto no dia 8 complicou sua já frágil posição. A peça não é clara sobre o que ele fazia por lá, e de todo modo foi bem depois que as portas estavam arrombadas.

Mas toda a narrativa tortuosa de que tais imagens não existiriam, e depois sua colocação sob sigilo, sugere que Dias poderia até estar operando uma limpeza dos bolsonaristas de seu antecessor, o saturnino general Augusto Heleno, mas queria fazê-lo de forma discreta. O conceito da "família militar" é muito caro às corporações de coturno.

Isso tudo será elucidado em investigações, espera-se. Mas a posição política de Dias lembra Lula de que o 8/1 tem um outro lado, o de uma ineficácia reativa das forças federais que pode transcender o colaboracionismo daqueles bolsonaristas que ainda tinham emprego.

Nem de longe isso implica o novo governo com os atos golpistas, até pelo fato óbvio de que ele era uma das vítimas. Mas toda a marola de CPI sobre o episódio é uma outra face desta regra áurea da vida política: tudo tem dois lados, e às vezes um deles ganha musculatura à medida que o outro perde gás.

Dias e Lula talvez buscassem uma "saída Hargreaves" para o episódio, referência ao afastamento temporário de Henrique Hargreaves da Casa Civil de Itamar Franco, voltando após uma apuração o isentar de irregularidades.

Mas a nebulosidade do caso e a necessidade de alguma coesão na articulação congressual para tocar o arcabouço fiscal nas Casas matou essa hipótese agora, com um preço pessoal alto para Lula. GDias, como o general é conhecido, ganhou notoriedade nos governos anteriores do presidente como o chefe de sua segurança.

É dele a calva reluzente presente em uma das fotos mais icônicas de Lula, quando um menino negro toca o rosto do presidente em um evento da campanha de 2006 em Recife. Quando o petista decidiu ser candidato novamente no pleito de 2022, chamou o amigo para novamente coordenar sua proteção.

Para Dias, é a segunda fatura apresentada na sua vida pública apresentada pelo relacionamento com revoltosos. Em 7 de fevereiro de 2012, no governo Dilma Rousseff (PT), ele já havia voltado aos quartéis e comandava as tropas federais chamadas para coibir um motim de policiais militares na Bahia.

Era seu 62º aniversário e ele confraternizou-se com amotinados, prometendo que não haveria conflito e os abraçando, ganhando um bolo em troca. O episódio o queimou na Força, que o afastou de postos de comando, levando-o à reserva como general de três estrelas.

A nova fotografia deste ano, com o terno de ministro na posse de Lula, insinuava um novo capítulo neste arco narrativo, ora abortado.

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