25 de novembro de 2024

"Aumentar juros não alivia o sofrimento das pessoas que enfrentam os altos custos de itens essenciais", diz economista alemã

A economista alemã Isabella Weber defende controle de preços estratégicos e estoques reguladores de itens essenciais como estratégia para conter a inflação

Por Luciana Casemiro



Controle de preços estratégicos e estoques reguladores de itens essenciais como táticas essenciais para o conter o avanço da inflação, diz a economista alemã Isabella Weber, professora da Universidade de Massachusetts Amherst, que pesquisa políticas econômicas voltadas ao controle da inflação e à estabilização de preços. Isabella, que se encontrou com o ministro Fernando Haddad no ano passado quando veio ao Brasil lançar o premiado livro "Como a China Escapou da Terapia de Choque: o Debate da Reforma de Mercado", afirma que depender apenas da elevação da taxa de juros para deter o avanço dos preços pode ter um custo elevado e não ter a eficácia desejada. Ela defende que é preciso pensar em medidas criativas. E pondera que os EUA erraram ao elevar os juros e ressalta que a alta das taxas americanas fazem com que seja inevitável o aumento da Selic por aqui, mas pondera:

- Embora países como o Brasil sejam forçados a aumentar as taxas de juros (quando os EUA sobem os juros) não alivia o sofrimento das pessoas que enfrentam os altos custos de itens essenciais.

A economista, que esteve no Rio, na semana passada para participar do seminário Caminhos para um Desenvolvimento Verde e Equitativo, evento paralelo ao G20, organizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pela Phenomenal World (PW), com apoio da Open Society Foundations e do Instituto Clima e Sociedade, concedeu uma entrevista exclusiva ao blog.

Isabella diz que a política econômica que Donald Trump pretende implementar na presidência dos EUA pode provocar um fenômeno que chama "inflação dos vendedores":

- Um risco claro é que as tarifas generalizadas propostas por Trump atuem como um choque de custos, semelhante ao que vimos após a Covid-19 e a guerra na Ucrânia. Essas tarifas aumentariam os custos de insumos importados e poderiam desencorajar exportadores estrangeiros de vender aos EUA, reduzindo a oferta disponível. Isso poderia desencadear outro ciclo do que chamo de "inflação dos vendedores".

Para a economista, "a eleição de Trump é um grande golpe para qualquer causa progressista, incluindo as importantes iniciativas lideradas pelo Brasil no G20". Confira a íntegra entrevista a seguir:

Essa é a sua segunda visita ao Brasil...

Sim. No ano passado vim para o lançamento do meu livro "Como a China Escapou da Terapia de Choque: o Debate da Reforma de Mercado". Fiquei impressionada com a recepção calorosa que o Brasil deu ao meu trabalho. Quando me encontrei com o ministro Haddad, tivemos uma excelente conversa sobre as reformas de mercado e a transformação econômica da China. Fiquei muito impressionada, ele leu meu livro com muita atenção.

A senhora acompanha a economia brasileira? O Brasil viveu hiperinflação há décadas e agora o controle de preços se tornou verdadeiramente uma questão fundamental para os brasileiros. Qual a importância de a população se apropriar dessa discussão?

A hiperinflação é um problema muito difícil de resolver, como mostra a história brasileira. No meu livro, conto a história da hiperinflação chinesa da década de 1940. Os nacionalistas trouxeram conselheiros americanos que controlaram com sucesso a inflação com controles de preços durante a Segunda Guerra Mundial, mas os controles de preços falharam na China. A economia chinesa foi desintegrada devido à guerra civil. Os mercados já não conectavam eficazmente a economia urbana e rural.

Neste contexto, os comunistas utilizaram uma estratégia diferente para combater a hiperinflação. Estabeleceram empresas de comércio que garantiram que as moedas dos comunistas pudessem comprar os bens mais essenciais a preços estáveis. Esta certeza de poder comprar as coisas necessárias criou confiança nesta moeda e deu-lhe valor real. O combate à hiperinflação por parte dos comunistas através da participação do mercado estatal em bens essenciais foi crucial para a revolução. É muito mais fácil combater a inflação antes que ela saia do controle.

Mas depender apenas dos aumentos das taxas de juro na luta contra a inflação pode ter um custo elevado. É por isso que é muito importante pensar em medidas criativas que protejam as pessoas contra choques de custos e detenham a inflação antes que esta se espalhe. Essas medidas têm sempre de ser adaptadas ao contexto específico. No exemplo chinês, as políticas de copiar e colar que tiveram um sucesso inimaginável nos EUA para a China foram uma estratégia perdedora.

Hoje, há uma discussão no país sobre o efeito das taxas de juros no controle da inflação, que ainda parece resistente. Você vê outra estratégia?

Países emergentes, como o Brasil, têm menos margem de manobra, pois, se o Fed (Banco Central dos EUA) aumenta as taxas de juros, o Brasil precisa fazer o mesmo. Caso contrário, haveria uma depreciação da taxa de câmbio, fuga de capitais e um choque nos preços de importação. Acredito que foi um erro o Fed ter elevado as taxas de juros de forma tão agressiva em resposta aos choques de oferta no pós-COVID-19 e à guerra na Ucrânia. Os aumentos das taxas nos EUA são uma ferramenta para conter a demanda, mas, em grande parte, essa inflação não foi induzida pela demanda.

As taxas mais altas tornaram as hipotecas mais caras em um momento em que já havia uma crise de acessibilidade habitacional. Os custos de moradia se tornaram um dos principais motores da inflação. Juros elevados também tornam os investimentos de baixo carbono, que exigem altos custos iniciais, mais caros. Além disso, aprofundaram as crises de dívida em várias economias do Sul Global, o que é um dano colateral raramente mencionado no debate nos EUA.

Embora países como o Brasil sejam forçados a aumentar as taxas de juros, isso não alivia o sofrimento das pessoas que enfrentam os altos custos de itens essenciais. Além dos recentes choques globais, choques climáticos locais, como as horrendas enchentes no sul do Brasil, podem piorar a situação, por exemplo, elevando os preços de alimentos básicos.

A estratégia mexicana no enfrentamento da crise do custo de vida traz algumas lições interessantes que poderiam ser aplicadas ao Brasil. Eles definiram uma cesta de bens essenciais, principalmente alimentos, e negociaram um acordo com os produtores e varejistas desses produtos para garantir preços acessíveis. O México fez isso durante o recente episódio inflacionário com grande sucesso.

Por fim, uma das lições da China é que superávits comerciais, reservas de moeda estrangeira e a gestão da conta de capital podem ser importantes para reduzir a sensibilidade às mudanças nas taxas de juros e outras dinâmicas do mercado financeiro nos EUA e na UE.

Seu trabalho sobre inflação e controle de preços tem gerado debates em todo o mundo. Você poderia resumir por que acredita que controles de preços estratégicos podem ser eficazes em certos contextos?

Só para esclarecer, eu nunca defendi controles de preços generalizados ou ilimitados. Em 2021, quando a inflação começou a aumentar, defendi controles de preços estratégicos e direcionados para itens essenciais cuidadosamente selecionados, como medidas emergenciais temporárias. Itens essenciais são aqueles dos quais dependemos para sobrevivência, como alimentos básicos, ou itens amplamente usados como insumos em outras produções, como energia. Medidas de estabilização de preços fazem sentido quando há bloqueios na oferta.

No caso europeu, por exemplo, os preços do gás dispararam após o ataque russo à Ucrânia e as sanções. Claro que os preços precisavam subir para atrair novas fontes de gás e incentivar economias, mas há um limite. Chega um ponto em que novos aumentos não trazem mais oferta e, com itens essenciais como utilidades, as pessoas pagam o que puderem para não passar frio no inverno. Por isso, muitos países na Europa implementaram medidas de estabilização do preço do gás, culminando com a introdução de um teto de preço europeu para o gás. O FMI concluiu que essas medidas reduziram a inflação e aumentaram o crescimento. Claro que controles de preços só compram tempo, sendo fundamental acelerar o desbloqueio da oferta. O tempo é essencial em emergências, mas tudo depende de como esse tempo será usado.

Que lições os formuladores de políticas podem aprender com casos históricos de controles de preços, como os do período pós-guerra ou durante as reformas econômicas da China?

Além do que já mencionei sobre o uso limitado de controles de preços em situações de hiperinflação, onde o desafio é reestabelecer a credibilidade de uma moeda, uma lição importante é que controles de preços funcionam melhor em indústrias altamente concentradas, onde empresas têm poder para definir preços. John Kenneth Galbraith, que liderou os controles de preços nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, cunhou o ditado: "É relativamente fácil fixar preços que já são fixos", referindo-se ao fato de que muitas empresas já fixam seus preços. Nesses casos, a intervenção do governo torna-se uma negociação com os formadores de preços corporativos.

Outro ponto importante é que, embora os controles de preços sejam frequentemente vistos como uma medida revolucionária, eles são, na verdade, parte do arsenal político regular de muitos países. Na União Europeia, por exemplo, 13% de todos os preços são administrados pelos governos, segundo dados oficiais do Eurostat. Exemplos típicos incluem preços de medicamentos e produtos básicos nacionais, como o preço de uma baguete padrão na França ou de um espresso na Itália.

Como você responde aos críticos que argumentam que controles de preços geram ineficiências, escassez e distorções de mercado a longo prazo?

Tenho defendido controles de preços emergenciais em situações em que já existe uma escassez, geralmente por motivos não econômicos, como desastres naturais ou guerras. Por exemplo, durante um surto de gripe aviária, permitir que os preços disparem não vai criar mais galinhas no curto prazo. Nesses casos, aumentos de preços não funcionam como sinal para aumentar a oferta, pois a oferta está bloqueada por razões que não podem ser superadas imediatamente. Claro que os preços precisam subir para que produtores cubram seus custos e obtenham lucros regulares, apesar da queda nos volumes. A ideia é conter aumentos excessivos de preços.

A estabilização de preços torna-se necessária em resposta à escassez de itens essenciais; a escassez não é o resultado da estabilização de preços nessas situações. Os EUA têm uma longa história de desastres naturais e, de fato, a maioria dos estados tem leis contra práticas abusivas de preços para evitar aumentos excessivos em tempos de crise. Também é importante lembrar que, quando as empresas não podem lucrar excessivamente em desastres, elas têm mais incentivos para superar a escassez, não menos.

Controles de preços emergenciais não são a única forma de estabilizar preços. Governos deveriam criar estoques reguladores de itens essenciais, como alimentos básicos, como o Brasil já faz com a Conab, para evitar explosões de preços e colapsos, bem como excesso de oferta. Estoques reguladores são superiores aos controles de preços, pois atacam a causa subjacente da explosão de preços. Mas não se constroem estoques do dia para a noite, e é por isso que, em algumas situações, os controles de preços emergenciais se tornam necessários.

O retorno de Donald Trump à presidência levantou questões sobre os possíveis impactos de suas políticas econômicas. Quais são suas opiniões sobre o programa econômico proposto, particularmente em relação a cortes de impostos, desregulamentação e política comercial? Como essas medidas podem afetar a inflação, a desigualdade de renda e a economia dos EUA como um todo?

É difícil prever o que Trump fará. Pelas suas declarações públicas, sua visão econômica parece uma forma extrema de capitalismo de mercado livre combinado com nacionalismo econômico e intervencionismo oportunista, tudo envolto em retórica populista, lógica de “América em Primeiro Lugar” e hostilidade extrema contra a China.

Ele falou em abolir impostos sobre a renda, um movimento radical de mercado livre. Ao mesmo tempo, mencionou um teto para os juros de cartões de crédito, que é uma forma de controle de preços. Durante sua primeira presidência, ele, de fato, implementou medidas executivas para limitar práticas abusivas de preços.

Controles de preços, por si só, não são uma política progressista; eles são uma ferramenta de estabilização, então tudo depende do que está sendo estabilizado. Trump mostrou que não hesita em usar ferramentas intervencionistas para consolidar seu poder. Ele também anunciou a criação de um Departamento de Eficiência Governamental co-liderado por Elon Musk. Não se sabe quais programas sociais serão eliminados por esse departamento. A rede de proteção social dos EUA já é significativamente mais fraca em comparação com outros países ricos e, se for ainda mais reduzida, terá um impacto negativo na desigualdade.

Ao mesmo tempo, Trump pode lançar medidas rápidas para agradar as massas, como fez com os cheques de estímulo. Será uma economia administrada como uma máfia do setor imobiliário: boa para empresas aliadas, com favores para grupos de apoio estratégicos e focada principalmente na consolidação de poder. Não é claro que isso será ruim para o crescimento do PIB, e até mesmo a inflação gerada por tarifas pode ser controlada temporariamente com medidas heterodoxas agressivas.

Mesmo que os indicadores macroeconômicos apresentem resultados mais positivos do que muitos analistas preveem, isso não deve ofuscar as deportações em massa, a xenofobia, o racismo e o sexismo, o favorecimento aos super-ricos e a erosão de seguranças sociais básicas que provavelmente veremos. Isso terá impactos duradouros no tecido social e econômico dos EUA.

Que impacto a administração Trump pode ter na inflação global? Existe um antídoto para combater os efeitos?

Um risco claro é que as tarifas generalizadas propostas por Trump atuem como um choque de custos, semelhante ao que vimos após a Covid-19 e a guerra na Ucrânia. Essas tarifas aumentariam os custos de insumos importados e poderiam desencorajar exportadores estrangeiros de vender aos EUA, reduzindo a oferta disponível. Isso poderia desencadear outro ciclo do que chamo de "inflação dos vendedores". Esse tipo de inflação ocorre quando as empresas respondem a um choque de oferta aumentando os preços para manter ou até aumentar suas margens, confiantes de que isso não reduzirá sua participação no mercado, pois os concorrentes enfrentam as mesmas restrições.

Não existe um antídoto simples para evitar a inflação dos vendedores. Precisamos de um pacote de políticas, incluindo leis contra práticas abusivas de preços, aplicação mais rigorosa das leis antitruste, estoques reguladores de commodities, regulação mais rígida dos mercados de commodities, impostos sobre lucros extraordinários, entre outros.

A senhora acredita que a atual era de nacionalismo econômico e protecionismo mudará fundamentalmente os sistemas econômicos globais?

O nacionalismo econômico que estamos presenciando é resultado do fracasso das políticas neoliberais, como a globalização, a liberalização comercial nos termos do Norte Global e a desregulamentação financeira. Agora que a hegemonia econômica do Norte Global está sendo desafiada pela China, estamos vendo o ressurgimento do mesmo protecionismo que eles condenaram nas últimas décadas. No entanto, o nacionalismo econômico e o protecionismo não são o caminho a seguir. Mesmo que um país consiga impulsionar suas exportações e criar empregos no curto prazo com políticas protecionistas, enfrentamos o desafio existencial do colapso climático, além de outros problemas, como o aumento da desigualdade, o avanço do fascismo e o agravamento de conflitos geopolíticos. Nessas circunstâncias, nenhum país pode enfrentar esses desafios sozinho.

Precisamos reviver a Nova Ordem Econômica Internacional, um esforço internacional da década de 1970 para criar um sistema econômico global baseado em princípios de "ganha-ganha", em vez de uma competição destrutiva. Uma de suas principais demandas era a criação de um sistema internacional de estoques reguladores para estabilizar os preços de commodities essenciais. Apesar de o esforço ter fracassado naquela época, ele é mais necessário do que nunca.

Durante a presidência do G20, o Brasil trouxe discussões sobre transição energética, mudanças climáticas e tributação dos super-ricos. A senhora acha que este é o caminho? Quais são as chances de essas políticas avançarem sob um governo Trump?

Não há como dourar a pílula: a eleição de Trump é um grande golpe para qualquer causa progressista, incluindo as importantes iniciativas lideradas pelo Brasil no G20. É provável que sua administração seja desastrosa para o clima, para a desigualdade econômica, para os direitos de gênero e para a coesão social. Ao mesmo tempo, devemos lembrar que a hegemonia econômica dos EUA e da Europa está sendo erodida a cada ano. Estamos vivendo em um mundo multipolar, no qual o Brasil pode desempenhar um papel crucial na formação dessa nova ordem por meio de suas presidências nos Brics e na COP.

O Brasil já demonstrou coragem ao propor medidas ousadas, como a taxa de 2% sobre os bilionários no G20. No próximo ano, a presidência do G20 passará para a África do Sul, que pode dar continuidade a questões urgentes, como o desafio do aumento da volatilidade dos preços de commodities essenciais, como alimentos. Uma das questões-chave que a África do Sul deve priorizar é a eliminação da insegurança alimentar, promovendo um sistema internacional de estoques reguladores, regulação dos mercados de commodities e gestão das contas de capital.

Essas iniciativas são o caminho certo, mas enfrentarão resistência de governos como o de Trump, que priorizam interesses corporativos e políticas de curto prazo, frequentemente em detrimento de uma visão global de longo prazo.

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