12 de dezembro de 2024

Reformar Banco Mundial e FMI é urgente para enfrentar desafios globais

Instituições multilaterais de Bretton Woods, que completa 80 anos, devem amplificar vozes de países em desenvolvimento

Marcos Vinicius Chiliatto
Diretor-executivo do Banco Mundial para o Brasil e outros oito países

André Roncaglia
Professor da UnB (Universidade de Brasília) e diretor-executivo do Brasil no FMI (Fundo Monetário Internacional)

[RESUMO] Autores sustentam que a governança de instituições criadas em Bretton Woods, há 80 anos, reflete uma ordem global desatualizada e precisa ser reformada para aprofundar o multilateralismo, enfrentar a sub-representação de países do Sul Global e fortalecer a cooperação internacional, essencial para lidar com conflitos geopolíticos, instabilidades econômicas e mudanças climáticas.


O ano de 2024 marca os 80 anos da Conferência de Bretton Woods, que se destacou pela criação do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional). Para o Brasil e muitos outros países em desenvolvimento, o ambiente de celebração se mistura com o senso de urgência para reformar a governança dessas instituições.

Tensões geopolíticas e fragmentação econômica marcam o mundo atual, com polarização tanto no interior dos países, exemplificada pelo aumento dos movimentos de extrema direita no Sul e no Norte globais, quanto entre as nações, vista particularmente na rivalidade crescente entre EUA e China. Conflitos armados na Europa, no Oriente Médio e na África agravam esse quadro e dificultam o diálogo efetivo entre as nações.

Sessão inaugural da Conferência de Bretton Woods, em 1944 - AFP/FMI

Do ponto de vista social e ambiental, o mundo tem desafios profundos para eliminar a fome, a miséria e a pobreza, bem como para reduzir emissões e se adaptar diante da gravíssima crise climática, com impactos econômicos e sociais substanciais. Renovar as estruturas de governança internacional é essencial para enfrentar os desafios contemporâneos da humanidade.

Ao celebrar os 80 anos de Bretton Woods, é central recordar a diferença histórica entre os períodos pós-Primeira e Segunda Guerra. Durante o entreguerras, o clima predominante era de punição e vingança, como visto nos termos duros impostos às nações derrotadas, particularmente à Alemanha. Em contraste, o pós-Segunda Guerra foi moldado pelo profundo medo de outro conflito global e pelas tensões emergentes da Guerra Fria. Medidas punitivas cederam espaço para um esforço coletivo para reconstruir a Europa, desenvolver prosperidade compartilhada e prevenir guerras futuras por meio da cooperação internacional e da estabilidade econômica.

John Maynard Keynes, a mente mais influente da época, viveu essas duas experiências em primeira mão e defendeu a construção da paz por meio da prosperidade compartilhada em um sistema capitalista regulado. Como membro da delegação britânica no Tratado de Versalhes, em 1919, o então jovem economista ficou terrivelmente frustrado com a direção das discussões. Imediatamente após o tratado, Keynes se opôs às reparações punitivas impostas à Alemanha e previu consequências terríveis, que se materializaram no nazifascismo e na Segunda Guerra.

Em 1944, as nações se reuniram em Bretton Woods, em New Hampshire, nos EUA, com uma lição de não reproduzir a imposição de uma paz cartaginesa. Keynes liderou as discussões mais importantes e, é claro, se envolveu em debates com Harry Dexter White, que representava a consolidação da hegemonia americana emergente e sua visão para a ordem global do pós-guerra.

Produto desse momento histórico, a criação do Bird (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento), hoje conhecido como Banco Mundial, e do FMI representaram uma vitória significativa na busca da estabilidade econômica. O Banco Mundial foi criado para financiar projetos de longo prazo, promovendo o desenvolvimento e a reconstrução, enquanto o FMI forneceria apoio financeiro de curto prazo para evitar crises cambiais, a despeito da sempre controversa definição sobre os custos dos ajustes às nações em necessidade de divisas.

Esse arranjo institucional permitiu que os países adotassem um sistema de fluxos de capitais regulados e taxas de câmbio fixas, com o dólar no centro —ainda que lastreado em ouro. A estabilidade dada pelos controles de capitais e taxas de câmbio fixas foram cruciais para a recuperação econômica e o crescimento do comércio internacional nas décadas seguintes.

Foi a partir da década de 1970, com a mudança para um sistema fiduciário e de dólar flutuante, que o cenário mudou drasticamente. A desregulamentação e a financeirização trouxeram desafios, resultando em volatilidade financeira e desigualdades crescentes, que contrastavam com os ideais de estabilidade que os acordos de 1944 visavam promover sob um capitalismo regulado.

Essa dualidade de vitórias e derrotas na agenda do século 20 destaca as complexidades do desenvolvimento econômico global, mas, ao mesmo tempo, sublinha os impactos duradouros das decisões tomadas durante um período crítico da história.

Sob a liderança do presidente Lula e do ministro Fernando Haddad, a presidência brasileira do G20 pautou a necessidade de reforma na governança internacional para enfrentar urgentemente a sub-representação do Sul Global, tanto nas Nações Unidas quanto nas instituições de Bretton Woods. As diversas vozes e interesses dessas nações devem ser amplificados dentro das instituições multilaterais.

Ao mesmo tempo em que celebramos os 80 anos das instituições, estamos em uma encruzilhada decisiva. Em 2025, tanto o Banco Mundial quanto o FMI terão negociações para a revisão da participação acionária (no Banco Mundial) e das cotas (no FMI). Essas negociações não devem ter como alvo países específicos, mas sinalizar o compromisso entre Sul e Norte globais com a reforma de estruturas de governança desatualizadas.

Ao refletirem uma ordem global superada, as instituições de Bretton Woods ficam expostas a pressões geopolíticas que podem distorcer o equilíbrio na oferta dos bens públicos globais, como a estabilidade monetária internacional e o financiamento de longo prazo. Essa reforma realçaria avanços notáveis já obtidos por estas instituições, atualmente lideradas por Ajay Banga e Kristalina Georgieva.

Em contraste, um eventual fracasso nessas negociações no próximo ano poderia criar incentivos adicionais para a proliferação de arquiteturas rivais —em vez de complementares— e levar a um aprofundamento da fragmentação global. Tal situação acabaria por minar os esforços coletivos para enfrentar desafios globais urgentes, como mudanças climáticas, instabilidade econômica, fome e proteção da biodiversidade.

Os atuais desafios históricos exigem fortalecer o multilateralismo. Por essa razão, estamos convencidos de que, em 2025, devemos buscar reformas inclusivas no Banco Mundial e no FMI para promover uma ordem internacional mais equitativa e estável, que possa responder às necessidades de todas as nações e se consolidar como espaço para o diálogo e a conformação de acordos internacionais.

Ao refletirmos sobre as lições do passado e as complexidades do presente, que a sabedoria e a proeza intelectual de nossos ancestrais nos guiem por essas águas turbulentas. É hora de transformar a vontade em ação.

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