Eloísa Machado de Almeida
Professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP
Folha de S.Paulo
As eleições de 2022 foram atacadas em várias frentes, organizadas contra a confiança nas urnas eletrônicas, o voto e o resultado eleitoral. Juntas, elas revelam a estratégia de uma frente ampla antidemocrática que, caso não seja devidamente desvendada e responsabilizada, pode voltar a colocar em risco futuras eleições.
As investigações têm esclarecido a forma e a operacionalização dos ataques contra a democracia.
Os esforços contra a confiança no sistema eleitoral tiveram um ensaio nas eleições de 2018, quando uma série de notícias falsas em aplicativos de mensagens espalharam mentiras sobre urnas que completavam votos em desfavor de Jair Bolsonaro e fraude em boletins de votação.
As eleições de 2022 foram atacadas em várias frentes, organizadas contra a confiança nas urnas eletrônicas, o voto e o resultado eleitoral. Juntas, elas revelam a estratégia de uma frente ampla antidemocrática que, caso não seja devidamente desvendada e responsabilizada, pode voltar a colocar em risco futuras eleições.
As investigações têm esclarecido a forma e a operacionalização dos ataques contra a democracia.
Os esforços contra a confiança no sistema eleitoral tiveram um ensaio nas eleições de 2018, quando uma série de notícias falsas em aplicativos de mensagens espalharam mentiras sobre urnas que completavam votos em desfavor de Jair Bolsonaro e fraude em boletins de votação.
O então presidente Jair Bolsonaro em pronunciamento dias após a derrota nas eleições - Evaristo Sá - 01.nov.2022/AFP |
Mesmo com trabalho de agências de checagem, a desinformação foi alimentada e chegou a ser abraçada por parte do sistema político, que levou adiante a votação de uma proposta de emenda à Constituição para instituir o voto impresso, cuja justificativa se assentava na falta de confiança nas urnas eletrônicas.
Apesar de não ter atingido o quórum de 3/5 necessário para aprovação de emendas, a maioria dos deputados endossou a proposta.
O próprio ex-presidente Bolsonaro, inclusive, espalhou mentiras sobre as urnas e foi defendido "em sua liberdade de expressão" pela Advocacia-Geral da União.
As Forças Armadas, longe de sua missão constitucional, se colocaram no papel de avalistas das eleições e, após o resultado do segundo turno, emitiram uma nota dúbia que não apontava fraudes nem sua inexistência, alimentando com isso teorias conspiratórias e outras tantas notícias falsas contra as urnas.
A primeira resposta mais contundente aos ataques às urnas veio do Tribunal Superior Eleitoral em 2021, quando condenou o então deputado estadual Fernando Francischini, do Paraná, por abuso dos meios de comunicação ao espalhar mentiras contra as urnas em 2018.
Depois, em 2023, Bolsonaro foi condenado e se tornou inelegível pelo mesmo motivo, ao falar contra a segurança das urnas eletrônicas em reunião com embaixadores.
A outra frente de ataque às eleições 2022 focou no exercício do voto.
Segundo investigações, foi executado pela Polícia Rodoviária Federal, com provável aval do Ministério da Justiça, um "policiamento direcionado" em cidades do Nordeste para dificultar o exercício de voto por eleitores de Lula.
Tudo isso tem sido revelado em investigações conduzidas pela Polícia Federal, não obstaculizadas pela Procuradoria-Geral da República, no âmbito de inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal.
É também no âmbito de inquéritos em curso no Supremo que tem sido desvendada uma outra frente de ataques às eleições 2022, dirigida ao resultado eleitoral. Aqui, a ação coordenada apostava no caos e na desordem para impedir que a soberania da vontade popular expressa nas urnas fosse concretizada.
Vimos ensaio de atentado com bombas em aeroporto e bloqueio de rodovias perpetuado pela tímida reação de governadores e de suas polícias. Bolsonaristas acampados na frente de Quartel-General do Exército pediam golpe e intervenção militar. Este e outros grupos invadiram e depredaram o Congresso, o Supremo e o Planalto.
Ao que consta, diante do caos instaurado, um eventual chamado das Forças Armadas para uma operação de Garantia de Lei e Ordem daria espaço para um golpe.
A reação ao golpe veio da cúpula do sistema político eleito.
Coube ao novo governo debelar a desordem por meio de intervenção federal, contando com o apoio de todos os recém-eleitos governadores, mesmo que alguns a contragosto (deixado de fora, claro, o do Distrito Federal). Presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal repudiaram o caos.
O Supremo se manteve em funcionamento, e as investigações indicaram que os ataques estavam organizados e financiados.
As denúncias enquadram os partícipes em crimes de tentativa de golpe e de abolição violenta do Estado democrático de Direito, entre outros. Os inquéritos revelaram, também, uma omissão deliberada das instituições de segurança do Distrito Federal.
Em comum, estes múltiplos ataques contra as eleições de 2022 expõem uma preocupante participação de diferentes instituições, seja do Ministério da Justiça, da Policia Rodoviária Federal, de partidos políticos, Forças Armadas, polícias locais e advocacia pública, em um projeto antidemocrático.
Instâncias de controle interno e externo falharam. Os fatos também mostram, é verdade, a reação de atores do sistema político, da sociedade civil e do Judiciário em favor da democracia.
Porém, para que esta reação seja capaz de garantir futuras eleições, livres e justas, é preciso que se enfrente, para além da responsabilização individual, pessoal, dos envolvidos, a parcela de responsabilidade que recai sobre instituições que embarcaram, assentiram ou se omitiram diante dos ataques.
É preciso enfrentar as falhas que permitiram que um projeto antidemocrático fosse assim tão longe.
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