Ministério Público não pode e não deve se desincumbir da defesa da ordem jurídica
Lenio Luiz Streck
Lenio Luiz Streck
Juarez Tavares
Roberto Tardelli
A guerra, e essa é a palavra mesmo, deflagrada contra o procurador-geral da República, Augusto Aras, é injusta e desmedida. Desde que Aras resolveu participar de uma webinar do Grupo Prerrogativas (os convidados anteriores foram Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Rodrigo Maia e outras autoridades), parcela da grande mídia acionou todos os seus mecanismos de artilharia contra o PGR. Isso porque a imprensa quer democracia!
Vamos esclarecer os fatos. Pela ótica míope de alguns setores da comunicação social, o procurador-geral só pode participar de debates em grupos voltados à persecução penal, ou seja, se não forem agremiações que tem por fim último a condenação de investigados há um veto à participação do PGR.
Aliás, um famoso jornalista, porém claramente neófito em matéria jurídica, escreveu que “o Ministério Público é pago para agir contra delinquentes”. Não, meu caro jornalista, o Ministério Público, antes de qualquer coisa, é pago para fiscalizar a lei, ou melhor, nos termos da Carta Política, incumbe-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127, Constituição Federal). Aliás, Aras falou disso na webinar! Disse que o MP deve se portar de acordo com a Constituição e ter uma postura isenta.
Assim, defender a ordem jurídica e o regime democrático não é se tornar um acusador sistemático como quer um setor da imprensa. Quando o procurador-geral fala em corrigir os rumos da Lava Jato, ele cumpre exatamente o que preconiza a Constituição Federal, isto é, que as investigações e o processos obedeçam aos critérios legais. Só isso.
As distorções feitas ao discurso de Aras se devem muito mais a questões ideológicas e/ou corporativas, de pessoas que acreditam que os fins justificam os meios, sendo que, porém, esses mesmos defensores dessas ideias quando se veem confrontados por investigações contra si querem todos os direitos e garantias previstos na legislação. Por exemplo, um dos críticos da webinar e que defende que os fins justificam os meios, Deltan Dallagnol, faz uso de todos os recursos possíveis e imagináveis para —pasmem— não ser julgado por sua corregedoria ou por seu conselho superior. Não vemos problemas em alguém usar dos meios processuais. Só não pode fazer discurso farisaico.
O que chama a atenção nessa quadra da história é o desrespeito aos fatos e o amor por narrativas (que substituem os fatos). Vejamos. De um lado, segmentos e atores sociais que foram contra o regime autoritário que perdurou no Brasil por vários anos, agora, em nome do combate à corrupção, aceitam que as garantias e direitos fundamentais sejam ceifados em nome dessa luta contra os “poderosos corruptos”. Querem que as práticas sigam as do passado, que as investigações e provas sejam validadas, ainda que duvidosos os seus métodos (interceptações telefônicas fora do prazo, prisões preventivas desnecessárias, conduções coercitivas etc.). Tudo vale, como se estivéssemos em guerra. E nem na guerra vale tudo.
Assim, defender a ordem jurídica e o regime democrático não é se tornar um acusador sistemático como quer um setor da imprensa. Quando o procurador-geral fala em corrigir os rumos da Lava Jato, ele cumpre exatamente o que preconiza a Constituição Federal, isto é, que as investigações e o processos obedeçam aos critérios legais. Só isso.
As distorções feitas ao discurso de Aras se devem muito mais a questões ideológicas e/ou corporativas, de pessoas que acreditam que os fins justificam os meios, sendo que, porém, esses mesmos defensores dessas ideias quando se veem confrontados por investigações contra si querem todos os direitos e garantias previstos na legislação. Por exemplo, um dos críticos da webinar e que defende que os fins justificam os meios, Deltan Dallagnol, faz uso de todos os recursos possíveis e imagináveis para —pasmem— não ser julgado por sua corregedoria ou por seu conselho superior. Não vemos problemas em alguém usar dos meios processuais. Só não pode fazer discurso farisaico.
O que chama a atenção nessa quadra da história é o desrespeito aos fatos e o amor por narrativas (que substituem os fatos). Vejamos. De um lado, segmentos e atores sociais que foram contra o regime autoritário que perdurou no Brasil por vários anos, agora, em nome do combate à corrupção, aceitam que as garantias e direitos fundamentais sejam ceifados em nome dessa luta contra os “poderosos corruptos”. Querem que as práticas sigam as do passado, que as investigações e provas sejam validadas, ainda que duvidosos os seus métodos (interceptações telefônicas fora do prazo, prisões preventivas desnecessárias, conduções coercitivas etc.). Tudo vale, como se estivéssemos em guerra. E nem na guerra vale tudo.
O procurador-geral da República, ao participar do debate num grupo de advogados, magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos e uma imensa maioria de professores de grandes universidades com currículos invejáveis, não propõe, como levianamente se quer vender, o fim da Lava Jato ou o fim do combate a corrupção.
A proposta –foi o que ouvimos e vimos na propalada webinar— é muito melhor do que isso: é combater a corrupção dentro das regras de um Estado democrático de Direito. Onde não se disfarçam nomes de investigados, onde há transparência nas investigações, onde efetivamente o Ministério Público zelará pelos direitos e garantias fundamentais do investigado, pois mesmo sendo parte acusadora, como disse o famoso jornalista, o MP não pode e não deve se desincumbir da defesa da ordem jurídica.
Assim, o que chocou a todos, e não deveria ter chocado, foi o fato de um PGR ter a coragem de dizer que as investigações e os processos devem seguir as regras do jogo, sem contrariar a ordem jurídica, fato este que deveria ser digno de aplausos, e não de críticas. Mas há uma subversão na ordem das coisas. Em nome da Lava Jato, alguns setores seguem acreditando que qualquer meio, dentro dos limites da lei ou não, justificam o combate à corrupção.
Como dissemos, quem fala contra garantias gosta delas quando delas precisa. É como quem é contra vacinas e corre para tomá-las em uma pandemia. Quando as águas chegam aos seus narizes, vale a Constituição Federal; quando é para os outros, valem os anseios populistas de corrigir o Brasil a qualquer custo.
O que Aras quis dizer, e parece que aqui há um equívoco generalizado tão somente porque partiu dele, é que as investigações e processos sejam feitos dentro das regras do jogo, dentro de um sistema onde se respeite a lei, ou seja, sem abusos e sem investigações marcadas por opacidade. Isso é um processo de partes!
Não se tirará o mérito nem a função ministerial de seguir investigando, que é verdade, foi e será sendo tão fundamental para que se descortinem as mazelas existentes dentro do sistema engendrado para fraudar contratos, obter vantagens ilícitas e assim por diante.
A proposta –foi o que ouvimos e vimos na propalada webinar— é muito melhor do que isso: é combater a corrupção dentro das regras de um Estado democrático de Direito. Onde não se disfarçam nomes de investigados, onde há transparência nas investigações, onde efetivamente o Ministério Público zelará pelos direitos e garantias fundamentais do investigado, pois mesmo sendo parte acusadora, como disse o famoso jornalista, o MP não pode e não deve se desincumbir da defesa da ordem jurídica.
Assim, o que chocou a todos, e não deveria ter chocado, foi o fato de um PGR ter a coragem de dizer que as investigações e os processos devem seguir as regras do jogo, sem contrariar a ordem jurídica, fato este que deveria ser digno de aplausos, e não de críticas. Mas há uma subversão na ordem das coisas. Em nome da Lava Jato, alguns setores seguem acreditando que qualquer meio, dentro dos limites da lei ou não, justificam o combate à corrupção.
Como dissemos, quem fala contra garantias gosta delas quando delas precisa. É como quem é contra vacinas e corre para tomá-las em uma pandemia. Quando as águas chegam aos seus narizes, vale a Constituição Federal; quando é para os outros, valem os anseios populistas de corrigir o Brasil a qualquer custo.
O que Aras quis dizer, e parece que aqui há um equívoco generalizado tão somente porque partiu dele, é que as investigações e processos sejam feitos dentro das regras do jogo, dentro de um sistema onde se respeite a lei, ou seja, sem abusos e sem investigações marcadas por opacidade. Isso é um processo de partes!
Não se tirará o mérito nem a função ministerial de seguir investigando, que é verdade, foi e será sendo tão fundamental para que se descortinem as mazelas existentes dentro do sistema engendrado para fraudar contratos, obter vantagens ilícitas e assim por diante.
Tudo isso pode e deve ser feito pelo Ministério Público, que é instituição essencial à administração da Justiça. Mas isso não significa que há carta-branca para tudo. Apenas para lembrar, e nem precisaríamos escrever, há muitos esquecidos nesses tempos obscuros, que temos uma Constituição e um Código de Processo Penal; isto é, temos regras escritas de como proceder corretamente para investigar. Fora disso, não há qualquer respeito à ordem jurídica.
Para finalizar. Dois fatos que chamaram a atenção e despertaram todo esse debate que se leu na última semana: 1) o fato de o PGR participar de um grupo acadêmico composto por professores, magistrados, defensores, jornalistas, promotores e advogados criminalistas; 2) o fato de o PGR defender que as investigações sigam dentro da ordem jurídica.
Quanto ao primeiro fato, a democracia realmente engatinha no Brasil, pois, como dissemos no princípio deste artigo, para um setor da imprensa o procurador-geral só pode debater ideias dentro de grupos ou agremiações destinados a condenar culpados ou inocentes (já não importa mesmo, os fins justificam os meios).
Quanto ao segundo fato, que deveria ser aplaudido pela imprensa —que muitas vezes clama por democracia e relembra a perseguição nos anos da ditadura—, há pouco o que dizer e muito o que lamentar.
Todos queremos o combate e o fim da corrupção, mas o que Augusto Aras disse é que isso deve ser feito com respeito à ordem jurídica.
Alguém quer o contrário?
Para finalizar. Dois fatos que chamaram a atenção e despertaram todo esse debate que se leu na última semana: 1) o fato de o PGR participar de um grupo acadêmico composto por professores, magistrados, defensores, jornalistas, promotores e advogados criminalistas; 2) o fato de o PGR defender que as investigações sigam dentro da ordem jurídica.
Quanto ao primeiro fato, a democracia realmente engatinha no Brasil, pois, como dissemos no princípio deste artigo, para um setor da imprensa o procurador-geral só pode debater ideias dentro de grupos ou agremiações destinados a condenar culpados ou inocentes (já não importa mesmo, os fins justificam os meios).
Quanto ao segundo fato, que deveria ser aplaudido pela imprensa —que muitas vezes clama por democracia e relembra a perseguição nos anos da ditadura—, há pouco o que dizer e muito o que lamentar.
Todos queremos o combate e o fim da corrupção, mas o que Augusto Aras disse é que isso deve ser feito com respeito à ordem jurídica.
Alguém quer o contrário?
Sobre os autores
Lenio Luiz Streck
Professor, advogado e ex-procurador de Justiça
Juarez Tavares
Professor, advogado e ex-procurador da República
Roberto Tardelli
Professor, advogado e ex-procurador de Justiça
Geraldo Prado
Professor, advogado e ex-desembargador
Os autores do artigo são Integrantes do Grupo Prerrogativas
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