Uma entrevista com
Massimo Faggioli
Jacobin
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O recém-eleito Papa Leão XIV saúda a multidão da varanda da Basílica de São Pedro, na Cidade do Vaticano, em 8 de maio de 2025. (Andrea Straccioli / Insidefoto / Mondadori Portfolio via Getty Images) |
Entrevista por
Pablo Castaño
Na quinta-feira, o conclave papal anunciou a eleição de Robert Francis Prevost como Papa Leão XIV, o primeiro pontífice supremo nascido nos Estados Unidos na história da Igreja Católica.
A Jacobin entrevistou Massimo Faggioli logo após a eleição para discutir as continuidades e rupturas que seu papado trará após o pontificado de Jorge Bergoglio, o Papa Francisco — um reformador da Igreja que, entre outras coisas, rompeu com a hostilidade aberta da autoridade romana em relação ao pensamento de esquerda.
Faggioli é historiador da Igreja na Universidade de Villanova e um dos mais renomados especialistas na Igreja Católica e sua relação com a política americana. Seu livro mais recente é Da Dio a Trump (De Deus a Trump: crise católica e política americana).
Pablo Castaño
Prevost criticou publicamente J. D. Vance por uma interpretação anti-imigrante da mensagem católica. Leão XIV será tão crítico e vocal contra a extrema-direita e políticas xenofóbicas quanto Francisco?
Massimo Faggioli
O papa argentino defendeu uma igreja mais democrática, onde os fiéis teriam papel mais relevante, sob o conceito de "sinodalidade". Onde Leão XIV se posiciona sobre isso?
Massimo Faggioli
Pablo Castaño é jornalista freelancer e cientista político. Possui doutorado em Política pela Universidade Autônoma de Barcelona e já escreveu para Ctxt, Público, Regards e The Independent.
Na quinta-feira, o conclave papal anunciou a eleição de Robert Francis Prevost como Papa Leão XIV, o primeiro pontífice supremo nascido nos Estados Unidos na história da Igreja Católica.
A Jacobin entrevistou Massimo Faggioli logo após a eleição para discutir as continuidades e rupturas que seu papado trará após o pontificado de Jorge Bergoglio, o Papa Francisco — um reformador da Igreja que, entre outras coisas, rompeu com a hostilidade aberta da autoridade romana em relação ao pensamento de esquerda.
Faggioli é historiador da Igreja na Universidade de Villanova e um dos mais renomados especialistas na Igreja Católica e sua relação com a política americana. Seu livro mais recente é Da Dio a Trump (De Deus a Trump: crise católica e política americana).
Pablo Castaño
Como você definiria o novo papa, em poucas palavras?
Massimo Faggioli
Massimo Faggioli
Ele é um papa pan-americano, um papa das Américas — no plural. É um católico global, nascido nos EUA, que foi missionário na América Latina — ele também tem cidadania peruana. Trabalhou no Vaticano ajudando o Papa Francisco na escolha de novos bispos, o que é um papel crucial.
O mais importante de tudo é que ele é o primeiro papa dos Estados Unidos — um tabu foi quebrado. Pouquíssimas pessoas imaginavam isso. Era complicado imaginar um papa vindo da superpotência mundial. Mas, de maneira paradoxal, Francisco mudou tantas coisas que isso ajudou a romper esse tabu.
Pablo Castaño
O mais importante de tudo é que ele é o primeiro papa dos Estados Unidos — um tabu foi quebrado. Pouquíssimas pessoas imaginavam isso. Era complicado imaginar um papa vindo da superpotência mundial. Mas, de maneira paradoxal, Francisco mudou tantas coisas que isso ajudou a romper esse tabu.
Pablo Castaño
Leão XIV está sendo definido como herdeiro de Francisco. Esse retrato é preciso?
Massimo Faggioli
Massimo Faggioli
Ele foi eleito pela maioria dos cardeais nomeados por Francisco. Sua eleição não é uma reação conservadora contra o Papa Francisco, mas também não é um “Francisco II”. Algumas coisas serão diferentes — sem dúvida.
Isso será um desafio para os católicos trumpistas de direita nos EUA, mas também, de forma diferente, para os católicos liberais que achavam que o Papa Francisco concordava com eles em tudo.
Prevost é agostiniano. Os agostinianos são um pouco mais céticos em relação à modernidade, ao mundo secular e à política, em comparação com os jesuítas como Francisco. Será interessante ver como ele abordará diferentes temas. Embora claramente, seu agostinianismo seja muito diferente do de J. D. Vance e de muitos bispos americanos.
Pablo Castaño
Isso será um desafio para os católicos trumpistas de direita nos EUA, mas também, de forma diferente, para os católicos liberais que achavam que o Papa Francisco concordava com eles em tudo.
Prevost é agostiniano. Os agostinianos são um pouco mais céticos em relação à modernidade, ao mundo secular e à política, em comparação com os jesuítas como Francisco. Será interessante ver como ele abordará diferentes temas. Embora claramente, seu agostinianismo seja muito diferente do de J. D. Vance e de muitos bispos americanos.
Pablo Castaño
Francisco aproximou a posição geopolítica do Vaticano do Sul Global e da China, especialmente através de um acordo controverso com o governo chinês para nomear bispos. Leão XIV seguirá essa ideia de uma igreja global, menos centrada no Ocidente?
Massimo Faggioli
Massimo Faggioli
A ideia universal do catolicismo continuará, com certeza. Prevost encarna uma ideia de catolicismo antinacionalista — toda sua vida reflete isso. Esse é um ponto em que o catolicismo tem sido consistente nos últimos dois séculos: existe uma igreja global alérgica a projetos nacionalistas, por razões teológicas e políticas. Acredito que isso continuará.
Francisco tinha uma inclinação natural pela Ásia. Quando jovem jesuíta, queria ser missionário no Japão. As viagens mais interessantes de Francisco foram para a Ásia e o Oriente Médio. Veremos qual mapa-múndi Prevost usará.
Pablo Castaño
Francisco tinha uma inclinação natural pela Ásia. Quando jovem jesuíta, queria ser missionário no Japão. As viagens mais interessantes de Francisco foram para a Ásia e o Oriente Médio. Veremos qual mapa-múndi Prevost usará.
Pablo Castaño
E quanto aos conflitos em que os EUA têm papel central, como Gaza ou Ucrânia? Leão XIV manterá a crítica e a posição independente de Francisco?
Massimo Faggioli
Massimo Faggioli
Veremos. Leão XIV precisará de forte apoio da Cúria. O secretário de Estado de Francisco [equivalente a um primeiro-ministro], Pietro Parolin, provavelmente continuará como o principal diplomata do Vaticano. Não sabemos o que significa ter um papa americano lidando com Rússia, Israel, o mundo árabe ou China. Era impensável, e agora é realidade. É um novo cenário.
Pablo Castaño
Pablo Castaño
Prevost criticou publicamente J. D. Vance por uma interpretação anti-imigrante da mensagem católica. Leão XIV será tão crítico e vocal contra a extrema-direita e políticas xenofóbicas quanto Francisco?
Massimo Faggioli
Em termos de mensagem, sim. Em termos de estilo, espero algo diferente, menos pessoal, menos baseado no instinto, mais mediado pelos canais institucionais. A linguagem e os símbolos vão mudar.
Como americano, ele pode falar com políticos e o governo dos EUA de um modo que um jesuíta da Argentina não pode. Ele os conhece; eles não podem acusá-lo de não entender os EUA ou de ser antiamericano. É mais difícil descartá-lo como um papa que “não gosta da América”. Ele sabe exatamente o que está acontecendo nos EUA — suas redes sociais mostram claramente isso.
Pablo Castaño
Como americano, ele pode falar com políticos e o governo dos EUA de um modo que um jesuíta da Argentina não pode. Ele os conhece; eles não podem acusá-lo de não entender os EUA ou de ser antiamericano. É mais difícil descartá-lo como um papa que “não gosta da América”. Ele sabe exatamente o que está acontecendo nos EUA — suas redes sociais mostram claramente isso.
Pablo Castaño
Prevost demonstrou uma posição hostil em relação a pessoas LGBTQ em uma declaração de 2012. Quais são suas opiniões atuais sobre diversidade sexual?
Massimo Faggioli
Massimo Faggioli
Acho que há uma diferença entre como falam os prelados e como fala um papa. Como ele foi eleito após o pontificado de Francisco, espero algumas respostas novas. No entanto, os liberais americanos precisarão entender que suas posições sobre questões de gênero e moral sexual não são exatamente as do papado. Não sabemos se Leão XIV será mais conservador, mas claramente não será um “Francisco II” nessas questões.
Pablo Castaño
Pablo Castaño
Francisco nomeou mulheres para ministérios do Vaticano pela primeira vez. Prevost continuará ampliando o papel das mulheres na Igreja?
Massimo Faggioli
Massimo Faggioli
Nomear mulheres para cargos administrativos, como Francisco fez, é o mais fácil. O difícil é abrir o diaconato às mulheres [diáconos são uma categoria inferior aos padres, mas podem batizar, liderar orações, testemunhar casamentos e conduzir funerais]. Francisco era contra isso. Veremos se Prevost continuará nomeando mulheres para outros cargos e se tomará um rumo mais progressista. Essa é uma área em que pode haver diferenças entre os papas — podemos nos surpreender, para um lado ou para o outro.
Pablo Castaño
Pablo Castaño
Francisco aprovou normas mais rígidas para prevenir o abuso sexual dentro da Igreja. Leão XIV continuará nesse caminho?
Massimo Faggioli
Massimo Faggioli
O Papa Francisco fez algo importante, mas isso é um projeto interminável, que precisa continuar. Vir dos Estados Unidos dá a Leão uma perspectiva que Francisco não tinha. Os EUA têm uma história particular de abusos e encobrimentos; a Igreja americana foi profundamente transformada por esses escândalos. As expectativas serão maiores para ele: o primeiro papa americano tem que mostrar que entende o problema e pode fazer mais do que Francisco fez.
Pablo Castaño
Pablo Castaño
O papa argentino defendeu uma igreja mais democrática, onde os fiéis teriam papel mais relevante, sob o conceito de "sinodalidade". Onde Leão XIV se posiciona sobre isso?
Massimo Faggioli
Ele foi membro do Sínodo [uma assembleia convocada para discutir o futuro da Igreja], onde causou boa impressão. Mencionou a sinodalidade em seu primeiro discurso como papa. Tudo depende de como se interpreta isso: o papel do povo, das mulheres, do papa, e assim por diante. O Papa Francisco abriu uma porta, mas tudo depende do que acontece depois que essa porta é aberta.
Colaboradores
Massimo Faggioli é historiador da Igreja e professor de teologia e estudos religiosos na Universidade de Villanova.
Colaboradores
Massimo Faggioli é historiador da Igreja e professor de teologia e estudos religiosos na Universidade de Villanova.
Pablo Castaño é jornalista freelancer e cientista político. Possui doutorado em Política pela Universidade Autônoma de Barcelona e já escreveu para Ctxt, Público, Regards e The Independent.
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