Catia Seabra
Folha de S.Paulo
O ex-presidente Lula (PT) - Diego Vara/Reuters |
A coordenação da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou nesta segunda-feira (6) aos partidos aliados as diretrizes para a elaboração do plano de governo da chapa Lula-Alckmin.
Com 90 parágrafos, o documento define os governos petistas como inovadores no combate à corrupção, reforça o papel do Estado na economia, enaltece o Bolsa Família e propõe a revogação do teto de gastos e da reforma trabalhista implementada pelo ex-presidente Michel Temer, além da revisão do regime fiscal.
O texto defende ainda o fortalecimento dos sindicatos sem a volta do imposto sindical, a construção de um novo sistema de negociação coletiva e uma "especial atenção aos trabalhadores informais e de aplicativos".
"O trabalho estará no centro de nosso projeto de desenvolvimento. Defendemos a revogação da reforma trabalhista feita no governo Temer e a construção de uma nova legislação trabalhista, a partir da negociação tripartite", afirma o documento prévio do programa de Lula.
Seguindo orientação de Lula, essa minuta de programa contorna temas controversos, em uma tentativa de ampliação de arco de apoio para a disputa eleitoral. Busca também contemplar os partidos que integram a aliança em apoio à chapa Lula-Alckmin.
Ao falar em reforma tributária e taxação de renda, não cita, explicitamente, a tributação de distribuição de dividendos. Embora proponha a revogação da reforma trabalhista, afirma que essa será fruto de uma negociação com empresários. Outro aceno é assumir o compromisso de crescimento com estabilidade.
Elaborado sob a coordenação do ex-ministro Aloizio Mercadante, o documento defende o papel do Estado como indutor do fortalecimento econômico, prega o uso dos bancos públicos como instrumento de desenvolvimento e manifesta oposição à privatização da Eletrobras e dos Correios.
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"A Petrobras será colocada de novo a serviço do povo brasileiro e não dos grandes acionistas estrangeiros, ampliando nossa capacidade de produzir os derivados de petróleo necessários para o povo brasileiro, expandindo a oferta de gás natural e a integração com a petroquímica, fertilizantes e biocombustíveis", diz o texto, acrescentando que "o pré-sal será novamente um passaporte para o futuro".
No último parágrafo, o documento sinaliza com a proposta de regulação da mídia. Sem aprofundar, o texto afirma que "a liberdade de expressão não pode ser um privilégio de alguns setores, mas um direito de todos, dentro dos marcos legais previstos na Constituição, que até hoje não foram regulamentados".
"Paralelamente, é dever do Estado universalizar o acesso à internet e atuar junto às plataformas digitais no sentido de efetivar a neutralidade, garantir proteção de dados e coibir a propagação de mentiras e mensagens antidemocráticas ou de ódio", conclui.
Não é a primeira vez que o tema entra na agenda petista. Em fevereiro, o próprio Lula defendeu a regulamentação da mídia digital como forma de combate a fake news. Sob sua gestão, a Secretaria de Comunicação Social do governo chegou a apresentar um projeto de marco regulatório da comunicação eletrônica, sendo engavetado no governo Dilma Rousseff.
Coordenador da equipe de programa de governo, Mercadante afirma haver uma preocupação legítima para que ele não engesse o debate e permita ampliações.
No mês passado, após apresentar aos presidentes de partidos um esboço desse documento, Mercadante ouviu ponderações para que não trouxesse pautas polêmicas ao debate.
A própria presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, recomendou que fosse enxuto. Após adaptações, Mercadante afirma que o texto foi concebido para que "se apresente com algumas ideias-força e propostas de impacto".
"É este o desafio. Mas o programa que vale é o que vai para o discurso do candidato, para as ruas e para os programas de TV."
Esse esqueleto do programa de governo de Lula será aberto, a partir desta semana, a contribuições em uma plataforma digital. A orientação é para que esse plano de governo seja sintético, com cerca de 60 páginas.
Essas diretrizes, que antes serão debatidos com partidos aliados, propõem a urgente ampliação e renovação do Bolsa Família, como garantia de "renda compatível com as atuais necessidades da população". No governo Jair Bolsonaro, o programa passou a se chamar Auxílio Brasil.
Defende ainda "uma reforma tributária solidária, justa e sustentável, que simplifique tributos e distribua renda".
"Essa reforma será construída na perspectiva do desenvolvimento, "simplificando" e reduzindo a tributação do consumo, corrigindo a injustiça tributária ao elevar a taxação de renda sobre os muito ricos, preservando o financiamento do Estado de bem-estar social".
Ao falar sobre o papel das Forças Armadas, o documento afirma ser preciso "superar o autoritarismo e as ameaças antidemocráticas".
"Cumprindo estritamente o que está definido pela Constituição, as Forças Armadas atuarão na defesa do território nacional, do espaço aéreo e do mar territorial. A partir de diretrizes dos Poderes da República, colaborarão na cooperação com organismos multilaterais e na modernização do complexo industrial e tecnológico e defesa", diz o documento, propondo diálogo.
No momento em que o presidente Bolsonaro lança dúvidas sobre o processo eleitoral, o texto ressalta como inarredável o compromisso de respeito ao resultado das urnas.
Em outra vacina contra ataques de bolsonaristas, o documento diz que "os governos do PT e partidos aliados instituíram, de forma inédita no Brasil, uma política de Estado de prevenção e combate à corrupção e de promoção da transparência e da integridade pública".
Cita como exemplo a criação da Controladoria-Geral da União e fortalecimento da Polícia Federal, o Coaf e a Receita Federal.
Sem menção direta à Operação Lava Jato, que levou à prisão do ex-presidente, o programa do petista promete "assegurar que os instrumentos de combate à corrupção sejam restabelecidos, respeitando o devido processo legal, de modo a impedir a violação dos direitos e garantias fundamentais e a manipulação política".
"Faremos com que o combate à corrupção se destine àquilo que deve ser: instrumento de controle das políticas públicas para que os serviços e recursos públicos cheguem aonde precisam chegar."
Também sem detalhamento, as reformas política e do Estado estão entre as propostas. "Vamos recolocar os pobres e os trabalhadores no orçamento. Para isso, é preciso revogar o teto de gastos e rever o atual regime fiscal brasileiro, que é disfuncional e perdeu totalmente sua credibilidade", pontua.
O documento defende ainda "a continuidade das políticas de cotas sociais e raciais na educação superior e nos concursos públicos federais, bem como sua ampliação para outras políticas públicas".
Na área de segurança, diz que o "país precisa de uma nova política sobre drogas que combata o poderoso núcleo financeiro das organizações criminosas, os poderes locais armados, o tráfico e as milícias e que dê a devida atenção de saúde pública ao tema, com medidas educativas, de prevenção e apoio às famílias".
"Teremos uma segurança pública cidadã para a proteção da vida. A legítima e crescente demanda dos brasileiros e das brasileiras por maior segurança pública será respondida com um conjunto consistente de políticas integradas para a redução da violência e da criminalidade, enfrentamento eficaz ao tráfico de drogas e armas, ao crime organizado e às milícias".
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