Victoria Azevedo
Catia Seabra
Joelmir Tavares
Folha de S.Paulo
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) evitou temas controversos em seu discurso no evento de lançamento de sua pré-candidatura, neste sábado (7). Assuntos que causaram ruídos na pré-campanha, como a crítica às reformas trabalhista e administrativa, por exemplo, não foram abordados.
Em sua sexta candidatura ao Palácio do Planalto, o petista adotou a retórica da conciliação em nome do enfrentamento ao presidente Jair Bolsonaro (PL), simbolizada em sua aliança com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que deixou o PSDB e se filiou ao PSB para se somar à campanha.
A fala do ex-presidente girou em torno da defesa da retomada econômica, da geração de empregos e do combate à fome, em contraposição a retrocessos atribuídos pelo PT ao governo Bolsonaro. O pré-candidato disse que sua candidatura é fruto de um movimento e busca atrair novos apoios.
No fim da solenidade, ex-governador do Maranhão Flávio Dino (PSB) afirmou que a opinião de Lula sobre a pauta das reformas não é desconhecida, mas que o ato deste sábado tinha o objetivo de ser mais amplo.
Na avaliação dele, o ex-presidente precisava falar em nome de uma frente com sete partidos —PT, PSB, PC do B, Solidariedade, PSOL, PV e Rede Sustentabilidade. A coalizão está sendo chamada de Movimento Vamos Juntos pelo Brasil, em uma tentativa de diluir a hegemonia de Lula.
Para Dino, o evento expôs amplitude política, "não só com as presenças, mas com as propostas e ideias". "Mostrou que Alckmin e Lula estão com o diagnóstico correto e fazendo o contraste com o Brasil de hoje, da tragédia social, e o legado que Lula representa, ao mesmo tempo em que aponta ao futuro", disse.
Além de líderes e integrantes dos partidos que já declararam apoio à candidatura, estiveram no ato aliados como os senadores Otto Alencar (PSD-BA) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), cujos partidos não endossam a chapa do petista.
Dino reforçou também que o discurso de ambos deu o tom do que deverá ser a campanha, com busca de leveza e unidade. "É emblemático [Alckmin] falar do chuchu. Não é só uma brincadeira, tem relevância política. Mostra que vamos fazer uma campanha leve, de paz, para contrastar com a violência."
Em sua participação, por meio de vídeo, já que contraiu Covid-19 e não pôde estar no palco, Alckmin disse que "lula é um prato que cai bem com chuchu", fazendo piada com seu apelido de "picolé de chuchu".
Lula, que no passado já usou a alcunha para qualificar o então rival como insosso, endossou a piada do agora companheiro de chapa. Afirmou que a combinação é extraordinária, será "o prato predileto de todo o ano de 2022 e se tornará o prato da moda no Palácio do Planalto a partir das eleições".
O ex-governador do Piauí Wellington Dias (PT), que atuará na campanha presidencial, disse que Lula busca falar para vários setores sociais, inclusive aqueles resistentes ao PT. Segundo ele, Alckmin terá a função de ampliar esse alcance. "Haverá uma linha mais fácil pelo elo construído por Alckmin", disse.
Do ponto de vista da pauta econômica, Lula defendeu a manutenção da Eletrobras como estatal, mas não citou a revisão de privatizações no setor energético. Temas da pauta de costumes, caros ao bolsonarismo, foram pincelados, sem serem aprofundados.
Os dois integrantes da chapa leram seus discursos, com pequenas intervenções fora do que estava escrito. Falas improvisadas de Lula nas últimas semanas foram marcadas por declarações desastradas, com recuos em alguns casos. Parte delas irritou aliados e deu combustível aos rivais.
O petista afirmou, por exemplo, que o aborto deveria ser um "direito de todo mundo" e pediu desculpas a policiais após dizer que Bolsonaro "não gosta de gente, ele gosta de policial" —ele falou que se confundiu e que sua intenção era dizer que o rival só gosta de milícia e não de gente.
Sob ambiente controlado, o ex-presidente escapou de temas espinhosos e priorizou mensagens que deverá explorar na campanha. O foco foi mantê-lo em um terreno seguro, apresentando propostas para o combate às desigualdades e pregando a harmonia entre os Poderes e a pacificação da sociedade.
Parte dos presentes admitiu que a estratégia tirou parcialmente o vigor que Lula costuma apresentar diante de multidões. Curiosamente, o desempenho de Alckmin, tido como um orador menos inflamado, foi considerado mais empolgante do que o do ex-presidente em alguns momentos.
O senador Humberto Costa (PT-PE) reconheceu que a fala de Lula "teve menos emoção, mas foi para seguir o script".
Segundo o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o discurso neste sábado precisava ser "planejado e preparado". "Nada em prejuízo à espontaneidade do presidente. O discurso tinha que ser uma mensagem à nação, de união. E, quando se fala à nação, não se pode esquecer nada, sair nada fora do tom", disse.
Para o parlamentar, Alckmin "passou no teste com louvor".
O secretário nacional de comunicação do PT, Jilmar Tatto, também qualificou como positiva a participação do ex-governador, com um tom considerado moderado e palatável a faixas do eleitorado que não estariam naturalmente propensas a votar na chapa.
"O Alckmin tem que ser o Alckmin que foi hoje, não o da Internacional [Socialista]. Falar com outros segmentos, com empresariado. Ele fez um discurso de esperança e chamou para que todas as forças democráticas possam estar junto do Lula", disse Tatto.
Na semana passada, o ex-tucano ouviu o hino da Internacional Socialista (coligação de partidos socialistas e social-democratas de vários países) enquanto estava no palco em um evento do PSB. Depois, indagado, respondeu ter ficado à vontade diante da música associada a siglas de esquerda.
Parte dos aliados da chapa, contudo, reagiu mal à cena, sob o argumento de que o papel do ex-governador na chapa deveria ser mais voltado à abertura de canais de diálogo com o eleitorado ao centro e à atração de apoios nesse campo, tendo em vista que Lula já domina o segmento da esquerda.
Para a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), os dois discursos foram "muito equilibrados". "Falaram do que o povo precisa ouvir e conclamaram a sociedade brasileira à luta, para restaurar a democracia", disse.
Ela ressaltou também os aplausos do público no Expo Center Norte, centro de convenções na zona norte da capital paulista, ao discurso do ex-tucano, o que ressalta a ideia "de unidade e união que o Brasil precisa".
A previsão era que o evento reunisse 4.000 pessoas, mas a assessoria de imprensa do ex-presidente informou que foram credenciadas 7.000.
Como mostrou a Folha, Lula viu seu então candidato a vice ser vaiado em um evento semelhante em 2002, quando apresentou à militância petista o empresário José Alencar (PL). O nome dele sofria resistência interna, o que ainda ocorre em relação a Alckmin, mas de maneira bastante isolada.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) afirmou que, diante das declarações de Bolsonaro que questionam o sistema eleitoral e indicam contestação do resultado das urnas, com insinuações sobre golpe, a população precisa ficar atenta, já que a democracia no Brasil "está em risco".
"É o momento de todos os defensores da democracia e das instituições, independentemente da sigla partidária, se unirem", disse.
Nos bastidores, a campanha do PT também está às voltas com uma crise na área de comunicação, que envolveu avaliações negativas sobre o trabalho e disputas de poder. As brigas levaram a uma troca no comando da área, com a substituição do ex-ministro Franklin Martins pelo deputado federal Rui Falcão (SP) e pelo prefeito de Araraquara, Edinho Silva.
A mudança incluiu também a saída do marqueteiro Augusto Fonseca e a chegada para seu lugar de Sidônio Palmeira, que já participou da organização do ato deste sábado.
Lula está à frente das pesquisas de intenção de voto, mas, segundo o mais recente levantamento do Datafolha, de março, Bolsonaro recuperou fôlego na corrida para o Palácio do Planalto e chegou a 26% de intenções de voto na disputa, que é liderada por Lula, com 43%.
O petista também se mantém na dianteira das simulações de segundo turno, mas o atual presidente encurtou as distâncias. No levantamento anterior do instituto, feito em dezembro de 2021, Lula vencia Bolsonaro por 59% a 30%. A diferença caiu para 55% a 34% em março.
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