1 de janeiro de 2023

Lula exibe antibolsonarismo e apelo social como armas para governar

Ainda que descarte revanche, presidente usa rejeição a Bolsonaro em primeiro plano para preservar apoio

Bruno Boghossian

Folha de S.Paulo

Nas palavras escolhidas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governo que ele pretende fazer nos próximos anos teve quase tanto peso quanto os tempos que ficam para trás. Os primeiros discursos do novo presidente mostram que o antibolsonarismo será uma arma política relevante para o petista durante o mandato.

Ao inaugurar seu terceiro governo, Lula exibiu algumas de suas principais ferramentas para governar. A rejeição a Jair Bolsonaro (PL) terá papel central na preservação de apoio político, enquanto um discurso centrado em apelos sociais será um ponto-chave para implementação de sua plataforma.

Durante a campanha, o antibolsonarismo ajudou Lula a expandir seu eleitorado para além da esquerda e agregar forças políticas distantes do campo de influência do PT, principalmente no segundo turno.


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em discurso de posse no Palácio do Planalto - Evaristo Sa/AFP

O próprio presidente reconheceu a utilidade da ferramenta. Em seu pronunciamento no Congresso, o presidente disse ter compreendido desde o início que deveria ser candidato "por uma frente mais ampla" do que seu campo político e declarou que "essa frente se consolidou para impedir o retorno do autoritarismo ao país".

Esse mesmo sentimento deve ser explorado por Lula para manter uma frente ampla relativamente coesa e dar ao presidente um período de graça para nas primeiras etapas do novo governo.

O objetivo de Lula é convencer o eleitor antibolsonarista de que os desafios daqui por diante são proporcionais aos prejuízos deixados pelo governo passado. O petista falou em barbárie, "terríveis ruínas", "desastre orçamentário" e "projeto de destruição nacional". Também descreveu os últimos tempos como um pesadelo.

A retórica pode ser eficaz para manter o apoio de sua base fiel e, principalmente, conseguir alguma boa vontade no eleitorado que tem baixa afinidade com seu programa, mas estabeleceu como prioridade a remoção de Bolsonaro.

Não à toa, Lula deu destaque aos tempos da pandemia em sua crítica ao último governo, explorando um elemento determinante na derrota de Bolsonaro. Descreveu as consequências das escolhas do ex-presidente como um genocídio e disse que os responsáveis por esse período devem ser punidos.

O sentimento de oposição ao bolsonarismo deve ser usado por Lula em decisões consideradas cruciais pelo novo governo. Será o combustível de medidas como a revogação de decretos que flexibilizaram o uso de armas e na recomposição do orçamento de áreas deixadas de lado pelo ex-presidente, como a cultura.

Nesse sentido, estabelecer um contraponto com o bolsonarismo em suas áreas de maior fragilidade e reprovação podem ajudar a reduzir resistências aos planos de Lula.

A exploração do antibolsonarismo, no entanto, lança o petista numa contradição. Ao mesmo tempo em que alimenta a rejeição ao ex-presidente e promete punições ("quem errou responderá por seus erros"), Lula afirma não carregar "nenhum ânimo de revanche".

No parlatório do Palácio do Planalto, ele se esforçou para enviar uma mensagem de pacificação, prometendo governar para eleitores de outros candidatos. A rejeição a Bolsonaro, porém, é obviamente inútil para desarmar os ânimos dos milhões de brasileiros que apoiaram a reeleição do ex-presidente.

Lula ensaiou um segundo caminho para amaciar a oposição que pode sofrer no governo, pintando um quadro de crise social provocada pela deterioração da economia –sem pontuar, é claro, que esse processo começou ainda no governo Dilma Rousseff.

O apelo à pauta social assume, nessa situação, o papel de um instrumento de composição política. Esse ponto se fez presente com mais intensidade no segundo discurso, quando Lula chorou ao falar da fome no país e disse ser "urgente e necessária a formação de uma frente ampla contra a desigualdade".

Na visão de Lula, essa aliança seria uma maneira de justificar decisões econômicas que devem enfrentar resistência em alguns setores. Algumas delas foram reforçadas pelo petista nos pronunciamentos, como os compromissos de mexer nas regras trabalhistas e derrubar "uma estupidez chamada teto de gastos".

Os petistas consideram as diretrizes sociais um ponto sensível porque foram a base da plataforma de campanha de Lula e o motor de uma adesão em massa de setores de baixa renda à sua candidatura –apesar dos gastos pesados de Bolsonaro para tentar reverter sua desvantagem.

Manter esse apelo social em primeiro plano seria crucial, portanto, para evitar a frustração de um contingente que foi determinante para a eleição do novo presidente.

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