6.ago.2021 às 23h15
Igor Gielow
Folha de S.Paulo
Lula com maquete de modelo de helicóptero que comprou da França para as Forças Armadas, acompanhado por Jobim (gravata vermelha) e os comandantes militares - Alan Marques - 20.dez.2010/ Folhapress |
Ciente do peso renovado dos militares na política, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem buscado estabelecer um diálogo com os fardados visando o pleito de 2022. Até aqui, encontrou resistências.
O principal termômetro de Lula é Nelson Jobim, que seu foi ministro da Defesa de 2007 a 2010, permanecendo ainda no cargo mais oito meses em 2011 sob Dilma Rousseff (PT).
O principal termômetro de Lula é Nelson Jobim, que seu foi ministro da Defesa de 2007 a 2010, permanecendo ainda no cargo mais oito meses em 2011 sob Dilma Rousseff (PT).
Outros aliados de Lula têm sido deslocados para a missão, como o ex-governador e senador Jorge Viana (PT-AC).
A todos, como aconteceu em um almoço entre um influente general da reserva e um terceiro emissário há dois meses em São Paulo, o tópico Lula é tratado com uniformidade: apesar de respeito institucional pelo ex-presidente, hoje à frente com folga na corrida eleitoral para 2022 segundo o Datafolha, não querem saber de conversa com ele agora.
Isso não significa, ressaltam oficiais da reserva e da ativa ouvidos, qualquer tipo de óbice caso o petista seja escolhido nas urnas em 2022. Oficiais da ativa têm tido o mesmo discurso, afirmando que prestarão continência a qualquer pessoa eleita, descartando ameaça a uma eventual posse de Lula.
O temor foi compartilhado por aliados de Lula em conversas recentes com políticos do PSDB e do PDT, embora sempre colocando no centro do problema a figura do presidente Jair Bolsonaro.
Para os mais otimistas, o simples fato de o óbvio respeito constitucional ser evocado já é boa notícia em tempos de uma Presidência dada à retórica golpista.
A resistência a Lula, arrefecida nos anos do petista no poder (2003-10) devido ao grande investimento em reequipamento proporcionado pela pujança do ciclo de commodities, voltou a se elevar nos meios militares no governo Dilma.
Dois fatores concorreram para isso: a tentativa de tirar de comandantes a prerrogativa de escolha nas promoções e a forma com que Dilma conduziu a Comissão Nacional da Verdade.
Os fardados consideram a comissão parcial por só ter apontado os crimes da ditadura de 1964, e não também aqueles da luta armada à esquerda, como havia sido pactuado ainda no governo Lula.
Com isso, o impeachment de Dilma, o clima de implosão da política tradicional devido às descobertas da Operação Lava Jato e a intenção declarada do então comandante do Exército Eduardo Villas Bôas de aumentar a presença institucional dos militares na vida pública, o caldo engrossou.
O enfraquecimento político do governo Temer levou a uma voz mais ativa dos militares, que retomaram o Ministério da Defesa, desde a criação em 1999 com um civil à frente, e com grande influência do general Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional).
Em 2018, o processo escancarou-se com o famoso tuíte de Villas Bôas pressionando o Supremo Tribunal Federal a não evitar a prisão de Lula.
A candidatura de Bolsonaro, um militar indisciplinado visto como parvo pelos generais, fora apadrinhada por um círculo influente de generais da reserva, o hoje ministro Augusto Heleno à frente. Logo, como o próprio Villas Bôas escreveu em livro, o oficialato todo embarcou nela.
E não saiu quando o capitão reformado chegou ao Planalto, levando consigo uma inédita militarização de cargos civis que está no centro de tantas crises de lá para cá, como na gestão do general da ativa Eduardo Pazuello na Saúde.
Desde 2020, o serviço ativo busca afastar-se de Bolsonaro, embora seja indistinguível no mundo político o papel dele e dos militares no governo, além de associação de imagem. Com o discurso golpista ganhando corpo, boa parte da cúpula militar hoje prefere distância regulamentar do Planalto.
Isso não quer dizer que não haja bolsonaristas nela, é claro, e certamente o viés majoritário é de centro-direita. Nesse sentido, em conversas reservadas, o tema é muito mais acerca da dita terceira via em 2022 do que em entusiasmo com uma volta de Lula.
A Folha conversou com um experiente líder político centrista que recentemente falou com uma série de comandantes militares.
Sua impressão foi a mesma, adicionando que ele vê hoje Bolsonaro isolado no meio, apesar dos rugidos de Walter Braga Netto (Defesa) contra a CPI da Covid ou em favor do voto impresso.
Essa pauta, aliás, explicita a navalha sobre a qual caminham os militares. Assim como em outros temas caros ao bolsonarismo, como a defesa de valores conservadores e a desconfiança do mundo político e do Judiciário, há concordância no que pensam em média os fardados.
Mas até aqui não se ouvem atores centrais sugerindo que não possa haver eleição caso o Congresso enterre a ideia, como disse Bolsonaro.
No mais, militares são usualmente refratários aos regimes de esquerda, seja pelo embate na ditadura brasileira, seja pelo contínuo apoio dado por Lula a regimes como o cubano.
Não passou despercebido o fato de o petista ter minimizado os protestos na ilha comunista —a ver como será absorvida a inflexão lulista sobre a Nicarágua.
Lula, por óbvio, sabe da animosidade e gostaria de azeitar as relações ao buscar interlocutores fardados.
Alguns militares estão na linha de frente de consultas. É o caso do ex-titular da Defesa Fernando Azevedo, demitido por Jair Bolsonaro em abril, e do também general de quatro estrelas da reserva Etchegoyen.
Na semana passada, ambos inclusive estiveram em um jantar na casa de Jobim, ao qual compareceu o ex-chefe de Azevedo na Presidência do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, o banqueiro André Esteves (BTG Pactual) e outros.
Jobim é amigo de Etchegoyen há décadas, mas a presença do sempre discreto Azevedo no repasto é reveladora, por seu papel no governo Bolsonaro. Comensais consultados pela Folha, contudo, disseram que o encontro foi meramente social, sem debate político.
Etchegoyen, visto como um dos símbolos do caminho de volta dos militares por seu papel preponderante no governo Temer, é um dos generais mais consultados por políticos para medir a temperatura militar.
Ele é presença constante em lives de "think-tanks" dedicados à segurança, e participa de grupos de conversa com políticos de centro, egressos das gestões Temer e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), como o próprio Jobim e o ex-ministro da Defesa e da Segurança Raul Jungmann.
Já Azevedo é uma adição nova ao circuito. Supera, em conhecimento da máquina, outro general ouvido por políticos e mídia, Carlos Alberto Santos Cruz, defenestrado no meio de 2019 da Secretaria de Governo
Segundo amigos, Azevedo está bastante preocupado com o rumo do embate do presidente com o Judiciário. Ele foi expulso do governo por não concordar com o alinhamento político que Bolsonaro exigiu dos comandantes de Forças.
Os três chefes militares decidiram sair, só para serem demitidos por Braga Netto, substituto de Azevedo. Mas poucos generais têm seu conhecimento do processo decisório do governo, além da interface com o serviço ativo e com o Supremo por seu contato com Toffoli.
Um segundo golpe foi a exigência do presidente de que Pazuello não fosse punido por ir a um evento político em seu favor, o que foi aceito a contragosto pelo Exército.
Isso não significa, ressaltam oficiais da reserva e da ativa ouvidos, qualquer tipo de óbice caso o petista seja escolhido nas urnas em 2022. Oficiais da ativa têm tido o mesmo discurso, afirmando que prestarão continência a qualquer pessoa eleita, descartando ameaça a uma eventual posse de Lula.
O temor foi compartilhado por aliados de Lula em conversas recentes com políticos do PSDB e do PDT, embora sempre colocando no centro do problema a figura do presidente Jair Bolsonaro.
Para os mais otimistas, o simples fato de o óbvio respeito constitucional ser evocado já é boa notícia em tempos de uma Presidência dada à retórica golpista.
A resistência a Lula, arrefecida nos anos do petista no poder (2003-10) devido ao grande investimento em reequipamento proporcionado pela pujança do ciclo de commodities, voltou a se elevar nos meios militares no governo Dilma.
Dois fatores concorreram para isso: a tentativa de tirar de comandantes a prerrogativa de escolha nas promoções e a forma com que Dilma conduziu a Comissão Nacional da Verdade.
Os fardados consideram a comissão parcial por só ter apontado os crimes da ditadura de 1964, e não também aqueles da luta armada à esquerda, como havia sido pactuado ainda no governo Lula.
Com isso, o impeachment de Dilma, o clima de implosão da política tradicional devido às descobertas da Operação Lava Jato e a intenção declarada do então comandante do Exército Eduardo Villas Bôas de aumentar a presença institucional dos militares na vida pública, o caldo engrossou.
O enfraquecimento político do governo Temer levou a uma voz mais ativa dos militares, que retomaram o Ministério da Defesa, desde a criação em 1999 com um civil à frente, e com grande influência do general Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional).
Em 2018, o processo escancarou-se com o famoso tuíte de Villas Bôas pressionando o Supremo Tribunal Federal a não evitar a prisão de Lula.
A candidatura de Bolsonaro, um militar indisciplinado visto como parvo pelos generais, fora apadrinhada por um círculo influente de generais da reserva, o hoje ministro Augusto Heleno à frente. Logo, como o próprio Villas Bôas escreveu em livro, o oficialato todo embarcou nela.
E não saiu quando o capitão reformado chegou ao Planalto, levando consigo uma inédita militarização de cargos civis que está no centro de tantas crises de lá para cá, como na gestão do general da ativa Eduardo Pazuello na Saúde.
Desde 2020, o serviço ativo busca afastar-se de Bolsonaro, embora seja indistinguível no mundo político o papel dele e dos militares no governo, além de associação de imagem. Com o discurso golpista ganhando corpo, boa parte da cúpula militar hoje prefere distância regulamentar do Planalto.
Isso não quer dizer que não haja bolsonaristas nela, é claro, e certamente o viés majoritário é de centro-direita. Nesse sentido, em conversas reservadas, o tema é muito mais acerca da dita terceira via em 2022 do que em entusiasmo com uma volta de Lula.
A Folha conversou com um experiente líder político centrista que recentemente falou com uma série de comandantes militares.
Sua impressão foi a mesma, adicionando que ele vê hoje Bolsonaro isolado no meio, apesar dos rugidos de Walter Braga Netto (Defesa) contra a CPI da Covid ou em favor do voto impresso.
Essa pauta, aliás, explicita a navalha sobre a qual caminham os militares. Assim como em outros temas caros ao bolsonarismo, como a defesa de valores conservadores e a desconfiança do mundo político e do Judiciário, há concordância no que pensam em média os fardados.
Mas até aqui não se ouvem atores centrais sugerindo que não possa haver eleição caso o Congresso enterre a ideia, como disse Bolsonaro.
No mais, militares são usualmente refratários aos regimes de esquerda, seja pelo embate na ditadura brasileira, seja pelo contínuo apoio dado por Lula a regimes como o cubano.
Não passou despercebido o fato de o petista ter minimizado os protestos na ilha comunista —a ver como será absorvida a inflexão lulista sobre a Nicarágua.
Lula, por óbvio, sabe da animosidade e gostaria de azeitar as relações ao buscar interlocutores fardados.
Alguns militares estão na linha de frente de consultas. É o caso do ex-titular da Defesa Fernando Azevedo, demitido por Jair Bolsonaro em abril, e do também general de quatro estrelas da reserva Etchegoyen.
Na semana passada, ambos inclusive estiveram em um jantar na casa de Jobim, ao qual compareceu o ex-chefe de Azevedo na Presidência do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, o banqueiro André Esteves (BTG Pactual) e outros.
Jobim é amigo de Etchegoyen há décadas, mas a presença do sempre discreto Azevedo no repasto é reveladora, por seu papel no governo Bolsonaro. Comensais consultados pela Folha, contudo, disseram que o encontro foi meramente social, sem debate político.
Etchegoyen, visto como um dos símbolos do caminho de volta dos militares por seu papel preponderante no governo Temer, é um dos generais mais consultados por políticos para medir a temperatura militar.
Ele é presença constante em lives de "think-tanks" dedicados à segurança, e participa de grupos de conversa com políticos de centro, egressos das gestões Temer e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), como o próprio Jobim e o ex-ministro da Defesa e da Segurança Raul Jungmann.
Já Azevedo é uma adição nova ao circuito. Supera, em conhecimento da máquina, outro general ouvido por políticos e mídia, Carlos Alberto Santos Cruz, defenestrado no meio de 2019 da Secretaria de Governo
Segundo amigos, Azevedo está bastante preocupado com o rumo do embate do presidente com o Judiciário. Ele foi expulso do governo por não concordar com o alinhamento político que Bolsonaro exigiu dos comandantes de Forças.
Os três chefes militares decidiram sair, só para serem demitidos por Braga Netto, substituto de Azevedo. Mas poucos generais têm seu conhecimento do processo decisório do governo, além da interface com o serviço ativo e com o Supremo por seu contato com Toffoli.
Um segundo golpe foi a exigência do presidente de que Pazuello não fosse punido por ir a um evento político em seu favor, o que foi aceito a contragosto pelo Exército.
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