Matheus Teixeira
Folha de S.Paulo
No avião a caminho do Egito para a primeira viagem internacional como presidente eleito, Lula (PT) bateu o martelo sobre o escolhido para comandar a política econômica do país.
Levou quase um mês, porém, entre gestos silenciosos e articulações de bastidores, para o mandatário anunciar o nome mais esperado da equipe que escolhera para seu terceiro mandato à frente do Executivo.
Foi em 14 de novembro, na aeronave que depois se tornaria a primeira fonte de desgaste de Lula após vencer as eleições, que o petista ofereceu ao ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad a chefia do Ministério da Fazenda.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) e o presidente Lula durante solenidade no Palácio do Planalto - Gabriela Biló - 26.set.23/Folhapress |
Até a indicação para o cargo, em 9 de dezembro, Haddad almoçou com banqueiros, participou de reuniões com economistas e começou a desenhar as medidas que pretendia implementar após ser formalizado no posto.
Antes disso, já dava sinais sobre o papel que queria desempenhar na gestão petista e revelava sua preferência pela pasta.
Ministro da Educação do PT de 2005 a 2012, Haddad recusara a coordenação do grupo de educação na equipe de transição e mantinha interlocução com economistas e integrantes do mercado financeiro.
Tivera o mesmo capricho de não se distanciar dos temas econômicos quando ainda se preparava para concorrer ao Governo de São Paulo.
Em abril de 2022, publicou um artigo na Folha em que defendeu a criação de uma moeda sul-americana para impulsionar o processo de integração regional e fortalecer a soberania monetária dos países da América do Sul.
Lula, já presidente eleito e antes de anunciar os primeiros indicados para ministérios, deixava claro, mesmo sem verbalizar, que a indicação para o Ministério da Fazenda estava definida.
Em dois movimentos públicos, explicitou a escolha.
O primeiro foi a escalação de Haddad para um jantar com banqueiros em 24 de novembro.
Cinco dias depois, incluiu o aliado em uma reunião que promoveu com os coordenadores do governo de transição e o grupo de trabalho de economia, o qual o ex-prefeito não integrava oficialmente.
Apesar de Haddad ter afirmado, ainda em 2018, que recebera o convite já naquela época para assumir a Fazenda caso Lula superasse os entraves judiciais e vencesse as eleições daquele ano, pairava a incerteza se o petista manteria quatro anos depois a escolha que não pudera concretizar.
Eleito em 2022 com um discurso de união de uma frente ampla a fim de derrotar o risco à democracia representado por Jair Bolsonaro (PL), Lula sofria pressão para indicar ao comando da Fazenda um economista de fora do PT e com proximidade ao mercado.
Mesmo antes da vitória, parte dos aliados defendia que o petista anunciasse seu ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles para o posto como forma de sinalizar à direita moderada.
Em um segundo momento, com as eleições definidas, as especulações para o cargo recaíram sobre economistas ligados ao Plano Real que tinham se aproximado do petista, como André Lara Resende e Pérsio Arida. Surgiu ainda a ideia de indicar um nome ligado à indústria, Josué Gomes, filho de José Alencar, ex-vice de Lula.
Nos bastidores, alguns petistas influentes também se movimentavam para assumir a Fazenda, como Aloizio Mercadante, que depois se tornou presidente do BNDES, e Alexandre Padilha, que assumiu mais tarde a articulação política do governo.
Em avaliações internas do PT, embora derrotado por Tarcísio de Freitas (Republicanos) na disputa ao Governo de São Paulo, Haddad estava mais fortalecido. O diagnóstico era que seu desempenho fora essencial para garantir votos a Lula em São Paulo na disputa ao Palácio do Planalto.
As especulações sobre seu favoritismo para o comando da Fazenda provocavam reações negativas na Bolsa. Lula, todavia, fez o convite e garantiu ao ex-prefeito uma janela de tempo para que ele tentasse reduzir as resistências no mundo financeiro. Só então, haveria o anúncio formal.
Haddad e aliados passaram a intensificar o diálogo com integrantes do mercado e difundiam promessas de busca constante pela responsabilidade fiscal e equilíbrio das contas públicas.
Como argumento, lembravam que ele havia sido o primeiro prefeito de São Paulo —cargo que ocupou de 2013 a 2016— a alcançar o grau de investimento, espécie de selo de bom pagador dada por agências de classificação de risco.
Assombrava Haddad, porém, a fama de mau articulador político na gestão de São Paulo, o que poderia lhe render dificuldades para lidar com o Congresso.
Com pouco menos de dois meses de governo, a atuação do ministro em determinadas frentes permitiu a leitura de que ele começava a ganhar a confiança dos investidores, ensaiando uma reversão de expectativas pessimistas sobre sua performance.
Essa mesma atuação, entretanto, custou ao ministro o primeiro embate com a ala mais à esquerda do PT.
Um exemplo foi o debate sobre a reoneração dos combustíveis. Em 2022, diante da explosão no preço da gasolina, do álcool e do diesel, o então presidente Bolsonaro decidira isentar os combustíveis de tributos federais a fim de melhorar a imagem do governo na tentativa de pavimentar sua reeleição.
Com a proximidade do fim dessa isenção (Lula havia prorrogado até fim de fevereiro deste ano), a pressão de líderes petistas para que o Planalto adiasse mais a volta da cobrança tributária cresceu.
A presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), criticou abertamente a possibilidade de reoneração e disse que adotar uma medida nesse sentido seria descumprir uma promessa de campanha.
Haddad defendeu o fim do subsídio com o argumento de que havia impacto na arrecadação federal, desequilibrando ainda mais as contas do Executivo e colocando a gestão petista em risco a longo prazo.
Coube a Lula arbitrar a disputa, dando vitória ao ministro da Fazenda. O episódio rendeu a Haddad elogios por analistas do mercado.
Um novo capítulo de estresse com o PT surgiu na discussão sobre o Orçamento de 2024. O ministro defendeu uma meta ousada de déficit zero para o próximo ano e voltou a ouvir críticas públicas de Gleisi.
A aliados, porém, o ministro costuma elogiar a presidente de seu partido e afirma que prefere a postura dela à de importantes ministros do governo que, segundo ele, não fazem um jogo aberto e conspiram nos bastidores para impedir a implementação de determinadas ideias.
A meta ambiciosa de zerar o déficit primário do governo no próximo ano virou também motivo de arestas da Fazenda com os agentes do mercado. O ministro enfrenta desconfiança principalmente sobre a capacidade de aprovar as medidas que apresentou ao Legislativo para elevar as receitas federais em 2024.
Na relação com o Congresso, ele oscila entre altos e baixos. Conseguiu, por exemplo, articular a aprovação das mudanças no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) —que, na prática, vão elevar a arrecadação federal. No entanto, luta para destravar outras pautas, como a proposta para taxar os super-ricos (tributação de fundos exclusivos e offshores).
De Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, já arrancou elogios no primeiro semestre, quando o parlamentar chegou a sugerir que Haddad assumisse a Casa Civil do Executivo. Em agosto, porém, os dois tiveram um tenso embate que teve como motivo justamente uma divergência ligada à proposta de tributação dos fundos.
Recentemente, o ministro entrou na sua pior fase no cargo ao ver Lula praticamente enterrar seu objetivo de eliminar o déficit nas contas do governo em 2024. O presidente declarou não ser preciso alcançar essa meta diante da necessidade de manter obras e investimentos pelo país, contrariando publicamente o chefe da equipe econômica.
Apesar das dificuldades, aliados dizem que o ministro costuma se mostrar otimista. Os relatos das reuniões mais recentes são de bom humor. Em tom jocoso, o petista costuma repetir a assessores próximos: é movido a uma refeição e três confusões por dia.
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