10 de março de 2023

Secretário-geral do PT diz que aliança de Lula com centrão é "seguro democrático"

Henrique Fontana afirma que governo não deve "ter preconceito" em negociar com ex-aliados de Bolsonaro

Catia Seabra
Thiago Resende

Folha de S.Paulo

O secretário-geral do PT, Henrique Fontana, define a ampliação da aliança do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com partidos do centrão como um "seguro democrático".

"Alargar essa base significa ampliar o nosso seguro democrático", afirmou o ex-deputado em entrevista à Folha.

Questionado sobre como o governo acomodaria partidos que foram aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o petista defende abertura de negociação.

"Se o PP, através dos seus líderes, o presidente Ciro Nogueira e o Arthur Lira [presidente da Câmara], abrir esse diálogo com o governo, não temos que ter preconceito."

Henrique Fontana, durante discurso na época em que era deputado na Câmara - Câmara dos Deputados

Como o ministro Juscelino [Filho, das Comunicações] foi mantido por Lula, acha que é possível cobrar fidelidade da União Brasil? Tenho muita esperança de que esse sinal generoso de composição do governo, que o presidente Lula está conduzindo, ao convidar partidos para além da esquerda, vá gerar progressivamente uma base sólida. Sobre a questão do Juscelino, entendo que o trabalho que está sendo feito é para que a União Brasil se consolide como base. Essas coisas nunca são a ferro e fogo. Tu dá sinais e, por óbvio, busca fidelidade. Esse caso do Juscelino ganhou uma principalidade. Agora, é uma página virada.

Qual deve ser a relação do PT com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), especialmente num momento de negociação da federação do PP com a União Brasil? Vejo uma mudança tanto na condução dele como na nossa. Tem aqui um misto de um necessário pragmatismo na política porque somos eleitos para governar e fazer as mudanças que o povo precisa.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, chegou a se manifestar contra medidas que acabaram adotadas pelo governo, como a reoneração dos combustíveis. O sr concorda com a opinião dela? Tenho muita sintonia. Nós e outros partidos somos a ala da esquerda deste governo e temos aliados de centro.

Quando, por exemplo, se debate qual é a melhor hora de reonerar, qual é o melhor formato da reforma tributária, é natural que haja diferença de opinião. Apoio muito a condução dela [Gleisi]. Do mesmo jeito que se você perguntar o que estou achando da gestão do [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad, estou achando excelente.

Há uma expectativa de que ao menos parte de PP, Republicanos e até o PL entrem na base do governo. O PT vai mudar de postura em relação a esses partidos que compuseram a base de Bolsonaro? Por partes. Imagino que a hipótese de o PL entrar no governo é zero. É o partido do Bolsonaro. Não acredito que a extrema direita vá ficar sem um partido para organizar a sua ação. Se o PP vier à mesa para negociar influência no governo, temos que estar abertos.

Mas ocupando espaço na Esplanada? Aí, seria começar pelo fim. Se o PP, através dos seus líderes, o presidente Ciro Nogueira e o Arthur Lira, abrir esse diálogo com o governo, não temos que ter preconceito. Como secretário-geral do PT, estou lutando para que o partido tenha a maior influência em funções de governo.

Acha que o PT deve estar disposto a abrir espaço dentro da Esplanada para acomodação desses novos aliados? Quando essa situação se der, sob a condução do presidente Lula e do [ministro das Relações Institucionais, Alexandre] Padilha, a base tem que encontrar uma solução.

Isso também vale para o Republicanos? Vale.

Em entrevista à Folha, Gleisi disse que o PT já cedeu demais em espaço no governo. Por enquanto, isso está muito no terreno das hipóteses. O fundamental é que o governo tenha uma base parlamentar mais larga. Especialmente por estarmos vivendo um Brasil hiperpolarizado, por todas essas redes de extrema direita, pela política do ódio e da intolerância, isso [base mais ampla] é uma espécie de seguro democrático importante.

Eu me preocupo muito mais em estabelecer uma linha de projeto de poder de longa duração, sob a liderança do presidente Lula, do que com aquilo que vai acontecer no mês que vem. Então, alargar essa base significa ampliar o nosso seguro democrático.

Há quem diga que Lula se precipitou quando falou que não iria concorrer à reeleição. Qual a sua avaliação? O ideal é que ele lidere esse processo. O momento não é de discutir quem será candidato. Lula tem que liderar e preparar essa coalizão para um período longo de poder, porque a extrema direita foi derrotada eleitoralmente, mas ela ainda tem força política expressiva na sociedade, felizmente minoritária. Não podemos descuidar.

Esse projeto tem que ser encabeçado pelo PT? Não tem que ser sempre o PT na cabeça dessa coalizão. Os demais partidos que compõem a nossa frente têm quadros qualificados. Se Lula falar que tem vontade de continuar liderando mais um período, é o melhor.

Como combater o antipetismo? O partido tem que encarar isso como uma tarefa central. O antipetismo foi construído metodicamente como uma ferramenta fundamental da extrema direita na guerra cultural. Tu tem que combater com o teu exemplo, a forma que tu governa o país, a forma que tu age.

Temos que levar também um diálogo permanente como a nossa militância e os nossos simpatizantes para que se combata permanentemente o preconceito. Os 59 milhões de brasileiros que votaram no Bolsonaro não são todos de extrema direita.

Durante a campanha, Bolsonaro usou a corrupção como munição contra o PT. Acha que o PT ainda deve explicações ao eleitor? Ao eleitor interessa o tema de combater a corrupção. Ninguém gosta de ver o dinheiro do imposto escapando por um vale da corrupção.

O PT, do meu ponto de vista, fez governos que tiveram muitas conquistas no processo de combate à corrupção. Todo governo enfrenta problemas. Olha o exemplo da Petrobras, que foi o mais visível. Ocorreram problemas de corrupção na Petrobras durante os períodos em que nós governamos, como ocorreram em períodos anteriores ao nosso governo e nos que vieram depois de nós também.

Nós temos que continuar demonstrando a nossa capacidade de combater a corrupção e não podemos ter medo de falar sobre esse assunto. As pessoas foram punidas. Não se pode fazer um julgamento coletivo. Dizer que os petistas são corruptos é totalmente infundado e injusto. Agora nós temos um terreno aberto para governar de novo e recuperar inclusive ainda mais gente que não esteve conosco.

RAIO-X

Henrique Fontana, 63

Médico, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi vereador de Porto Alegre de 1993 a 1999. Foi eleito deputado federal por seis mandatos. Ocupou o cargo de líder do governo na Câmara em diferentes períodos nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT). Assumiu em 2023 a secretaria-geral do PT.

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