Nações em todo o Sul Global foram forçadas a abrir mão de sua autodeterminação econômica sob a bandeira do livre comércio. Sem uma resposta coletiva, o desmantelamento dessa ordem por Donald Trump apenas corroerá ainda mais a soberania econômica das nações em desenvolvimento.
José Miguel Ahumada
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Contêineres empilhados em um navio cargueiro no Porto de Miami em 15 de abril de 2025, em Miami, Flórida. (Joe Raedle / Getty Images) |
A recente ofensiva tarifária dos Estados Unidos deixou os países em desenvolvimento diante de um dilema espinhoso. À medida que Washington abandona a ordem multilateral em favor de medidas econômicas unilaterais, o Sul Global precisa lidar com as implicações dessa mudança — não apenas em termos diplomáticos, mas também em termos da redução do espaço para a formulação independente de políticas econômicas.
O governo Trump — e, cada vez mais, grande parte da corrente política dominante dos EUA — tem retratado as tarifas como uma ferramenta para reavivar a indústria nacional e reafirmar o poder nacional. Ao promover essa agenda, os Estados Unidos descartaram as regras fundamentais da Organização Mundial do Comércio e ignoraram os próprios acordos de livre comércio que outrora prometiam aos países em desenvolvimento um baluarte contra o unilateralismo econômico. Em troca dessa suposta proteção, esses países já haviam cedido um espaço político significativo em áreas como propriedade intelectual, controle de capital e investimento estrangeiro direto.
À primeira vista, essa erosão da ordem comercial multilateral pode parecer conceder às nações em desenvolvimento maior flexibilidade — uma abertura para buscar políticas industriais e comerciais que há muito tempo eram limitadas por esse mesmo sistema. Mas antes de celebrarmos uma suposta ampliação do espaço político, vale a pena perguntar o que exatamente está por trás da doutrina comercial da era Trump e, mais importante, que espaço de manobra ela deixa para as economias do Sul Global.
Do livre comércio às tarifas agressivas
O que Donald Trump quer? Sua abordagem tarifária oferece pouco em termos de estímulo ao mercado nacional dos EUA. De fato, as tarifas não são adaptadas às necessidades das empresas industriais. Elas são aplicadas de forma quase uniforme, com taxas adicionais fixas sobre as tabelas existentes. A principal exceção foi anunciada em 2 de abril, quando telefones, computadores, semicondutores e seus componentes foram isentos de tarifas adicionais. No entanto, para todas as outras indústrias, será caro obter componentes, e esses custos serão repassados aos consumidores. Os bens finais produzidos nos Estados Unidos, em outras palavras, presumivelmente seriam caros e ainda poderiam ser incapazes de competir com os bens finais que chegam de mercados estrangeiros. Mas também — e mais importante — as tarifas não são acompanhadas por nenhuma dessas outras ferramentas que incentivam o desenvolvimento industrial.
Primeiro, Trump não demonstrou intenção de facilitar a captação de financiamento para a economia real. Não há novas ferramentas para subsidiar a indústria; Pelo contrário, ele sinalizou seu desejo de pôr fim à Lei CHIPS, e o programa de Pesquisa de Inovação para Pequenas Empresas (SBIR) poderá enfrentar dificuldades de financiamento caso as agências que deveriam contribuir para ele tenham seus orçamentos cortados. Em segundo lugar, Trump está desmantelando o sistema de educação, ciência e inovação que gera vantagens dinâmicas. Segundo a Science, a National Science Foundation concedeu 50% menos subsídios desde que Trump assumiu o cargo, em comparação com o mesmo período em 2024. A proximidade com Elon Musk, ao que parece, dificilmente qualifica alguém para desenvolver um plano de reindustrialização do país.
Qual é, então, a lógica por trás das tarifas de Trump? Essas medidas fazem parte de uma doutrina comercial mais ampla que visa proteger mercados estrangeiros e cadeias de suprimentos críticas por meio de pressão unilateral. Além disso, a estratégia parece ter como objetivo induzir a valorização cambial em outros países (um "acordo de Mar-a-Lago"), ao mesmo tempo em que explora a possibilidade de converter seus títulos do Tesouro dos EUA em títulos de cem anos. No entanto, a probabilidade de forçar com sucesso tal valorização cambial coordenada permanece pequena.
O objetivo de Trump é garantir que as empresas americanas tenham acesso preferencial ao mercado mundial, não mais por meio do sistema multilateral de comércio, mas por meio de ameaças tarifárias unilaterais. Isso foi explicitamente sugerido pelos assessores de Trump. "Isto não é uma negociação", diz Peter Navarro ao mundo, declarando que o atual sistema de comércio internacional está falido e precisa ser refeito pelos Estados Unidos. Stephen Miran sustenta que o déficit comercial estrutural e a moeda supervalorizada dos Estados Unidos podem ser superados com, entre outras medidas, tarifas unilaterais que punam os países que imponham quaisquer regras comerciais consideradas pelo governo Trump como protecionistas, desalinhadas com a agenda de segurança dos EUA ou que não protejam a propriedade intelectual e os investimentos americanos.
Atualmente, os Estados Unidos estão forçando os países a negociar bilateralmente novos acordos com eles para potencialmente remover imposições tarifárias unilaterais e garantir certas proteções. Trump quer que líderes estrangeiros tragam à mesa questões como direitos de propriedade intelectual, detenção de imigrantes, subsídios, acesso privilegiado a minerais essenciais e reduções no comércio com a China. Essas questões fazem parte de uma agenda para garantir acesso privilegiado ao mercado e o fornecimento de ativos essenciais, e serão impostas à custa do já limitado espaço político dos países em desenvolvimento. Essa tática atingiu o ápice nas recentes negociações com o presidente Volodymyr Zelensky, que assinou um acordo neste mês concedendo a Washington acesso à riqueza mineral do país em dificuldades.
Os países periféricos estão, portanto, sendo empurrados para uma estrutura de negociação arbitrária: ou restringem ainda mais seus espaços de atuação — além do que a OMC e a onda atual de acordos de livre comércio já impuseram — ou os Estados Unidos imporão suas ameaças tarifárias. Países como o Chile estão sendo pressionados a implementar mecanismos de triagem de investimentos estrangeiros em setores estratégicos como lítio e cobre, onde o Chile está entre os maiores produtores mundiais, com o objetivo implícito de usar estruturas regulatórias domésticas para limitar os fluxos de investimento chinês. Simultaneamente, o Representante Comercial dos Estados Unidos divulgou recentemente o Relatório Especial 301 de 2025 sobre Proteção e Execução da Propriedade Intelectual, listando novamente o Chile como um país que viola ativamente os direitos de propriedade intelectual, marcando-o como alvo de negociações coercitivas.
Trump conseguirá?
A estratégia de Trump funcionará? Não está claro como esses elementos díspares podem atuar sinergicamente para impulsionar a indústria americana. Tarifas podem gerar rendas de curto prazo nas mãos do setor privado, que poderiam ser utilizadas para novos investimentos, impulsionando empregos. No entanto, é improvável que isso aconteça sem um conjunto mais amplo de instituições públicas que possam converter rendas privadas de curto prazo em inovação dinâmica. É ainda menos provável, dado o foco de Trump em reduzir precisamente esse tipo de capacidade burocrática.
Além disso, além das fronteiras dos EUA, as ações de Trump estão criando uma ordem mundial na qual o desenvolvimento americano, se ocorrer, ocorrerá explicitamente às custas do desenvolvimento em todos os outros lugares. Por que os países em desenvolvimento deveriam voltar a ser apenas fornecedores de matérias-primas e mercados para produtos americanos? A doutrina Trump espera instrumentalizar a interdependência econômica, baseando-se na falácia de que o poder de consumo dos EUA pode levar o mundo inteiro a se submeter e sustentar o domínio americano. Esta é uma estratégia altamente arriscada, e a possibilidade de reação e fragmentação é grande, colocando em risco a própria estabilidade dos mercados e suprimentos que Trump busca.
O fato de os Estados Unidos estarem desmantelando unilateralmente a ordem comercial global apresenta dois possíveis cursos de ação para o Sul Global. O primeiro envolve países individuais batendo à porta de Trump, buscando negociar sob os termos e condições definidos pelos EUA. Os resultados de tal abordagem são previsíveis: resultariam em uma erosão ainda maior da soberania econômica dos Estados periféricos.
A segunda abordagem envolveria uma ação coordenada de países periféricos menores — particularmente aqueles cujos acordos comerciais foram violados pelos Estados Unidos — para levantar uma voz coletiva e exigir conjuntamente a retirada das ameaças tarifárias, tanto em nível regional quanto multilateral. A América Latina, por exemplo, poderia alavancar fóruns regionais como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) para coordenar respostas e aumentar seu poder de barganha relativo. Isso não apenas serviria para neutralizar as ameaças atuais, mas também ofereceria uma oportunidade crucial para recuperar o espaço político que foi progressivamente cedido sob a ordem multilateral neoliberal, agora em decadência.
Colaborador
José Miguel Ahumada é professor assistente na Universidade do Chile e autor de The Political Economy of Peripheral Growth: Chile in the Global Economy. Em 2022-23, foi vice-ministro do Comércio do governo chileno.
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